Problema do emprego e da produtividade do trabalho não nos deixará tão cedo

Folha de S.Paulo – Opinião Cecilia Machado De um lado, são mais de 8 milhões de americanos buscando emprego. De outro, são quase 11 milhões de vagas em aberto. Seria o fim do desemprego? Pior que não. As empresas querem contratar, mas não conseguem. Mostram-se preocupadas com a escassez de mão de obra. Os trabalhadores, por sua vez, ou não estão qualificados para as vagas disponíveis ou não se interessam por elas. Sem consenso entre as partes, a vaga segue vazia. À medida que a vacinação avança e a economia reabre, o processo de recontratação dos trabalhadores que foram dispensados durante a pandemia se mostra desafiador. É cada vez menos provável que fatores temporários estejam por trás da lenta recuperação do emprego. Por exemplo, o medo do contágio ou de novas variantes perde força agora que a vacinação é mais abrangente. Também parece pouco aderente a associação entre as generosos transferências de renda e o desincentivo ao trabalho. Nos EUA, o montante do seguro-desemprego foi expressivo —com o suplemento de US$ 600 por semana no início da pandemia, 76% dos desempregados tiveram reposição de renda acima de seus salários—, mas os efeitos em emprego foram pequenos. Entre os estados que abandonaram o programa federal de seguro-desemprego antes do prazo, a redução do desemprego foi bastante modesta. Uma terceira explicação está relacionada ao fechamento das escolas, que dificulta o trabalho de pais com filhos pequenos. Entretanto, apesar de a perda de emprego ter sido maior entre as mães quando comparadas aos pais, o reemprego tem se dado de forma semelhante entre mulheres com e sem filhos, indicando que a volta ao trabalho está pouco ligada à situação das escolas. Ainda há enorme incerteza sobre as causas do descasamento entre a oferta e a demanda por trabalho, mas é razoável considerar que mudanças mais estruturais na economia tenham parte na culpa, seja através de produtos e serviços que passaram a (e deixaram de) ser demandados, seja em como e onde a atividade produtiva se organiza. No auge da pandemia, a atividade se contraiu em setores e localidade específicas, e agora, com a reabertura da economia, há dúvidas sobre o retorno da demanda aos mesmos lugares de antes e sobre a perda de mercado dos setores e das empresas mais afetados, e consequentemente, sobre a capacidade de empregar trabalhadores especializados nestas atividades. Ao que tudo indica, o choque da Covid-19 está associado a uma realocação permanente na economia. Os custos associados à mudança no capital físico, humano e organizacional das empresas aumentam o desemprego da economia e diminuem a velocidade da recuperação. Tal qual ocorreu na grande crise de 2008-09, já é visível a mudança na relação entre as taxas de desemprego e as taxas de vagas, representada pela curva de Beveridge. O deslocamento da curva para a direita —para um dado desemprego, a taxa de vagas é maior— está em linha com uma menor eficiência nos pareamentos de emprego. No Brasil, infelizmente, não há informações disponíveis sobre a abertura de vagas como na Job Openings and Labor Turnover Survey (Jolts) dos EUA—fica aqui uma dica para o IBGE ou Ministério do Trabalho—, mas os fatos trazidos por Joana Cunha aqui nesta Folha apontam nessa mesma direção. Ao longo das últimas décadas, parte expressiva do crescimento do mercado de trabalho no Brasil se deu em empregos de baixa remuneração e pouco produtivos, justamente os mais afetados pela pandemia e para os quais uma realocação do trabalhador é mais difícil. Enquanto a agenda reformista segue mirando uma nova estrutura tributária com pouco ganhos de eficiência, um novo programa social marginalmente diferente do atual Bolsa Família, e uma reforma administrativa que deixa parte importante do funcionalismo de fora e economiza poucos recursos, o problema do emprego e da produtividade do trabalho permanece à deriva. Ao contrário da pandemia, não nos deixará tão cedo. * Economista-chefe do Banco BOCOM BBM e professora da EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV.

