A situação difícil do mercado de trabalho
Valor Econômico – 18/10/2021 – Artigo Sergio Lamucci O emprego tem mostrado uma recuperação significativa nos últimos meses, mas a situação no mercado de trabalho segue difícil. Apesar da maior criação de postos de trabalho, a desocupação continua muito elevada, a taxa de subutilização da força de trabalho permanece nas alturas e as perspectivas para a economia no ano que vem não são animadoras, dado o cenário formado por juros em alta, incertezas fiscais e políticas e o risco imposto pela crise hídrica. Para completar, as pressões inflacionárias se mostram resistentes, corroendo a renda dos trabalhadores, e o nível de endividamento das famílias está em nível recorde. Na visão do economista Bruno Ottoni, o emprego de fato reage, mas o quadro geral do mercado de trabalho ainda é ruim. Em texto para o Blog do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), Ottoni diz que tanto os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) quanto da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua sugerem realmente uma retomada expressiva do emprego. Pesquisador do FGV Ibre e da consultoria IDados, ele ressalva, contudo, que, “diante da grande perda de emprego causada pela pandemia, a forte geração de postos de trabalho de 2021 se mostra até pequena”. Além disso, muita gente ainda precisa voltar à força de trabalho, diz ele. Taxa de desemprego deve seguir em níveis elevados em 2022 “Nesse cenário, a taxa de desemprego pode até cair, mas ainda deve permanecer em patamares elevados entre setembro de 2021 e dezembro de 2022”, afirma Ottoni.Ele observa que a geração expressiva de empregos tem contribuído para a queda do nível de desocupação – a taxa recuou de 14,5% no trimestre encerrado em dezembro de 2020 para 13,7% nos três meses até julho, em números com ajuste sazonal. O desemprego, porém, ainda se encontra claramente num nível muito elevado, segundo ele. Antes da pandemia, por exemplo, esse número estava em 11,8%, um percentual que já era alto. Considerando dados até julho, o Caged, uma pesquisa baseada em dados administrativos com informações sobre trabalhadores formais, mostra a geração de 1,8 milhão de empregos com carteira assinada neste ano. A Pnad Contínua, por sua vez, também tem indicado uma criação forte de postos de trabalho, incluindo vagas formais e informais, diz Ottoni. “A população ocupada aumentou em mais de 2,8 milhões agora em 2021, mais precisamente entre o trimestre encerrado em dezembro de 2020 e aquele terminado em julho de 2021”, escreve ele. “O problema é que uma análise abrangente do mercado de trabalho brasileiro não pode parar apenas nessa constatação de geração forte de empregos em 2021”, afirma o economista. “É importante considerar que essa expressiva criação de empregos está ocorrendo após uma grave crise, causada pela pandemia da covid-19, que debilitou gravemente o mercado de trabalho”, avalia Ottoni, notando que, “ao longo de 2020, foram eliminados cerca de 8,3 milhões de empregos” por causa do impacto da covid, de acordo com a Pnad Contínua. A população ocupada caiu de mais de 94,5 milhões, no trimestre encerrado em dezembro de 2019, para quase 86,2 milhões, no trimestre encerrado em dezembro de 2020. “Diante dessa evidência, de perda de aproximadamente 8,3 milhões de postos de trabalho por conta da pandemia ao longo de 2020, a geração de emprego no ano de 2021, apesar de forte, se mostra claramente insuficiente”, afirma ele, ressaltando que “outra variável importante em uma análise mais abrangente do mercado de trabalho é a taxa de desemprego”. E a desocupação segue muito alta, nos já mencionados 13,7% nos três encerrados em julho, embora tenha recuado em relação ao nível do fim do ano passado. Para Ottoni, “as perspectivas para frente também não são boas”, olhando para o horizonte de setembro de 2021 até o fim de 2022. “Nesse período acreditamos que a população na força de trabalho deve se aproximar dos patamares vigentes antes da pandemia.” Isso significa um retorno de mais 3 milhões de pessoas nesse intervalo. “Projetamos que, até o final de 2022, a população na força de trabalho deve se aproximar do nível vigente antes da crise, porque a tendência é que até lá a pandemia já tenha ficado para trás. Sem pandemia, o normal é que aqueles que saíram do mercado de trabalho voltem a tentar procurar uma ocupação”, diz Ottoni. Com isso, “ainda deve haver muita pressão de oferta de mão de obra afetando o mercado de trabalho brasileiro até o final do ano que vem”. Nesse quadro, a taxa de desemprego pode até baixar, mas deverá se manter em níveis elevados, reitera ele. Ottoni vê um cenário pouco favorável ao crescimento, devido à combinação de fatores como juros em alta, incertezas fiscais e políticas elevadas e o desafio imposto pela crise hídrica. Outro problema do mercado de trabalho é que a taxa de subutilização continua muito alta. No trimestre terminado em julho, eram 31,7 milhões de pessoas, uma taxa de 28% da força de trabalho ampliada, somando os desempregados, os que trabalhavam menos horas do que gostariam e as pessoas que não buscaram emprego, mas estavam disponíveis para trabalhar na semana de referência da pesquisa. Além da situação complicada no mercado de trabalho, as famílias enfrentam pressões inflacionárias persistentes e disseminadas, com alta forte de preços de alimentos, combustíveis, energia e serviços, corroendo a renda disponível, em especial dos mais pobres. Para completar, o nível de endividamento dos brasileiros é crescente. Segundo pesquisa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), quase três quartos da população tem dívidas. Em setembro, 74% dos ouvidos no levantamento relataram estar endividados, o maior nível da série iniciada em 2010. No mesmo mês do ano passado, o percentual era de 67,2%. São fatores que limitam as perspectivas de expansão do consumo das famílias, que tem peso de mais de 60% no PIB pelo lado da demanda. * Sergio Lamucci é editor-executivo do Valor Econômico
Quando faz sentido o dono de um negócio se apresentar como CEO?
