Economia receberá setores que querem mudar reforma do IR
Representantes de uma dezena de setores ligados a serviços médicos, educacionais e de habitação reúnem-se hoje com o secretário especial da Receita, José Tostes, o secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida, e o assessor especial do Ministério da Economia, Guilherme Afif Domingos, para pedir que a proposta de reforma do imposto de renda seja alterada, de forma a manter neutra a carga tributária das empresas desses setores. O movimento de grande porte contra a proposta de reforma do IR junta-se à mobilização de advogados e outras entidades do setor de serviços que, em um duro manifesto publicado ontem e enviado ao Congresso, foram mais incisivos e pediram que os parlamentares derrubem a proposta. O ponto em comum que tem gerado toda essa reação é a distribuição dos dividendos. Hoje isenta, passará a recolher 20% de imposto de renda, para compensar o corte na tributação das empresas. Mas, para muitas empresas, a conta não fecha e o saldo é um recolhimento maior de impostos. “As entidades subscritoras manifestam-se pela total rejeição dos termos propostos no PL nº 2.337, de 2021, inclusive na versão preliminar do substitutivo. A proposta de alteração das regras de tributação do imposto sobre a renda implica em aumento da complexidade no sistema tributário brasileiro”, diz o documento. Os 22 setores que subscrevem a carta estão entre os mais atingidos com a tributação de dividendos, dado que hoje estão livres dessa taxação e, na maior parte deles, se organizam para receberem sua renda como distribuição de lucros. “A tributação dos dividendos foi acertadamente extinta há 25 anos, com reconhecidos resultados em termos de arrecadação. Reduziu o volume de obrigações acessórias exigidas das empresas, estimulou os investimentos nacionais e estrangeiros, promoveu a formalização da economia, preveniu a evasão fiscal, notadamente a distribuição disfarçada de lucros e o planejamento tributário abusivo”, afirma a nota. Para essas entidades, o retorno da tributação dos dividendos é um “retrocesso” e “resulta em inaceitável aumento de carga tributária para importantes setores da economia nacional”. Gustavo Brigagão, um dos organizadores do movimento e presidente do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa), diz que “o pacote do governo é um conjunto de normas desconexas que produzirá efeitos extremamente nocivos à economia ao gerar tamanho aumento da carga tributária para a classe média”. “A proposta aumenta a carga tributária de 97% das empresas brasileiras”, afirma o tributarista Ricardo Lacaz, que atua como porta-voz dos setores que serão recebidos hoje no Ministério da Economia. Nessa conta, entram as 4,2 milhões de empresas do Simples, que representam 80% das pessoas jurídicas do país. Também estão no cálculo as empresas que declaram pelo regime de lucro presumido, 883 mil em 2018, ou 17% do total. Os 3% que escapam do aumento da carga são as grandes empresas, perto de 170 mil, que estão no lucro real. Que, no entanto, respondem por 85% da arrecadação federal, aponta o tributarista. “Pergunto se vale a pena desorganizar a vida de 97% das empresas brasileiras para um resultado fiscal pífio”, disse Lacaz, para quem há pontos positivos na proposta, como a unificação das alíquotas do imposto de renda nas aplicações financeiras ou a correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), o que considera uma obrigação do governo. Diretor da CBPI Produtividade Institucional, Emerson Casali ressalta essa preocupação com as empresas do Simples. Ele destaca que a redução do IRPJ proposta pelo governo e pelo relator não tem efeito para quem está nesse sistema, pois haverá aumento direto de carga para quem estiver tendo renda acima de R$ 20 mil por mês. “A reforma traz aumento de complexidade e de carga tributária, por isso somos contra a proposta”, disse a vice-presidente da Federação Nacional de Escolas Particulares (Fenep), Amábile Pacios. “Mas estamos dispostos a construir um caminho.” Perto de 80% das escolas particulares do ensino básico são empresas do Simples, que não terão redução de alíquota, mas passarão a ter tributada a distribuição de lucros. As escolas de ensino superior hoje recolhem os tributos federais na forma de bolsas de estudo do Prouni. Assim, a redução de alíquota do IRPJ não as beneficia. No entanto, elas passarão a pagar imposto sobre a distribuição de dividendos. “Concordamos com os princípios da reforma tributária. Porém, ela necessita ser calibrada para que os menores não sejam prejudicados”, disse o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), José Carlos Martins, lembrando que o setor está em sua maior parte no regime de lucro presumido. Os impactos econômicos da reforma do imposto de renda têm dividido opiniões até mesmo dentro do Ministério da Economia. Há quem considere que ela poderá ficar parada no Congresso se não houver alteração profunda da proposta. O ministro Paulo Guedes, porém, tem tentado mostrar otimismo aos seus interlocutores e aposta na aprovação ainda neste ano. Ele tem destacado que o barulho dos contrários ao projeto é natural, mas que, com os ajustes que estão sendo costurados com o relator, a proposta vai andar, porque reduz a tributação das empresas e coloca a taxação nas pessoas físicas de alta renda. Um dos pontos que podem sofrer ajustes é a tributação de dividendos. Os setores que se reúnem hoje devem pedir para melhorar o desenho das isenções e a redução da alíquota de 20%, apesar de a Economia ainda defender o número atual. VALOR ECONÔMICO
A proteção de dados pessoais além do contrato
Por Pedro Amaral Salles e José Neves Pinheiro Não bastassem os desafios naturais a qualquer legislação nova, o início de vigência da Lei Geral de Proteção de dados no Brasil (LGPD) tem se dado em um ambiente repleto de incertezas e crises adicionais trazidas pela pandemia da Covid-19. Como é próprio do ser humano, buscamos padrões e scripts que nos ajudem a ter um fio condutor que, de alguma forma nos oriente em um ambiente desconhecido. Muitos têm “tropicalizado” conceitos da General Data Protection Regulation (GDPR) europeia em busca desse fio condutor – o que é uma boa, porém perigosa aposta. Como sabemos, as dificuldades daqui do Brasil não são as mesmas do velho mundo e as dúvidas sobre a autoridade nacional (como de fato será constituída e a extensão de suas ações), por exemplo, nos mostram o quão distante estamos nesse exercício de direito comparado. O constante enfrentamento empírico e prático do tema tem mostrado alguns caminhos interessantes. Sem a pretensão de uma abordagem técnica e teórica, o que se tem algumas linhas abaixo é o compartilhamento de algumas dúvidas, angústias, desafios (enfrentados, vencidos e perdidos) e acima de tudo, experiências. Uma