Nova Zelândia demite servidor que se recusou a tomar vacina

A Nova Zelândia demitiu nove funcionários que trabalhavam em alfândegas por terem se recusado a receber a vacina contra a covid-19. O caso reforça um grande debate pelo mundo sobre se empresas e governos podem demitir funcionários que se recusarem a ser vacinados contra a doença. Em fevereiro, a primeira-ministra, Jacinda Ardern, disse que o governo não tornaria a vacina obrigatória para o pessoal da linha de frente e que aqueles que recusassem a vacina seriam transferidos para funções nos bastidores. Mas, segundo o jornal “The Guardian”, não foi possível realocar nove trabalhadores, disse Jacinda Funnell, vice-presidenteexecutiva do setor de alfândega. Funnell afirmou que cerca de 95% do pessoal da linha de frente da alfândega que precisou ser vacinado recebeu sua primeira dose e 85% recebeu a segunda dose. Uma ordem do Ministério da Saúde, feita sob a Lei de Resposta à Saúde Pública da Covid-19, tornou uma exigência legal para qualquer pessoa que trabalhe em ambientes fronteiriços de alto risco ser vacinada até 1º de maio. Sindicatos se manifestaram contra a demissão de trabalhadores que recusaram a vacina. VALOR ECONÔMICO
Quais as dificuldades para realizar uma reforma tributária simplificadora no Brasil? (Artigo)

É necessário que todo imposto seja planejado de tal modo que as pessoas paguem ou desembolsem o mínimo possível além do que se recolhe ao tesouro público do Estado.” Adam Smith publicou essa máxima em 1776, que repetida por Ricardo e Stuart Mill, entre outros, ganhou uma obviedade tal que não há, hoje, voz que contra ela se levante. Mas no Brasil atual, quase 250 anos depois, ainda é tempo de discutir o óbvio. A necessidade de redução do tamanho do Estado, convicção que sempre esteve presente por aqui, intensificada nos últimos anos, encontra, na prática, duas formas de se viabilizar: deixar de prestar determinado serviço público ou prestar o serviço público com maior eficiência, otimizando os recursos disponíveis. Por se tratar de atividade incontestavelmente essencial ao Estado, o Fisco só pode dispor da segunda opção. Quando se discute reforma tributária, muito se ouve sobre a necessidade de redução dos custos de compliance para que se possa aumentar a competitividade das empresas, custos esses majorados pela complexidade das normas tributárias no Brasil. Mas pouco se discute sobre o custo que tem o Estado (o contribuinte) para manter o enforcement compatível com esse nível de complexidade e o quanto isso dificulta a tarefa do Fisco na prestação dos serviços que lhe são pertinentes: garantir arrecadação, combater a sonegação, evitar a concorrência desleal, etc. Pouco se discute, ainda, sobre a possibilidade da adoção de medidas de enforcement que levariam a um maior nível de conformidade de todos. Algumas medidas poderiam ser discutidas, tais como: endurecimento da pena para sonegação fiscal; execução fiscal administrativa; redução de níveis de contencioso (administrativo e judicial), criação de instrumentos mais eficientes de combate à fraude estruturada, como, por exemplo, whistleblower (cidadão que faz denúncia de ilícitos tributários e recebe um porcentual dos valores recuperados), entre outras, certamente resultariam numa resposta social no sentido da conformidade e, consequentemente, na necessidade de um aparato estatal menor, com custo menor para a sociedade. Há poucos dias foi divulgada uma carta aberta assinada pelos representantes das Administrações Tributárias dos Estados – Comsefaz, a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), a Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), além de organizações da academia e da sociedade civil, para tentar convencer o Congresso Nacional, mas, sobretudo, o setor privado, a lutar por uma reforma tributária que traga simplificação para a matriz tributária brasileira, o que resultaria, sem sobra de dúvidas, em redução dos custos de compliance tanto para o setor produtivo quanto para os governos em geral. Mas, se os próprios Estados e municípios, outrora tão refratários, e os próprios servidores públicos, operadores da máquina arrecadatória, clamam por uma reforma tributária simplificadora, por que ela simplesmente não acontece? Simplesmente porque o tão propagado “manicômio tributário” não é prejudicial a todos. Há muitos setores econômicos que são extremamente beneficiados por esta complexidade e pela consequente ineficiência do aparato estatal. Essa complexidade permite esconder todo tipo de privilégio fiscal que, por sua vez, contraria outro princípio escrito por Adam Smith, o da capacidade contributiva, que diz que cada um deve ser tributado “proporcionalmente às suas respectivas capacidades”. A atual organização tributária é, antes de tudo, resultado da cooptação do Estado por setores do poder econômico que, nas palavras do filósofo britânico, são “classes de homens cujo interesse nunca coincide exatamente com o público”. Rodrigo K. Spada e Jefferson Valentin* *SÃO, RESPECTIVAMENTE, PRESIDENTE DA FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE ASSOCIAÇÕES DE FISCAIS DE TRIBUTOS ESTADUAIS (FEBRAFITE) E AGENTE FISCAL DE RENDAS DO ESTADO DE SÃO PAULO O ESTADO DE S. PAULO
Com a privatização da Cedae, precisamos falar do mito da estatal lucrativa (Pedro Fernando Nery)