Setor de serviços cresce 1,1% em julho e atinge maior nível desde março de 2016

worker, grinder, factory

Folha de S.Paulo Estimulado por restrições menores a atividades, o volume do setor de serviços no país avançou 1,1% em julho, na comparação com junho. O resultado foi divulgado nesta terça-feira (14) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Com o desempenho, o setor de serviços está 3,9% acima do nível pré-pandemia, de fevereiro de 2020. Também alcançou o patamar mais elevado desde março de 2016. ​Contudo, ainda está 7,7% abaixo do recorde histórico, alcançado em novembro de 2014. Entre janeiro e julho de 2021, o setor acumulou alta de 10,7%. Em período maior, de 12 meses, houve elevação de 2,9%. A alta de 1,1% em julho foi acompanhada por duas das cinco atividades investigadas. Serviços prestados às famílias subiram 3,8%, acumulando ganho de 38,4% entre abril e julho, enquanto serviços profissionais, administrativos e complementares avançaram 0,6%, com crescimento de 4,3% nos últimos três meses. “Essas duas atividades são justamente aquelas que mais perderam nos meses mais agudos da pandemia. São as atividades com serviços de caráter presencial que vêm, paulatinamente, com a flexibilização e o avanço da vacinação, tentando recuperar a perda ocasionada entre março e maio do ano passado”, explicou Rodrigo Lobo, analista da pesquisa do IBGE, em nota. Conforme o IBGE, nos serviços prestados às famílias, o destaque em julho foi para o desempenho dos segmentos de hotéis, restaurantes, serviços de buffet e parques temáticos, que costumam crescer no mês devido às férias escolares. Já nos serviços profissionais, administrativos e complementares, o destaque foi para as atividades jurídicas, serviços de engenharia e soluções de pagamentos eletrônicos. Em julho, os três ramos que tiveram baixa foram serviços de informação e comunicação (-0,4%), transportes, serviços auxiliares aos transportes e correio (-0,2%) e outros serviços (-0,5%). Mesmo com o avanço no sétimo mês do ano, os serviços prestados às famílias ainda operam 23,2% abaixo do patamar de fevereiro de 2020. É a única das cinco atividades que ainda não superou o nível pré-pandemia. O IBGE ainda informou que, em relação a julho de 2020, o volume de serviços cresceu 17,8%. Analistas consultados pela agência Bloomberg projetavam uma alta de 18% nessa base de comparação. Ao longo da pandemia, a prestação de serviços diversos foi bastante prejudicada no país. Isso ocorreu porque o setor reúne atividades que dependem da circulação de clientes, do contato direto e de aglomerações. Hotéis, bares, restaurantes e eventos fazem parte dessa lista. Serviços ligados à área de https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg e informação, por sua vez, tiveram estímulo com o isolamento social para frear o coronavírus. Agora, com a vacinação contra a Covid-19 e a reabertura da economia, as atividades que precisam do contato direto com clientes apostam em uma melhora dos negócios. Fatores como o desemprego e a inflação em alta, por outro lado, desafiam a retomada consistente desses segmentos. “O setor de serviços não é exclusivamente voltado para as famílias. É possível oferecer serviços para famílias, empresas e governo. A inflação e o desemprego de fato são impeditivos para as empresas que prestam serviços às famílias. As famílias em geral têm restrições orçamentárias, mas as de baixa renda, proporcionalmente, consomem menos serviços do que as das classes média e alta”, ponderou Lobo. Em relatório, o Banco Original afirmou que a alta de 1,1% do setor em julho veio em linha com as expectativas do mercado. “O resultado reforçou a sinalização de avanço da atividade econômica no terceiro trimestre do ano e especialmente a mensagem de recuperação do setor em meio à reabertura das atividades econômicas e ao avanço da vacinação contra a Covid-19 no país”, emendou o banco. O Goldman Sachs também associou a alta do setor a questões como o aumento da mobilidade e o avanço da imunização. No entanto, a instituição citou riscos para os próximos meses, que incluem a aceleração da inflação, juros mais altos e ruídos e incertezas na área política. Além de apresentar o desempenho de serviços, o IBGE também já divulgou os balanços de outros dois indicadores setoriais referentes a julho: produção industrial e vendas do comércio. Conforme o instituto, a produção das fábricas caiu 1,3% frente a junho. Já o comércio subiu 1,2%.

Onyx insiste em minirreforma trabalhista e diz que CLT é muro para ingresso ao mercado formal