dessas experiências tem sido a construção de redação contratual que acomode direitos e obrigações das partes. Munidos de incertezas, nós advogados temos erguido verdadeiras muralhas contratuais cujos insumos (cláusulas com multas, obrigações, responsabilidades, etc.) parecem muitas vezes não dialogar com a LGPD e, principalmente, com a realidade. O fato é que o tema ainda é novo e ainda é pequeno o grupo de advogados que consegue manejar os conceitos sem grandes tropeços. Diversos contratos tratam como operador de dados pessoais quem não acessa, opera e nem armazena um dado pessoal. As multas cumulativas, muitas vezes superiores às já altas penalidades da LGPD, sempre partem de bases altas – afinal, o receio que a LGPD causa é enorme. Nem todos se atentam, porém, ao fato de que o operador é e deve ser em verdade uma extensão do controlador e sob sua regulamentação (e da LGPD) tratará os dados pessoais – quando os tratar. Antes de ficar discutindo possível valor da multa por descumprimento de obrigação, faz-se mister entender o conceito de “dado pessoal”, de “tratamento de dados”, assim como de “quem”, “como” o faz e “por que” faz, quais suas capacidades técnicas e operacionais em fazê-lo (e se o equilíbrio jurídico-econômico da relação entre as partes permite obrigações tão extensas a uma delas), qual a regulamentação prévia instruída pelo controlador ao operador de dados para que depois se pense em penalidades. A ânsia arisca de proteção clausulada muitas vezes tem transformado as obrigações e responsabilidades em proteção de dados a cláusulas contratuais vazias, como se fossem um boilerplate temático. Essa dificuldade que enfrentamos, um pouco pela novidade legislativa e outro tanto pelo notório desconhecimento do ferramental tecnológico e seu funcionamento, não se restringe, contudo, aos operadores do direito. A LGPD obriga todos os entes da cadeia a um exercício de adentrar ao processo produtivo e entender criteriosamente se e quando é necessário haver armazenamento de dados pessoais ao longo da cadeia produtiva. Há diversas companhias com cadastros intermináveis e inúteis que jamais utilizarão um dado pessoal sensível em diversos setores de sua cadeia produtiva, porém o solicitam e armazenam sem que tenha havido um questionamento do porquê. Houvesse um critério de avaliação da real necessidade manutenção de dados pessoais acessíveis (o que a existência da LGPD estabeleceu), chegar-se-ia à conclusão que em muitas etapas do processo produtivo é possível evitar a exposição de um titular e da própria empresa a um risco desnecessário. Seria igualmente possível afastar uma culpa in vigilando a partir de processos e utilização de dados pessoais somente quando efetivamente necessário. Nesse sentido, mesmo aqueles processos produtivos que necessitam do dado pessoal em sistema, nem sempre é preciso que esse dado fique exposto e acessível a todos. Pode-se retirar do dado aquilo que o torna dado pessoal (a capacidade de identificar um titular). Técnicas de mascaramento de dados podem auxiliar no tratamento, afinal, para alguns processos, não faz diferença se está a se falar de “Xpto123” ou do “José Pinheiro”. Muitas vezes, pretende-se armazenar um lead, mas não há finalidade econômica de exploração imediata naquela etapa do processo produtivo – um dos claros focos da lei. Um exemplo disso é a utilização de dados para análises de inteligência de negócios, voltadas para a busca de padrões comportamentais em que o nome, e-mail ou telefone do titular de cada dado são indiferentes, mas importam os gostos e comportamentos de uma coletividade – uma faixa etária pode prover uma análise de consumo importantíssima. Ou seja, ferramentas de gestão têm que ser melhor exploradas, seja pela revisão de processos e real necessidade de acesso a tais dados, seja pelos recursos tecnológicos de criptografia de dados, anonimização ou pseudo-anonimização (reversível). As empresas de https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg, até pelos riscos sistêmicos próprios que a LGPD lhes apresentou, têm feito excelentes avanços na criação e desenvolvimento de recursos tecnológicos que mitiguem riscos de exposição dos dados pessoais. Caberá também aos titulares dos processos produtivos e aos jurídicos, não somente ansiosamente caçarem recursos tecnológicos para adaptação à nova regra – o que deve sim ser feito, mas também entenderem melhor os riscos e desafios da utilização de dados pessoais, sob pena da LGPD se tornar um clausulado bilateral e pouco eficaz no que toca à sua execução. Pedro Amaral Salles e José Neves Pinheiro são advogados do SFCB Advogados
Lucro dos bancos deve saltar 60%, mas com margens sob pressão
Os grandes bancos de capital aberto devem mostrar um salto de quase 60% nos lucros do segundo trimestre. A recuperação da economia ajuda, mas o principal fator é a base de comparação fraca, já que no mesmo período do ano passado os resultados foram reduzidos pelos bilhões de reais em provisões constituídas para lidar com a pandemia. A despeito do crescimento na última linha dos balanços, a tendência é que as margens financeiras permaneçam sob pressão. Segundo pesquisa do Valor com oito casas de análise, Itaú, Bradesco, Santander e Banco do Brasil devem ter um lucro combinado de R$ 21,5 bilhões no segundo trimestre, uma alta anual de 59,9%, mas queda de 1,6% em relação ao primeiro trimestre. O Santander puxa a fila das divulgações, publicando seus números amanhã. A expectativa é que as carteiras de crédito continuem crescendo em ritmo saudável e haja leve deterioração na inadimplência, algo já esperado, dado que o indicador bateu nas mínimas históricas em razão de pausas nos pagamentos oferecidas aos clientes. As margens financeiras, no entanto, devem sentir o impacto da maior competição, ainda que o avanço de linhas com spread maior possa aliviar esse fator. Para os analistas do J.P. Morgan, o apetite dos bancos em ofertar empréstimos está crescendo em meio à melhora na atividade com a reabertura da economia e o avanço da vacinação. Citando dados do Banco Central (BC), eles chamam a atenção para o fato de que a alta anual do crédito passou de 14,5% em março para 16% em maio, sendo que entre os bancos domésticos privados essa expansão é ainda mais forte, de 24%. “Produtos mais arriscados e com spread maior estão crescendo mais rápido, o que pode impulsionar as margens”, afirmam em relatório. O Itaú BBA destaca que os investidores buscarão sinais de recuperação na margem financeira, mas no segundo trimestre ainda não deve ocorrer uma melhora substancial. Segundo os analistas da casa, o período ainda foi marcado por restrições de mobilidade, e uma recuperação mais forte das margens deve vir na segunda metade do ano. “A maior confiança e a normalização da poupança das famílias