Folha de S.Paulo – 17/10/2021 – Inspirados em líderes das grandes corporações, muitos empresários têm escolhido a sigla CEO (chief executive officer, diretor-executivo em inglês) para denominar a si próprios. Mas, em geral, o termo não é apropriado para negócios muito pequenos, que não têm a pretensão de crescer rapidamente. Siglas em inglês podem causar problemas de entendimento e criar um distanciamento com clientes e funcionários que não estão familiarizados com a nomenclatura no dia a dia, diz Jaércio Barbosa, coordenador da Incubadora de Negócios da ESPM. “A questão é: por que você usa esses termos? É para dar status? Ou isso é um diferencial e sua empresa precisa dessa nomenclatura porque está presente em ambientes em que esses cargos são importantes?”, diz o professor. O cargo CEO e outras posições de liderança como CFO (chief financial officer) fazem parte do chamado “C-level”, uma expressão que denomina profissionais que acumularam competências técnicas e comportamentais de forma completa, independentemente da idade, e atuam na visão estratégica de suas áreas, explica Bruna Losada, vice-reitora geral da Saint Paul Escola de Negócios. Em geral, essas siglas significam que existe um time ou hierarquia abaixo daquela posição, mas é muito comum que uma startup nasça apenas com um CEO, que acumula funções até conseguir crescer e contratar outros executivos, afirma Losada. Mas o número de empresas que necessitam dessa estrutura de cargos é relativamente pequeno no mercado, diz Barbosa. “Se você está falando de um negócio com duas ou três pessoas e que não tem a pretensão de crescer, essa terminologia não faz muita diferença. Na verdade, ela não diz nada”, diz Edgard Barki, coordenador do Centro de Empreendedorismo da FGV (Fundação Getulio Vargas). Usar o termo de maneira equivocada pode também causar má impressão no consumidor, que pode concluir que a sigla não reflete a realidade da empresa, diz Marcelo Treff, professor de Gestão de Pessoas da Fecap (Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado). “O negócio vai ser avaliado por essa escolha e isso pode causar uma quebra de expectativa.” Segundo ele, com a chegada de grandes grupos internacionais ao país nos anos 1990, a linguagem do mundo corporativo se proliferou e muitos empreendedores começaram a usá-la. Isso se acelerou com o surgimento de big techs e dirigentes que ganharam fama como Bill Gates, da Microsoft, e Mark Zuckerberg, do Facebook. “Ficou o glamour dessas figuras. Cada vez mais as pessoas querem empreender, mas elas têm que se livrar de vícios de linguagem. Passa mais segurança dizer que é só empreendedor mesmo”, diz Treff. Para Barbosa, da ESPM, faz sentido que a sigla seja usada por startups, porque esses negócios nascem pequenos mas são pensados para crescer rápido. “Desde cedo, eles adotam a linguagem de fundos de investimento e incubadoras”, afirma. Nas apresentações feitas nessas rodadas, Barbosa afirma que é comum que o representante da startup mencione quem faz parte da equipe. “Por exemplo, se houver um CMO (chief marketing officer), isso vai ser dito e ajuda a dar o entendimento rápido para os investidores que o time daquela startup tem experiência no que faz”, diz. Com quase dois anos de vida, a startup de produtos naturais Nutritivo começou a acelerar seu ritmo de crescimento e há seis meses seus sócios decidiram escolher entre si um representante para ocupar a posição de CEO. “Depois de um primeiro momento, nos deparamos com essa exigência. Quando você fala com bancos de investimento e investidores-anjo, precisa ter alguém no comando do negócio que vai responder pelo potencial de crescimento e pelo retorno do dinheiro”, diz Marcos Iazzetti, 31, sócio e CEO da Nutritivo.Marcos afirma, no entanto, que a rotina de sua empresa mostra que é preciso ter flexibilidade na hora de empregar o termo CEO. Desde o começo de 2020, a Nutritivo funciona como uma plataforma que vende produtos naturais em diferentes categorias (como alimentação, limpeza e produtos de beleza), feitos em grande parte por empreendedores de comunidades rurais e familiares. “Muitas vezes, são pessoas que estão vendendo na internet pela primeira vez. Não dá para eu ligar para a Rose, que fabrica pão no