Folha de S.Paulo Após o Senado rejeitar o pacote de medidas na área trabalhista, o ministro Onyx Lorenzoni (Trabalho e Previdência) voltou a defender a proposta e disse nesta terça-feira (14) que irá insistir no projeto de criação de novas modalidades de contrato. “Não significa que vamos desistir dos programas que estavam ali [no pacote] inseridos”, afirmou o ministro em debate na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara. Onyx também voltou a fazer um discurso de flexibilização da CLT. “A CLT é um importante muro de proteção para o trabalhador. […] Esse mesmo muro é um impeditivo para o ingresso no mercado de trabalho”. Em linha com as declarações do ministro Paulo Guedes (Economia), o Onyx afirmou que os encargos previstos nos contratos de carteira assinada acabam reduzindo as oportunidades de trabalho no mercado de emprego formal. O governo conseguiu o aval da Câmara para o projeto que ficou conhecido como minirreforma trabalhista, pois modificava a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e criava três novos modelos de contratações, com menos direitos trabalhistas aos empregados. Segundo Onyx, um dos motivos da decisão da maioria dos senadores foi um “desentendimento de ordem política entre as duas Casas”. O clima político acirrado e a atuação de entidades do Sistema S contra a proposta são apontados como fatores que culminaram na derrota dos planos de Onyx e de Paulo Guedes (Economia), segundo membros desses ministérios. No projeto que foi à votação, o Sistema S perderia arrecadação. Esse seria uma das formas de bancar parte dos custos de contratação de jovens que ganhariam uma bolsa em troca de um contrato sem vínculo empregatício e que exige qualificação profissional. Integrantes do governo querem insistir numa agenda de programas trabalhistas a serem encampados por Onyx, recém nomeado para o cargo. Ele é próximo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) Uma remodelagem dos programas, principalmente em relação ao financiamento dos gastos, será avaliada. O Senado já barrou dois pacotes trabalhistas desde o início do governo Bolsonaro. Dos três programas trabalhistas defendidos por Onyx, um deles é chamado de Requip (regime de qualificação profissional). A medida era voltada para jovens, desempregados e pessoas carentes. O plano previa a criação de bônus (bolsa) de até R$ 550 por mês pago ao trabalhador em treinamento. O contrato estaria vinculado a um curso de qualificação profissional. Após um ano, o trabalhador teria direito a um recesso remunerado de 30 dias. Mas sem previsão de 13º pagamento da bolsa nem de FGTS. Outro tipo de contratação que estava previsto foi pedido por Onyx, chamado de Programa Nacional Prestação de Serviço Social Voluntário. Ele permitiria que prefeituras contratassem temporariamente pessoas para serviços. Dos três programas do projeto aprovado, o único que previa vínculo empregatício era o Priore (Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego). Férias e 13º estariam garantidos. Mas, nesse tipo de programa, haveria uma redução do recolhimento para o FGTS dos empregados –ideia semelhante à carteira Verde e Amarela, que foi rejeitada pelo Senado no ano passado. Segundo o governo, os programas poderiam gerar 3 milhões de novas vagas. Mas, nem todos esses contratos seriam contabilizados como emprego formal. Nesta terça, durante o debate na Câmara, o ministro do Trabalho e Previdência também apresentou medidas a serem adotadas para reduzir a fila de espera no INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), que atualmente está em cerca de 1,8 milhão de pedidos. O plano prevê a ampliação do número de servidores e da produtividade na análise dos requerimentos de benefícios previdenciários, como aposentadorias, pensões, salário-maternidade e auxílio-doença. Além disso, o ministro quer ampliar a concessão automática de benefícios, ou seja, que o pedido seja aprovado pela análise de um sistema quando o requerimento já contar com todas as informações e documentos necessários. Outra medida é a parceria com cartórios para acelerar a concessão de salário-maternidade e pensão por morte. Com isso, Onyx espera reduzir significativamente a fila até o início de 2022.