devem impulsionar a demanda por produtos de crédito de maior retorno. Este também será um ambiente melhor para os bancos ajustarem os preços para cima e compensarem o aumento gradual nos custos de financiamento em função da alta da taxa Selic”, afirma a instituição. Os analistas ressaltam, no entanto, que um fracasso em melhorar a margem financeira no segundo semestre prejudicaria as previsões de lucro dos bancos. O Itaú BBA diz que isso alimentaria os pessimistas que argumentam que a compressão da margem está mais relacionada à concorrência e à regulação, e não tanto à redução da Selic. “O Brasil entrará na fase dois do open banking, provavelmente aumentando a concorrência no segmento de crédito e lançando dúvidas de longo prazo se a recuperação dos spreads não se materializar. Ou seja, se os spreads bancários não melhorarem com o crescimento de quase 6% do PIB e um ciclo de aumento da taxa de 4 pontos percentuais, será mais difícil argumentar por um futuro mais brilhante”, apontam no relatório. “Temos visto o crédito crescer, mas as receitas, nem tanto”, diz o analista Bruno D’Avilla, da Mauá Capital. “ Para ficar mais otimista com [as ações] de bancos, seria preciso que a receita crescesse mais.” Ele espera nova rodada de expansão das carteiras, com a inadimplência ainda controlada, abaixo do nível anterior à pandemia, e também prevê que o nível de provisões será reduzido. Haverá grande atenção, portanto, a como ficarão os guidances para 2021 – os bancos costumam fazer ajustes nessas diretrizes ou reafirmá-las nas divulgações do segundo trimestre. Os analistas da XP consideram preocupantes os preços mais elevados das ações dos grandes bancos em um cenário de “disrupção” causado tanto por intervenções regulatórias quanto por maior concorrência. Essa avaliação, somada aos riscos com o open banking e uma competição mais agressiva no setor de atacado, levou a uma mudança na postura deles de otimista para cautelosa. “Embora nossa recomendação dos bancos em junho de 2020 tenha valido a pena, os preços das nossas ações de cobertura cresceram em média 26%, justificando uma visão menos otimista sobre o setor.” Para o UBS, a margem financeira deve ficar praticamente estável na comparação entre o primeiro e o segundo trimestres, mas com uma qualidade melhor agora, ou seja, com uma parte maior formada pelo crédito e um peso menor da tesouraria. Com as carteiras em crescimento, outro ponto de atenção é a inadimplência. No entanto, os analistas dizem que as métricas de qualidade dos ativos devem ficar bem comportadas. O UBS afirma que os dados do BC mostraram alta de 0,2 ponto porcentual na inadimplência em abril e maio. “A inadimplência acima de 90 dias deve continuar em um nível muito baixo, mas com tendência de alta, após ter terminado o primeiro trimestre em 2,2%, apenas 0,05 ponto acima da mínima histórica”. Ao contrário do que ocorreu nos Estados Unidos, onde os bancos começaram a reverter provisões já no primeiro trimestre, por aqui os analistas não acreditam nessa possibilidade. A expectativa é que eles provisionem volumes abaixo do que vai entrando em inadimplência, consumindo assim aos poucos o excesso de reservas. “Após atingir níveis recordes no quarto trimestre, os índices de cobertura começaram a cair no primeiro trimestre deste ano e essa tendência deve continuar no segundo”, afirma o UBS. Os analistas dizem que o índice de cobertura médio dos bancos deve caiu 18 pontos porcentuais de março para junho. Na linha de receita de tarifas, o maior uso do cartão de crédito deve ajudar, embora o avanço do Pix pressione o agregado para baixo. Já do lado das despesas, a busca por eficiência, incluindo com redução de agências e do quadro de funcionários, deve manter os gastos crescendo abaixo da inflação. Individualmente, o Santander deve apresentar o maior aumento anual no lucro, de 84,3%. Enquanto Itaú e Bradesco fizeram o grosso das provisões para a pandemia no primeiro trimestre de
Ministério da Economia vê volta de investimentos mais rápida do que em outras crises
Na retomada econômica atual após a recessão provocada pela pandemia da covid-19, a recuperação dos investimentos das empresas tem sido mais forte do que nas crises passadas, e a expectativa do governo é que o ritmo se mantenha nos próximos meses. Após um ano do pior impacto da pandemia sobre a produção de bens de capital, que inclui máquinas e equipamentos, os dados mostram que a recuperação do investimento tem se consolidado em vários setores e se espalhado em todas as regiões do País e já atingiu o mesmo porcentual máximo de difusão observado antes da crise. Essa é a radiografia do comportamento dos investimentos no País apresentada pelo Ministério da Economia em estudo que procurou responder à pergunta: o Brasil vai retornar à tendência de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) anterior à crise da covid-19 ou a recuperação vai se transformar num “voo de galinha”? Elaborado pelos técnicos da Secretaria de Política Econômica (SPE), o relatório, ao qual o Estadão teve acesso e que será divulgado nesta terça-feira, 27, indica que a chamada Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) – o quanto as empresas aumentam de investimentos em máquinas e equipamentos, por exemplo – voltou para o nível pré-crise em quatro trimestres, enquanto na recessão da crise global financeira de 2008-2009, o investimento retornou para o patamar anterior em cinco trimestres. O estudo chama a atenção para o fato de que a retomada do investimento acontece sem o empurrão dos bancos públicos, como BNDES e Caixa, e sim com financiamento pelo setor privado, inclusive via emissões de títulos das empresas, como debêntures. “O crescimento está retomando o nível pré-crise, e o principal motor para a recuperação da recessão de 2020 tem sido o investimento”, diz o subsecretário de Política Macroeconômica, Fausto Araújo Vieira. Segundo ele, a tendência de continuidade de alta do investimento está ancorada na expectativa de investimento dos empresários manifestada em pesquisas de sondagens empresariais para os próximos seis meses. Os dados da construção reforçam essa expectativa. “Esse movimento está relacionado aos efeitos das medidas estruturais e à queda da taxa de juros real”, avalia. O relatório lista cada uma das medidas principais, incluindo reformas estruturais e as relacionadas ao mercado de capitais. “O juro menor dá espaço para o setor privado emprestar sem o governo estar no meio”, destaca. Com base no histórico de retrações e retomadas da economia brasileira desde a década de 80, o retorno para a tendência não foi a regra, mostra o relatório. Ou seja, o nível do PIB se afastou da tendência de comportamento de crescimento anterior. Essa distância chegou a 19% na crise de 2014/2016, 11% na crise de 1980-1983 e 4% e 8% em 