interior de São Paulo, e dizer que sou o CEO”, afirma Marcos.O empreendedor afirma que a startup teve uma expansão durante a pandemia —com isso, o portfólio passou de 120 para 1.200 itens. “Ter um cargo traz uma poesia e um status. Mas a realidade é que você precisa dar conta do negócio para ele crescer. E, para isso acontecer, eu não posso afastar as pessoas e criar barreiras”, diz.O CEO é a figura responsável por criar e colocar em prática a visão da companhia desde o início, diz André Fonseca, 44, cofundador e CEO da startup Bornlogic. A empresa, que atende clientes como Magalu, Carrefour e Grupo Pão de Açúcar, tem entre seus produtos uma plataforma que permite que os próprios vendedores de lojas de uma companhia criem anúncios de vídeo personalizados para redes sociais —que são aprovados antes de serem publicados. A ferramenta ganhou espaço na pandemia e ajudou empresas a impulsionar as vendas durante a quarentena —a Bornlogic triplicou o faturamento no último ano e aumentou seu time de funcionários de 40 pessoas para 125 nos últimos nove meses. “Se eu não tivesse trabalhado na visão estratégica lá atrás, seria muito difícil fazer com que as pessoas se motivassem para contribuir com o objetivo da empresa”, afirma André, engenheiro da computação que trabalhou por 13 anos no Vale do Silício, nos Estados Unidos. À medida que a empresa começa a crescer e ganhar clientes, afirma o empresário, ela precisa se planejar à frente das mudanças e ter cargos que comportem essas responsabilidades estratégicas. “Se você tem 500 pessoas fazendo vendas, não dá para o chefe de vendas estar vendendo também. Os cargos ajudam a trazer uma definição do que é a responsabilidade em cada nível e alinhar isso interna e externamente”, diz. ENTENDA OS CARGOS CEO (chief executive officer) É o cargo mais alto. Lidera outros executivos, faz a interlocução com investidores, representa a empresa externamente e toma
Falta de luz, internet e computador impede que 7 milhões façam trabalho remoto
Folha de S.Paulo – 17/10/2021 Mais de 7 milhões de brasileiros têm empregos que poderiam ser realizados virtualmente, mas, por falta de uma infraestrutura mínima em suas casas, não conseguem trabalhar de forma remota. Esse contingente representa 7,8% da população ocupada (dados de 2019). São trabalhadores em áreas como pesquisa, administração, https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg e magistério que não contam com serviços como acesso contínuo a energia elétrica e internet em suas residências e, muitas vezes, não têm um computador. A existência de uma parcela tão significativa da mão de obra brasileira nessa situação faz com que o potencial de trabalho remoto do Brasil seja de apenas 17,8%. Esse percentual —estimado em um estudo inédito dos economistas Fernando de Holanda Barbosa Filho, Fernando Veloso e Paulo Peruchetti, do FGV Ibre— é menos do que a metade dos 37% estimados para os Estados Unidos. O número americano foi calculado pelos pesquisadores Jonathan Dingel e Brent Neiman devido à maior curiosidade sobre esse tema na esteira do isolamento social imposto pela Covid-19. O aumento da aceitação do trabalho remoto por parte dos empregadores foi visto como um efeito colateral positivo em meio aos muitos impactos desastrosos da pandemia. Além da possibilidade de trazer ganhos de qualidade de vida para os funcionários, o teletrabalho permite às empresas cortar custos, reduzindo, potencialmente, o risco de demissões em meio a crises como a atual. Interessados nessas questões, Dingel e Neiman desenvolveram, logo no início da pandemia, uma metodologia para mensurar o potencial de trabalho remoto nos EUA, com base na estrutura de ocupações da economia do país. Eles concluíram que mais de um terço dos trabalhadores norte-americanos tinham empregos que poderiam ser feitos de suas residências. Ainda em 2020, a metodologia foi adaptada por vários economistas para estimar o potencial de teletrabalho em outros países, incluindo o Brasil. Os próprios Dingel e Neiman usaram dados da OIT (Organização Internacional do Trabalho) para calcular o número para diferentes nações. Segundo eles, em países ricos, como Suécia e Reino Unido, mais de 40% da população ocupada teria a possibilidade