Nova rodada de revisões já traz PIB abaixo de 1% em 2022

Folha de S.Paulo As incertezas aumentadas pela crise política, desemprego, inflação e risco de falta de energia têm feito com que os economistas reduzam ainda mais as projeções de crescimento da economia para o ano que vem. Analistas que há algumas semanas estimavam uma alta acima de 2% do PIB (Produto Interno Bruto) para 2022 agora já avaliam que o crescimento pode ficar abaixo de 1%. O Itaú Unibanco, por exemplo, que projetava um crescimento de 1,5%, revisou o avanço para 0,5% em 2022. Para este ano, a projeção também caiu —de 5,7% para 5,3%. “Projetamos desaceleração do crescimento do PIB para 2022, uma vez que os fatores que impulsionaram o crescimento deste ano estão se esgotando. A revisão decorreu principalmente da nossa expectativa de taxa de juros mais elevada”, diz o banco. O Itaú Unibanco também vê uma desaceleração do setor industrial global e queda de preços de commodities ano que vem. “Por último, a atividade econômica não se beneficiará mais do impulso advindo da reabertura do setor de serviços, algo que, na nossa visão, ficará restrito ao segundo semestre deste ano”, diz texto da instituição. Os economistas do banco também citam os efeitos da crise hídrica sobre a inflação e ressaltam temor de que um possível descumprimento do teto de gastos no ano que impacte no câmbio. O Banco JP Morgan, que antes também projetava 1,5% de crescimento para o ano que vem, revisou a expectativa para 0,9%. A MB Associados é outra casa de análise que trouxe cenários mais pessimistas para o ano que vem. Antes, trabalhava com crescimento de 1,4% para o PIB de 2022, mas revisou as estimativas para 0,4%, segundo antecipou para a Folha. “Isso se dá por efeito da crise, que não tem solução de curto, com a piora da inflação e dos juros empurrando a economia para baixo ano que vem”, explica o economista-chefe da MB, Sergio Vale. Para o ano que vem, a consultoria prevê uma queda de 1,4% no desempenho da indústria, com destaque negativo para a indústria de transformação (-1,9%) e para a construção civil (-2,1%). O destaque positivo deve ser da agropecuária, com avanço esperado de 5%. Na mesma linha, o Safra já havia mudado suas projeções para 2022, de 1,5% para 1,1%. O Haitong também alterou seus indicadores, de 1,5% para 1%. Nesta terça-feira (14), os economistas da XP também revisaram suas estimativas para o ano que vem, mas com um tom mais otimistas que outras instituições. Agora, esperam um crescimento de 1,3%, ante 1,7% na projeção anterior. “O aumento das tensões políticas nas últimas semanas torna o quadro mais complexo. Um possível desfecho pode conter mudanças arriscadas na estrutura do teto de gastos para acomodar mais despesas discricionárias”, diz relatório da XP. A equipe econômica da XP atribui a revisão aos efeitos da política monetária mais apertada, com aumento dos juros básicos para tentar conter a inflação, e as incertezas crescentes para a economia no ano que vem. “Incertezas e volatilidade pesam sobre a atividade econômica em 2022. No curto prazo, a atividade vai bem e esperamos 5,3% de crescimento este ano. Mas o ano que vem ainda preocupa”, diz o economista-chefe da XP, Caio Megale. “Podemos ter algum crescimento no primeiro trimestre de 2022 e um resultado perto de zero nos próximos trimestres do ano.” Outra fonte de preocupação dos economistas no ano que vem é a crise hídrica, que afeta os reservatórios das hidrelétricas e eleva o risco de racionamentos e apagões. Segundo cálculos de economistas da XP, um racionamento de energia que reduza em 10% o consumo de eletricidade por um ano poderia tirar 1,2 ponto percentual do PIB brasileiro de 2022 e zerar o crescimento do país. ​Há também outros riscos no horizonte, como uma proposta de Orçamento que não fica de pé, o que sempre coloca mais dúvidas sobre a questão fiscal, completa Megale, além das incertezas políticas. ​ Nesse cenário, a XP também elevou a projeção para a taxa de câmbio, de R$ 4,90 para R$5,20 no final deste ano. Para o final de 2022, ajustaram de R$ 4,90 para R$ 5,10. Além disso, a pressão sobre a inflação corrente está se mostrando mais persistente e disseminada, lembra a consultoria. “Este fato, aliado ao aumento das incertezas fiscais, nos levou a elevar a projeção de taxa Selic, os juros básicos, ao final do ciclo de aperto monetário para 8,50% (antes em 7,25%)”, afirma relatório da XP. Em conversa com investidores na última sexta-feira (10), o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que a escalada nos preços é uma “sombra” que paira sobre o governo. A XP segue nessa mesma linha. “Acho que estamos no pior momento da inflação, mas vai começar a desacelerar gradualmente e encerrar o ano em volta de 8%, entre 7,5% e 8%”, diz Megale. Em agosto, o IPCA (Índice de Preços ao Consumido Amplo) registrou a maior alta para o mês em 21 anos, de 0,87%, divulgado na semana passada. Em 12 meses, o índice chegou a 9,68%. Os economistas também alertam para uma desaceleração da economia global no ano que vem, o que prejudicaria a recuperação do Brasil. Os preços de commodities pararam de subir, e alguns deles estão caindo, como o minério de ferro, lembra Megale. Esse ambiente internacional pior tende a ter dois efeitos para Brasil. Prejudica o crescimento, mas pode contribuir para uma desaceleração da inflação no Brasil no ano que vem. “Projetamos agora inflação em 8,4% em 2021 (ante 7,7%) e 4,2% em 2022 (ante 3,9%). A inflação corrente segue alta e mostra repasse para itens mais inerciais, como serviços”, diz o relatório do Itaú Unibanco, assinado pelo economista-chefe Mário Mesquita. Os analistas de mercado ouvidos pelo Boletim Focus, do Banco Central, também têm revisado para baixo as perspectivas de aumento do PIB no ano que vem. Há um mês, esperavam um avanço de 2,05; agora, trabalham com 1,72%.