2008-2009. “Mesmo após três anos de recuperação, a economia ainda estava 19% abaixo do nível da tendência anterior do PIB”, explica o subsecretário. Até o primeiro trimestre deste ano, o PIB estava 2% abaixo da tendência linear anterior à crise da covid-19. PoupançaOs dados do Ministério da Economia mostram também que houve aumento da poupança, mesmo durante a crise, o que não acontecia nas recessões anteriores. Além disso, o aumento dos investimentos tem se espalhado em todas as regiões, com uma ampliação da produção de bens de capital em ritmo superior ao crescimento da produção industrial. Enquanto a produção industrial acumulou 1,1% de alta nos últimos 12 meses até abril, a produção de bens de capital cresceu 5,1%. Em 2021, a produção de bens de capital acumula alta de 35,6% nos primeiros quatro meses ante o mesmo período do ano anterior, bem acima da taxa observada para a indústria geral de 10,5% no período. A produção de máquinas e equipamentos (cerca de 38% dos bens de capital) já se recupera fortemente da crise de 2020, com alta de 22,2% para o total do Brasil no mesmo período. O estudo retirou dos dados os investimentos em plataformas petrolíferas para evitar distorções provocadas por importações que, na prática, não ocorreram devido à alteração no regime de tributação diferenciada. O resultado confirma que, no primeiro trimestre, o investimento excluindo as plataformas já está quase 12% acima do nível anterior à pandemia. Para o economista Cláudio Frischtak, especialista em infraestrutura e sócio fundador da Inter B., o incremento é reflexo de um represamento dos investimentos porque houve muita incerteza em 2020 e a sustentação desse patamar depende muito da percepção do País. Segundo ele, há muitos elementos de incertezas ainda na economia, incluindo ruídos políticos. “O ano que vem temos o ciclo eleitoral, e ninguém sabe o que vai acontecer”, diz. O ESTADO DE S. PAULO
Confiança do consumidor é a mais alta em 9 meses
Impulsionada por avanço da vacinação contra a covid-19, o Índice de Confiança do Consumidor (ICC) da Fundação Getulio Vargas (FGV) subiu 1,3 ponto entre junho e julho, para 82,2 pontos. Com a elevação, o indicador se posicionou para o mais elevado nivel em nove meses. Foi o quarto aumento consecutivo, mas o de menor magnitude, notou Viviane Seda, pesquisadora da fundação. Para ela, a menor intensidade reflete perda de fôlego na confiança do consumidor em julho, influenciada por preocupação entre os de menor poder aquisitivo com avanço da inflação e mercado de trabalho ainda fraco. Para a economista, confiança do consumidor nos próximos meses deve prosseguir em retomada. Mas o ritmo será lento e em menor magnitude. O saldo positivo do indicador foi puxado principalmente por expectativas mais favoráveis de junho para julho, disse Viviane. O Índice de Expectativas (IE) um dos subindicadores do ICCm subiu 2,5 pontos, para 90,8 pontos. O outro, o Índice de Situação Atual (ISA) caiu 0,7 pontos, para 70,9 pontos. Um dos aspectos que contribuíram para essa piora na avaliação sobre momento atual foi o comportamento das famílias mais pobres A técnica informou que, na evolução do ICC por faixas de renda, as famílias com ganhos mensais até R$ 2,1 mil tiveram queda de 2,4 pontos na confiança em julho ante junho, para 71,7 pontos. Entre as famílias com ganhos acima de R$ 9,6 mil, o ICC subiu 3,3 pontos – acima da média para todas as faixas – para 93,2 pontos. “A inflação é um fator [para derrubar a confiança entre os mais pobres] mas não é o único”, comentou. Segundo ela, essas famílias de renda mais baixa operam com alto patamar de endividamento, sem emprego e sem reservas financeiras, mas precisa continuar a consumir. Sobre emprego, Viviane comentou que ainda há muitas dúvidas em relação a ritmo de abertura de vagas, ao longo do segundo semestre. Ao mesmo tempo, o quadro sanitário também engloba incertezas: não há como saber se a entrada de novas variantes de covid-19 no país poderia conduzir a piora na pandemia. A vacinação também conta com dúvidas, com algumas capitais recentemente suspendendo primeira dose por falta de imunizantes. “Devemos sim ter resultado positivo mas vai continuar a ser muito lenta [a retomada] pelo menos daqui para frente” afirmou. Ela notou que a vacinação está avançando, o que impacta positivamente a atividade, como os setores de comércio e de serviços, muito afetados por restrições de circulação social em meio à pandemia. VALOR ECONÔMICO
Mercado de trabalho será diferente, com demandas cada vez mais específicas (Ana Carla Abrão)
Recessão, pandemia, inovação, automação, desemprego. Junte-se a isso a baixa qualificação média dos nossos trabalhadores, e vemos por que os últimos anos não têm sido fáceis para o mercado de trabalho no Brasil. A economia fraca, muito antes da queda de 4,1% em função da pandemia de 2020, mais fecha do que abre postos de trabalho. A inovação e o processo acelerado de automação exigem qualificações que vão muito além do que nossa educação – universal, porém de baixa qualidade – é capaz de gerar. E, assim, o desemprego assola e atinge hoje 14,7 milhões de brasileiros. Mas o movimento não é uniforme e, cada dia mais, expõe a exclusão de trabalhadores ao mesmo tempo em que mostra escassez de outros. O mercado financeiro, que hoje já vive os 5% de crescimento que o PIB de 2021 deverá gerar, é um dos exemplos das particularidades de um mercado de trabalho em que tantas forças atuam ao mesmo tempo. A indústria financeira já via o processo de digitalização se acelerando muito antes da pandemia. Com ela, ganhou força ainda maior, as tendências se intensificaram e abriram espaço para novas demandas, novos serviços e, acima de tudo, novas experiências. O consumidor de serviços financeiros, que já vinha contaminado por melhores experiências nas suas interações virtuais, passou a cobrar mais e melhores serviços digitais. A pandemia escalou essa demanda e acelerou essa exigência, da mesma forma que gerou maior urgência na oferta. A contrapartida não poderia ser outra, senão a necessidade de uma mão de obra com habilidades técnicas alinhadas à maior automação, ao uso de inteligência artificial e à reavaliação das possibilidades de terceirização onde capacidades proprietárias não estejam presentes. Paralelamente, o trabalho remoto criou uma nova dinâmica para uma força de trabalho que viu sua rotina e seu bem-estar serem profundamente afetados por um modelo operacional distinto. Esses impactos se traduzem em uma maior valorização do equilíbrio entre trabalho e vida pessoal e significam um desafio adicional para a atração e retenção de talentos. Afinal, embora até pouco tempo impensável, o trabalho remoto na indústria financeira trouxe um aumento da produtividade no início, mas também impôs uma carga de trabalho que hoje