de trabalhar a distância. Já, no Brasil, esse número era um pouco superior a 25% da mão de obra, enquanto, no México e na Turquia, ficava abaixo desse nível. Uma segunda leva de pesquisas aprimorou a metodologia de Dingel e Neiman, adaptando-a à realidade da estrutura ocupacional de cada nação. PAÍSES EMERGENTES TÊM MENOS POTENCIAL DE TELETRABALHOOs números encontrados variaram um pouco, mas esses estudos confirmaram a conclusão de que os países desenvolvidos —onde o uso de https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg é muito mais disseminado— oferecem mais oportunidades de trabalho remoto. Uma dessas novas pesquisas foi feita, em meados do ano passado, por pesquisadores do Ipea, a partir do código de ocupações usado pelo IBGE na Pnad (Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios) Contínua. O resultado apontou para um potencial de teletrabalho equivalente a 22,7% da população ocupada no país. Agora, o estudo dos economistas do FGV Ibre dá mais alguns passos nessa linha de investigação, com base em dados da Pnad Contínua e da Pnad Covid. Barbosa Filho, Veloso e Peruchetti também fizeram uma espécie de conversão da metodologia de Dingel e Neiman, adaptando a análise das ocupações que podem e não podem ser realizadas remotamente para a realidade brasileira. “Por causa das diferenças de https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg, esse conceito do que pode ou não ser feito remotamente muda de um país para o outro”, diz Veloso. O primeiro número a que eles chegaram foi o do potencial de trabalho remoto do Brasil: 25,5%, nível próximo ao encontrado pelos próprios Dingel e Neiman e acima do calculado pelo Ipea. Mas o interesse maior dos pesquisadores da FGV era ir além dessa conta e fazer uma estimativa que também considerasse as conhecidas limitações de infraestrutura do Brasil. Eles identificaram, então, a parcela de trabalhadores em posições compatíveis com o teletrabalho —como professores e assistentes administrativos—, mas sem as ferramentas que viabilizam sua realização. Para mensurar essa restrição, se basearam nas perguntas da pesquisa domiciliar referentes ao acesso da residência ao fornecimento contínuo de energia elétrica, a uma conexão com a internet e à posse de, pelo menos, um microcomputador. A ausência de um ou mais desses quesitos foi considerada pelos economistas como impedimento ao trabalho remoto. “Quando fazemos esse ajuste pela infraestrutura mínima, notamos uma queda de quase um terço no potencial de trabalho remoto do país. É uma redução muito expressiva”, diz Veloso. Barbosa Filho ressalta que essa perda limita os ganhos de eficiência e a capacidade de geração de novos empregos no país. CENÁRIO PODE SER PIOROs pesquisadores da FGV alertam, ainda, que o cenário brasileiro pode ser ainda pior. Isso porque um outro cálculo que fizeram, com base nos números da Pnad Covid, mostra que o pico da população empregada trabalhando remotamente no país foi de 10%, entre maio e junho de 2020. Ou seja, um percentual muito inferior ao potencial de 17,8% estimado pelos economistas. “Uma hipótese que pode ajudar a explicar essa diferença é que a infraestrutura mínima que consideramos nem sempre seja suficiente para a efetivação do trabalho remoto”, diz Barbosa Filho. Isso pode ocorrer em casos nos quais, para que um serviço seja prestado, os dois lados precisem de luz, internet e computador, mas apenas um deles o possua. “Na pandemia, vimos muitos casos em que os professores não conseguiam dar aula porque seus alunos não tinham acesso a condições mínimas para se conectar”, afirma Peruchetti. Veloso acrescenta que alguns trabalhadores podem contar com uma infraestrutura mínima, mas sem a qualidade necessária. “A conexão da internet pode, por exemplo, ser um problema”, diz o economista. Somados, esses fatores podem reduzir o potencial de trabalho remoto real do Brasil a um patamar mais próximo aos 10% registrados no pico do isolamento social. “São números muito baixos. Quando começamos a pesquisa, achava que seriam muito maiores”, diz Barbosa Filho. Para os economistas, os resultados reforçam a urgência de políticas para aumentar a eficiência da economia brasileira e atacar as deficiências de infraestrutura do país.