cobra seu preço. Ao mesmo tempo, criou possibilidades de rotinas familiares que não serão totalmente abandonadas daqui em diante. Voltar ao novo normal, com opções de trabalho híbrido, também exigirá a revisão de um modelo que não previa a mudança de comportamento que hoje se percebe nas pesquisas com as novas gerações de trabalhadores. Esses reviram suas visões sobre as antigas cargas de trabalho e sobre suas perspectivas de crescimento profissional frente a necessidades pessoais. Reter e atrair trabalhadores com novas expectativas será um desafio adicional nesse mercado escasso. Finalmente, investimentos em infraestrutura e segurança já foram feitos, definindo padrões de trabalho que hoje abrem a possibilidade de manutenção de ganhos de produtividade já testados e redução de custos que podem se tornar em parte perenes. O equilíbrio estará em conseguir fechar uma equação que combina um mercado de trabalho ofertado e ao mesmo tempo escasso, uma força de trabalho mais exigente, menos disponível e mais digital e flexibilidade que traga benefícios econômicos, mas também garanta o equilíbrio entre atratividade e manutenção da cultura de cada empresa. Ou seja, o mundo pós-pandemia começa a se delinear. E ele vem cheio de desafios. Dentre eles, um mercado de trabalho diferente que emerge das novas demandas, mas também da oferta de postos de trabalho que exigem qualificações cada vez mais específicas. Nesse movimento, novas políticas privadas de emprego e de capacitação serão importantes, mas estão longe garantir níveis mais elevados de emprego. Afinal, são as políticas públicas de emprego – a saber educação, capacitação e todo o arcabouço legal trabalhista – que deverão dar conta de preparar uma força de trabalho para um mercado que, muito além do que já se antevê no setor financeiro, será muito mais desafiador. A recriação do Ministério do Trabalho para manter atendido um amigo do presidente certamente não é um sinal de que estamos nesse caminho. *ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAMENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA O ESTADO DE S. PAULO
iFood e rivais se mobilizam em defesa de aposentadoria e piso salarial para entregadores
Em meio ao crescimento do número de trabalhadores por aplicativo, modalidade que se tornou válvula de escape do desemprego durante a pandemia de covid-19, empresas do setor começam a se mobilizar em defesa de uma regulamentação da profissão que assegure direitos como aposentadoria e ganhos mínimos a esses trabalhadores, sem tirar deles a flexibilidade e a autonomia do modelo. Em entrevista ao Estadão/Broadcast, executivos do iFood, uma das maiores companhias do segmento de entregas, defendem a criação de uma nova forma de contribuição à Previdência e não descartam a possibilidade de as plataformas colaborarem financeiramente para que esses trabalhadores tenham acesso a um grau melhor de proteção social. No ano passado, manifestações de entregadores por todo o País escancararam os pedidos por melhores condições de trabalho, o que colocou as plataformas na berlinda. A discussão sobre essa relação também já chegou à Justiça, com diferentes decisões sobre a existência ou não de vínculo empregatício entre os profissionais de aplicativo e as empresas. O iFood é a primeira empresa a sair, individualmente, em defesa da regulamentação da profissão e com propostas, embora o debate esteja aquecido também entre as demais plataformas. A discussão é complexa porque não se tratam apenas de entregadores, mas também de outros profissionais, como manicures, motoristas e até médicos que atuam por aplicativos. São diferentes modelos de negócios, com uma variedade de horas trabalhadas e rendimentos obtidos. Entre executivos de outras plataformas, há a preocupação de não impor uma regulação que acabe onerando ou até inviabilizando pequenas empresas. Hoje, os trabalhadores por aplicativo dependem das políticas de cada companhia para ter alguns benefícios, como ganhos mínimos e proteção contra acidentes ou doenças. Para uma cobertura mais abrangente e direito à aposentadoria no futuro, precisam contribuir à Previdência como microempreendedor individual, modalidade subsidiada pelo governo que assegura benefícios de apenas um salário mínimo (R$ 1,1 mil), ou de forma autônoma, pagando 20% sobre o salário de contribuição (partindo de R$ 220 mensais). Valor adicionalNa avaliação do iFood, as possibilidades atuais são insatisfatórias diante das peculiaridades do trabalho por aplicativo. “O trabalhador de plataforma aufere a renda em vários aplicativos diferentes e não tem um sistema que consiga agregar isso em uma contribuição conforme o que ele ganha. A alternativa que ele tem hoje é o MEI, com uma taxa que é subsidiada mas dá a ele uma aposentadoria de salário mínimo. Não faz sentido”, afirma o diretor de Políticas Públicas do iFood, João Sabino. “A discussão é como usar a https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg para criar essa espécie de carteira virtual, em que ele faz uma contribuição proporcional ao que ele ganha, mas também vai ter uma aposentadoria proporcional ao que ele arrecada”, acrescenta o executivo. Segundo dados do iFood, metade dos trabalhadores da plataforma (51,3%) ficam mais de 25 horas semanais ligados no app e ganham R$ 25,23 por hora trabalhada em média (cinco vezes o salário mínimo/hora). O argumento do diretor é que a nova regulamentação daria chance de esse profissional contribuir para uma aposentadoria maior no futuro. Em relação aos ganhos mínimos, Sabino afirma que o piso nacional atual por hora trabalhada (R$ 5/hora) é o “básico” e “jamais poderia ser alguma coisa abaixo disso”. No entanto, ele vai além e defende a discussão de um valor adicional mínimo de acordo com a modalidade do trabalho por plataforma, para incorporar os custos envolvidos na operação. Isso porque um trabalhador CLT recebe o salário mínimo como remuneração apenas por sua mão de obra, enquanto o profissional de aplicativo precisa descontar outros custos, como combustível ou outros insumos. “Precisamos entender que trabalhadores de plataforma digital têm as suas semelhanças, mas também suas diferenças, e elas precisam ser discutidas, caixinha a caixinha. Então ter pisos diferentes acho que seria um bom vetor de discussão”, afirma o diretor. Segundo apurou a reportagem, o governo tem mantido discussões internas sobre a possibilidade de criar uma modalidade de “microempreendedor digital” para abarcar os trabalhadores de aplicativo, mas os rumos dependem também de como ficará a reorganização administrativa do governo, isto é, se haverá a recriação do Ministério do Emprego e Previdência. AjustesA Associação Brasileira Online to Offline (ABO2O), que representa mais de 150 aplicativos, afirma que “qualquer debate sobre a relação entre profissionais independentes e aplicativos deve considerar essa multiplicidade de atores envolvidos no modelo econômico de intermediação de serviços”. A entidade afirma ter contratado estudos técnicos sobre a economia digital e tem discutido o tema com as empresas associadas. “Vale frisar que num contexto de pandemia e aumento do desemprego, essas plataformas digitais se tornaram a principal porta de entrada de brasileiros e brasileiras na economia, assegurando renda e sustento para milhões de pessoas. Outro ponto essencial a ser considerado é a competitividade do setor. No Brasil, onde esse ecossistema ainda é incipiente, qualquer avanço regulatório deve levar em consideração a importância de não restringir o acesso ao mercado apenas para algumas empresas”, afirma. O economista José Pastore, especialista em trabalho e que tem dado consultoria à Fecomércio-SP nas discussões com as plataformas, afirma que o MEI é “muito indicado” para abrigar os trabalhadores de aplicativo, mas “precisa de alguns ajustes”, inclusive para que eles possam contribuir mais para a Previdência. Ele chama a atenção para o fato de que hoje não há sequer proteção à mulher gestante que atue por meio dessas plataformas. Segundo Pastore, não necessariamente a plataforma precisaria contribuir para a proteção social do trabalhador, mas eventualmente isso pode ser oferecido como uma vantagem para “captar” o profissional. “Tem vários caminhos para explorar”, diz. Ele cita o exemplo da Alemanha, em que há uma série de profissões autônomas (como atores) cuja contribuição à Previdência é requerida para o exercício da atividade. Neste caso, há contribuição do trabalhador, da empresa que usa o serviço e do governo para uma conta individual. A contribuição pode ser reduzida em períodos sem trabalho e compensada quando o profissional está em atividade, para evitar redução do benefício. O ESTADO DE S. PAULO
Setor privado vai ter que contribuir, diz diretor do iFood sobre regulação de trabalho por apps
O diretor jurídico do iFood, Lucas Pittioni, afirma ao Estadão/Broadcast que o Brasil precisa regulamentar o trabalho por aplicativo para assegurar direitos mínimos aos trabalhadores independentemente de políticas comerciais das plataformas. A empresa vê como necessários um novo modelo de contribuição à Previdência, para garantir aposentadoria digna a esses profissionais, e uma política de ganhos mínimos, mesmo que isso signifique colaboração financeira por parte das empresas. “Vai precisar encontrar uma forma de repartir essa conta com todas as partes envolvidas, e o setor privado vai ter que dar sua contribuição”, afirma. Abaixo, os principais trechos da entrevista. O iFood está defendendo a regulamentação do trabalho por aplicativo para assegurar maior proteção social aos trabalhadores, como aposentadoria. Vocês consideram que as empresas também terão de contribuir nesse novo modelo?Não sei se o mais adequado é falar que as empresas terão que, mas eu acho que essa possibilidade está na mesa e precisa estar. A gente tem hoje no Brasil quase 15 milhões de desempregados, taxas de desemprego ainda mais altas entre a parcela mais jovem da população, plataformas como fonte superimportante de renda e gerando oportunidades de primeiro emprego para muitos desses brasileiros. O modelo atual e o modelo mais tradicional de trabalho de emprego vão coexistir. Dito isso, a gente precisa de um modelo de Previdência que pense no futuro e que seja sustentável tanto para o trabalhador quanto para o Estado e para as empresas. Precisa ser uma regulação que fomente investimento, que dê segurança jurídica, que incentive as empresas a seguirem crescendo inovando e gerando esses postos de trabalho. Aqui no Brasil a ferramenta que talvez mais resolva essa situação atual é a do MEI, só que o MEI é ultrassubsidiado pelo governo. Se o MEI de fato for usado como solução da forma como ele é hoje, a gente vai criar um problema para o futuro. Como resolver isso?A gente precisa pensar um modelo de previdência novo, que de um lado leve em consideração essas particularidades do trabalho em plataforma com diferentes fontes de renda, e de outro lado a parte do financiamento, do orçamento. Isso significa que essa conta vai ficar com o trabalhador? Na visão aqui do iFood não, a gente acha que a gente vai precisar encontrar uma forma de repartir essa conta com todas as partes envolvidas, e o setor privado vai ter que dar sua contribuição. Se vai chegar nesse resultado final ou não, ainda vai ser muito discutido com Congresso, com setor privado, com os trabalhadores. Mas esse é um problema que a gente precisa enfrentar, não vai ter como fugir dele. Há preocupação com pequenas plataformas. Colocar o debate dessa maneira poderia inviabilizar eventualmente a atividade delas?Há dois ângulos principais. O primeiro é que a figura central desse debate precisa ser o trabalhador. A gente precisa construir um marco regulatório que coloque em norma a dignidade e a segurança do trabalhador. O segundo ponto é que um dos desafios de se regular o trabalho de plataforma é justamente a diversidade de modelos de negócios e de perfis de uso pelos trabalhadores. A solução para o sistema de previdência vai ter que levar em consideração a renda que cada trabalhador tem com cada plataforma. Se é uma renda menor, se é um perfil de uso mais esporádico, talvez o valor tenha que ser menor. Se é um uso mais frequente, com perfil mais profissional, será uma renda maior, será que tem que ter uma contribuição maior? A gente não tem essas respostas, mas o debate precisa começar. Todo trabalhador deveria participar, ou poderia se discutir algo opcional para o trabalhador que usa poucas horas?Um dos caminhos talvez seja adotar uma regra parecida com o que a gente tem no imposto de renda hoje, até determinado valor o trabalhador está isento de contribuição, passa a pagar acima de um determinado valor. A gente precisa levar em consideração que, quanto menor for a renda que aquele trabalhador tem com a plataforma, menos propenso vai estar em dedicar uma parte daquele recurso para o Estado brasileiro. Muito provavelmente a solução aqui vai ser ter algo progressivo. Manter a atual legislação seria um risco para as empresas? A nova regulamentação ajudaria nesse sentido de dar mais segurança jurídica?No caso do iFood especificamente, a gente tem um histórico de decisões judiciais sobre esse tema completamente desfavorável à aplicação da CLT na relação entre a plataforma e o entregador. Defender uma regulação específica para essa forma de trabalho publicamente não está baseado nessa insegurança jurídica que de alguma forma existe. Uma regulação é inevitável e é importante porque a gente precisa ter bases mínimas aplicáveis a todas as plataformas, direitos mínimos independentemente das políticas comerciais. Só assim que a gente vai virar a página e caminhar na direção de dizer que temos uma profissão regulamentada sem perda de direitos, que tem políticas justas para o trabalhador Se eventualmente o trabalhador não atingir o ganho mínimo por hora trabalhada, as plataformas terão que assegurar que dentro do preço ao consumidor inclua uma remuneração suficiente?Sem dúvida. A gente não chegou a entrar neste momento em como a regra seria operacionalizada, mas a minha a minha reação inicial é de que esse deveria ser o caminho, sim. Por exemplo, a gente fecha o mês, vê quantas horas o trabalhador trabalhou com a plataforma. Se por qualquer razão essas horas não tenham levado em consideração esse ganho mínimo, a plataforma deveria complementar para que o mínimo fosse atingido. Esse me parece ser o caminho mais simples para efetividade dessa regra. Por que o iFood decidiu agora é puxar esse esse debate? No ano passado vimos muitas manifestações de entregadores pedindo melhores condições de trabalho.Esse passo neste momento é resultado de muita escuta. Tivemos todas as movimentações do último ano, não só dos entregadores, mas da sociedade como um todo. A gente formou um time de políticas públicas, também temos equipes dedicadas 100% a conversar com os entregadores. Temos acompanhado essa discussão em outros países também. Estudamos muito o que vem
Indústria se aproxima da retomada com estoques perto de zero
Em meio às projeções de maior aquecimento econômico nos próximos meses, com possibilidade de maior demanda, os estoques da indústria de transformação até junho de 2021 operavam no limite, sem recuperar patamar pré-pandemia. O alerta é da pesquisadora Claudia Perdigão, da Fundação Getulio Vargas, que elaborou estudo sobre o tema, com base em dados da Sondagem da Indústria da FGV. De acordo com a especialista, em junho, o saldo de estoques da indústria de transformação, na sondagem, ficou em 1,5 ponto negativo, muito próximo de zero, o que sinaliza “perfeito equilíbrio”, com oferta igual à demanda. A média histórica, antes da pandemia, para saldo de estoques na indústria de transformação, é mais distante de zero, em 5,2 pontos negativos, disse a pesquisadora. O atual cenário reflete combinação de custo de produção mais alto, em especial a energia, em ambiente de falta de insumos. Isso desestimula estocagem alta entre as indústrias, disse Claudia. A Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) e a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) confirmaram ao Valor, respectivamente, a existência de estoques abaixo do normal e demanda alta em seus segmentos. Os estoques em baixa afetam empresas nacionais, como a Agrale, de chassis e tratores, e também multinacionais, caso da AGCO Corporation no Brasil e a John Deere, fabricantes de máquinas agrícolas. Na pesquisa, foi perguntado a 1.098 empresas se os estoques, em junho, estavam “normais, excessivos ou insuficientes”: 8,6% informaram “insuficiente”; 10,1%, “excessivo”, e o restante, “normal”, com estoque suficiente para atender à procura. O cálculo é feito da seguinte forma: toma-se a parcela das empresas que consideram os estoques “insuficientes” e se diminui dela a fatia das companhias que avaliam os estoques como “excessivos”. Chega-se então a um saldo. Se o resultado for negativo, como no caso em questão, significa que a maioria das empresas declarou estoques acima do normal. O indicador negativo, de 1,5 ponto em junho, por ser muito próximo de zero e bem distante da média histórica para o setor, não é motivo de comemoração, disse a pesquisadora. Ocorre que, diferentemente do ano passado quando a indústria também operava com estoques baixos, não havia perspectiva de crescimento econômico mais aquecido. Em maio, a produção industrial cresceu 1,4% ante abril após três meses de queda, segundo o IBGE. “Em um contexto de retomada e de choque de oferta, tanto pela escassez de insumos quanto pela crise energética, esse estoque mais baixo gera preocupação” constatou ela. Um exemplo é o saldo de bens de capital na indústria de transformação. Em junho, a parcela dos que declararam “excessivos” os estoques ficou em 16,4%, sendo 9,1% a fatia dos que os classificaram como “insuficientes”. O saldo nesse caso foi de 7,3 pontos negativos, distante da média histórica do segmento de 13 pontos negativos. “Quando bens de capital estão escassos afeta toda a cadeia produtiva”, disse Claudia Perdigão. A diretora de economia, estatística e competitividade da Abimaq, Maria Cristina Zanella, preferiu não falar sobre estoques, visto que a entidade não tem indicador sobre o tema. Informou, no entanto, que não deve “faltar máquinas”. Admitiu ainda que, atualmente, a demanda está aquecida para máquinas e equipamentos, cenário que deve continuar até o fim do ano. De maio de 2020 a maio de 2021, a Abimaq registrou alta de 40% na receita do setor, afirmou. O diretor de vendas da Agrale, Edson Sixto Martins, disse que a demanda está alta em todos os segmentos que a empresa trabalha: tratores agrícolas, chassis para microônibus, caminhões e utilitários 4×4. “Os estoques estão baixos”, admitiu o executivo. A Agrale tem cinco unidades fabris, quatro no Brasil e uma na Argentina. Ele não quis citar números de desempenho da companhia. Mas observou que o setor industrial como um todo vem passando por sucessivas crises e que, um dos ajustes feitos pelo segmento, com o passar dos anos, foi o de equilibrar estoques e compras de matéria prima, cada vez mais cara, para lidar com esse cenário. No caso da crise causada pela pandemia, não foi diferente. Um dos aspectos que prejudicam a estocagem é a falta de insumos, no mercado, afirmou. “Se tem alta demanda em função de crescimento, a demanda aumenta rápido e você não tem plástico, borracha, que são as bases da nossa indústria para chegar ao produto final”, disse. Rodrigo Junqueira, gerente-geral da AGCO América Latina, afirmou que o estoque de toda a indústria, hoje, é “muito baixo”. O executivo da empresa, cuja matriz está sediada nos Estados Unidos e teve receita líquida global de US$ 9,1 bilhões em 2020 (a empresa não abre dados regionais), afirmou que a possível recomposição de estoques similar ao que era na pré-pandemia seria possível somente ao término do segundo semestre. “Boa parte do que estamos produzindo agora já tem comprador”, disse o executivo. A AGCO tem seis fábricas no Brasil. A John Deere disse que o planejamento é algo fundamental no cenário de hoje, segundo Alfredo Miguel Neto, diretor de assuntos corporativos da empresa para a América Latina. “É essencial que os clientes planejem os investimentos e iniciem as negociações com antecedência nos prazos de entrega das máquinas.” Fora de bens de capital, os estoques em baixa também são percebidos. Em sondagem da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), entre os dias 1º e 15 de julho, com 80 empresas observou-se elevação de 20% para 26% em parcela de empresas com estoques de componentes e matérias-primas abaixo do normal. No primeiro trimestre, os estoques foram destaque no PIB do período. A coordenadora de Contas Nacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), Rebeca Palis disse, na ocasião, que a variação positiva em estoques estaria relacionada à agropecuária e ao estoque de soja não exportada. O plantio e a colheita atrasaram, o que retardou embarques. VALOR ECONÔMICO
Guedes tenta reduzir tamanho do Ministério do Emprego de Onyx e manter áreas ligadas à Economia
O Ministério da Economia avalia que a nova pasta do Trabalho e Previdência, a ser comandada por Onyx Lorenzoni, deve receber uma estrutura mais enxuta do que a sinalizada anteriormente. De acordo com interlocutores do ministro Paulo Guedes (Economia), a ideia é repassar apenas o suficiente. A visão defendida na Economia é que a nova pasta precisa ter um desenho prático, voltado à articulação e à entrega de medidas para emprego. Nas palavras de um interlocutor, deve ficar sem o peso de uma estrutura burocrática que atrapalhe o desenvolvimento das iniciativas em estudo. A defesa por um ministério mais enxuto ocorre também pela expectativa de que Onyx ficará à frente da pasta por apenas oito meses, já que deve disputar as eleições no Rio Grande do Sul. A lei determina que os ministros saiam do cargo pelo menos seis meses antes da votação (a data-limite, portanto, seria o começo de abril de 2022). A Economia quer evitar uma escalada no número de cargos e até mesmo a criação de políticas inacabadas por parte da nova pasta. O objetivo é incentivar um trabalho com foco e com entregas de curto prazo. Conforme mostrou a Folha, a equipe econômica planeja que, até o fim do governo, a pasta de Emprego e Previdência seja novamente extinta e retorne ao guarda-chuva de Guedes. Parte dos envolvidos nas discussões têm relatado receios com as novas sinalizações da cúpula da Economia ao mencionarem que a estrutura do novo ministério pode acabar, na prática, dependente parcialmente da pasta de Guedes. Isso porque é citado o temor de a nova pasta ficar sem áreas-chave para a tomada de decisões —como as ligadas aos departamentos jurídicos ou de assessoria parlamentar. Caso essa situação seja confirmada, o Ministério do Trabalho teria que depender de pareceres de avaliação jurídica da Economia, por exemplo. Outro caso citado é o do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), que a Economia também resiste a ceder. As discussões continuam no governo e diferentes integrantes mencionam dificuldades em se chegar a um desenho final do desmembramento. Há relatos de disputa pelos órgãos até mesmo entre técnicos, embora envolvidos amenizem o tom ao dizerem que são discussões burocráticas. A ala que deve ser transferida ao ministério de Onyx defende que seja entregue uma estrutura completa, que possibilite à pasta exercer a função de forma integral. Esses técnicos não querem fazer parte de um “puxadinho”. Mesmo que seja temporário, esse grupo busca, nas discussões internas com a equipe de Guedes, convencê-lo de que as atividades da pasta de Trabalho e Previdência podem ficar comprometidas caso não haja a estrutura como qualquer ministério. Também há dificuldade de encontrar espaço no Orçamento e fazer ajustes na legislação para que novos cargos sejam criados no decorrer do ano. Além disso, integrantes do Ministério da Economia resistem em adotar essas medidas e, em poucos meses, ter que desfazer toda a estrutura da pasta. Embora visto como algo de menor probabilidade, outro fator de instabilidade mencionado nas conversas é o de a MP (medida provisória) que cria o novo ministério não ser transformada em lei pelo Congresso, o que faria todo o novo desenho ser desfeito depois de quatro meses. Conforme mostrou a Folha, as discussões iniciais do desmembramento ameaçavam tirar cerca de 85% do orçamento atualmente controlado pelo titular da Economia. Com a ofensiva de Guedes, esse valor tende a cair. De qualquer forma, os envolvidos nas discussões dizem que a decisão pela criação de um novo ministério está tomada e que não será possível voltar atrás. Diante dessa constatação, membros da Economia defendem a necessidade de se concluir logo o trabalho de divisão para que não seja perdido tempo a ser usado para a discussão de políticas públicas. A pressa existe tanto pelo pouco tempo que Onyx ficará na cadeira como pelo pouco tempo de articulação disponível no Congresso antes de o calendário eleitoral começar a prejudicar os debates na Câmara e no Senado. Na avaliação da equipe econômica, a recriação do Ministério do Trabalho e Emprego, que faz parte de uma reforma ministerial planejada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), foi um movimento necessário para que o governo recomponha a base política e abra caminho para o avanço das reformas no Congresso. Embora vá perder uma fatia de seu “superministério”, Guedes tenta manter a influência na estrutura a ser comandada por Onyx. A principal cartada do ministro é manter o quadro técnico da atual Secretaria Especial de Previdência e Trabalho na nova pasta. Alinhados à agenda de Guedes, esses técnicos prometem uma transição mais rápida e uma continuidade dos projetos que estão em andamento. Mas também esperam mais celeridade nas propostas, já que esperam um ministério 100% focado na área trabalhista e previdenciária. Dentre os planos a serem executados pelo novo ministério, está principalmente as bolsas de estudos para jovens que não estudam e não trabalham —que vêm recebendo o nome de BIP (bônus de inclusão produtiva) e BIQ (bolsa de incentivo à qualificação). De qualquer forma, a criação da pasta pelo presidente Bolsonaro representa uma perda de poder para Guedes, que entrou no governo com a alcunha de superministro. Esta será a primeira vez que ele perderá uma secretaria especial. Enquanto discute a MP, o ministro da Economia também já planeja mudanças na estrutura interna das secretarias que continuarão sob seu comando para evitar a cobiça da área política por outras áreas. A Secretaria de Orçamento e a Secretaria do Tesouro Nacional hoje estão abaixo da Secretaria Especial de Fazenda. A ideia é criar a Secretaria especial de Orçamento e Tesouro. Ou seja, fundir as áreas e elevá-las de status. A aliados, Guedes tem dito que a proposta visa maior alinhamento entre o setor que planeja os gastos públicos e o que cuida das despesas. Mas partidos que compõem o centrão continuam pressionando o governo para recriar o Ministério do Planejamento, cujas funções estão hoje dentro da Economia e envolvem o controle do Orçamento federal. Membros da equipe econômica esperam que a articulação política do governo,