Foi realizada no fim da semana uma das maiores concessões recentes no País: a da Cedae – a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio. Com os leilões, vieram argumentos recorrentes contra privatizações: ora que a estatal era lucrativa para o Estado, ora que os serviços vão encarecer porque precisarão pagar o lucro da nova empresa privada (e não só os custos que a Cedae tinha). O tema é interessante e sempre atual: hoje vamos falar sobre o mito da estatal lucrativa. Um primeiro argumento contra uma privatização ou concessão é de que uma determinada empresa é lucrativa para o contribuinte ou o Estado. Isto é, sua receita é maior do que sua despesa. Esse argumento é falacioso porque trata apenas do que chamaríamos de lucro contábil, não do lucro econômico. O que é o lucro econômico? Na teoria econômica, é o lucro que existe quando se consideram não apenas os custos visíveis, mas também os custos “invisíveis” de uma empresa. São os custos de oportunidade: o quanto se estaria recebendo se os seus ativos estivessem sendo usados na atividade mais lucrativa possível? Não bastaria, no significado mais comum, apenas lucrar, mas lucrar acima do que em outros setores. Esse conceito é importante para uma estatal porque com frequência os seus ativos foram simplesmente “dados” pelo Estado, seja porque foi concedida a esta empresa um monopólio ou porque literalmente seus ativos foram comprados com dinheiro público. O lucro econômico consideraria, assim, o quanto se poderia ganhar se desfazendo do patrimônio da empresa e investindo-o em outra atividade. Se a atual receita da empresa não é maior do que o que se poderia ganhar investindo seus recursos em outro lugar, não há lucro econômico. Imagine que o governo crie uma estatal em qualquer atividade pitoresca, por exemplo, aluguel de carros. Ele compra milhares de carros e doa para essa Localizabrás alugá-los. É provável que, mesmo incompetente, a estatal consiga lucro contábil – uma receita maior do que seus custos visíveis. Mas toda a operação é absurda para um governo: melhor seria se ele vendesse esses carros e fizesse outra coisa com o dinheiro. Um segundo argumento é o de que serviços privatizados necessariamente vão encarecer, porque precisarão pagar o lucro privado, que não existe na estatal. Aqui vale entender o conceito de “renda econômica”, que corresponde à remuneração excessiva de uma atividade – que acontece por exemplo com os lucros de monopólios, não sujeitos à competição. Esse conceito de renda econômica se aplica comumente a lucros, pois é associado à uma remuneração improdutiva. Mas ele pode se aplicar até a salários, se estiverem artificialmente altos pela falta de competição. Por exemplo, em uma estatal em que o sindicato consegue vantagens não disponíveis em empresas privadas, à custa do usuário do serviço. Assim, uma estatal, mesmo sendo pública, terá seus serviços encarecidos por esses “lucros”. São as rendas econômicas recebidas por empregados sobreremunerados ou por fornecedores que conseguem vender seus produtos acima do preço de mercado em contratações ineficientes. É comum que fornecedores de estatais sejam bem conectados com elites políticas, que garantem o status quo e o pagamento dessas rendas – perdidas com a privatização. Chegamos a um terceiro ponto: e no fim das contas, estatal precisa ser lucrativa? Não. Ela pode ser um instrumento para alcançar objetivos sociais cuja métrica de lucro não é apropriada. Principalmente, pode ser uma forma mais liberal de administrar o Estado, útil quando um serviço público não é bem prestado por um órgão direto ou uma empresa privada. Uma estatal, em tese, não contrata funcionários de forma vitalícia, seus empregados não têm aposentadoria especial e as regras de licitação são mais flexíveis do que nos órgãos públicos tradicionais. Não à toa, mesmo governos de esquerda, como o de Dilma ou de Flávio Dino, criaram estatais na área de saúde para buscar uma gestão mais dinâmica, menos típica do setor público, ainda que não privada. No fundo, as ideias de lucro econômico ou renda econômica podem ser entendidas como privilégio. Nas próximas privatizações e reformas, vale se perguntar onde ele está. *DOUTOR EM ECONOMIA O ESTADO DE S. PAULO
Quem mexeu nos meus dados? (Nicole Katarivas e Raquel Lamboglia)

A LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) entrou em vigor em setembro de 2020 com a promessa de garantir maior segurança aos nossos dados pessoais. Porém, estamos vendo que a prática é bem mais complexa. O ano de 2021 iniciou com ocorrências de megavazamentos de dados que colocaram em xeque a segurança das informações dos brasileiros. Após noticiado em janeiro o vazamento de dados pessoais (incluindo nome, CPF, fotos, “score” de crédito, endereço, Imposto de Renda e outros) de mais de 220 milhões de brasileiros, comercializados na dark web, houve novo vazamento em fevereiro —desta vez de dados relacionados a contas de celulares de mais de 100 milhões de pessoas. Em posse desses dados é possível realizar operações de compra, contratação de serviços e acessar informações de sua vida privada. Longe de incitar uma teoria da conspiração, tampouco trazer qualquer episódio da série “Black Mirror” à realidade, é legítima, no entanto, a grande preocupação com os prejuízos que podem ser causados. Diante disso, recorremos à LGPD e ao Código de Defesa do Consumidor (CDC) para examinar quais são os direitos dos titulares de dados e como eles podem se proteger. Nos termos da LGPD, o controlador ou operador de dados pessoais que causar dano em violação à legislação é obrigado a repará-lo. Apesar da lei atribuir ao agente a responsabilidade civil de reparação dos danos causados, o dispositivo não é claro se para caracterização da responsabilidade é necessário existir a culpa do agente. Em linha com o CDC, entretanto, é garantido que o agente deverá ressarcir os danos sem comprovação de culpa. Ótima notícia, não? Mas e quando o responsável pelos danos não é identificável? É exatamente este o caso dos vazamentos citados. A fonte dos vazamentos não foi identificada, de forma que os titulares ficaram à deriva, e a solução dada até o momento foi transferir aos titulares a responsabilidade pela checagem de eventuais danos causados, sem garantia de ressarcimento. Foi disponibilizado pelo Banco Central um site para que os titulares monitorem as transações de créditos realizadas em seu nome. Neste caso específico, é importante que o titular monitore os seus dados e se abstenha de prestar informações pessoais por meio de canais de comunicação não oficiais das instituições financeiras. Ressalte-se que o uso dos dados por meio de fraude financeira que acarrete prejuízos aos titulares pode ensejar responsabilização das instituições financeiras. De toda forma, fica o alerta de que temos muito o que avançar para assegurar os princípios estabelecidos na LGPD. Não podemos ser ingênuos a ponto de achar que a comercialização dos dados pessoais é recente na dark web ou que a LGPD dará conta de garantir proteção integral aos titulares —cabem ao governo e às próprias empresas, na qualidade de controladoras e operadoras, garantir ao Brasil um ambiente minimamente seguro para transações comerciais e privacidade dos titulares. Expor os dados pessoais significa expor a vida e segurança de indivíduos e, além dos riscos inerentes, atribui ao país reputação duvidosa no âmbito internacional. As relações se constroem com base na confiança, e não haverá confiança enquanto não estabelecida a proteção adequada a este bem tão precioso que é a privacidade da vida humana. FOLHA DE S. PAULO
Mais da metade das trabalhadoras domésticas fica sem renda na pandemia, mostra pesquisa

Terezinha Francisco Tavares, 52, trabalhava há 13 anos para uma família em São Paulo quando a pandemia começou, em março do ano passado. Em outra casa, prestava serviços há nove. Em ambas, a facilidade dessas dispensas evidencia a fragilidade dos vínculos. “Todo esse tempo de trabalho e saí com a diária do dia e mais nada. Todo o mundo tem um motivo. Teve que ajudar outras pessoas da família ou levou alguém para morar em casa, mas quem é mais prejudicado somos nós”, diz. Dos trabalhos que mantinha no pré-pandemia, Terezinha ainda vai eventualmente a uma outra residência, onde já completa 18 anos limpando e arrumando. “Mas ela [a empregadora] também ficou desempregada, então não vou sempre. Uma vez por mês eu vou dar uma ajuda. Mas é assim, a gente sabe que a corda sempre estoura no lado mais fraco.” Terezinha mora há nove anos em Heliópolis, maior favela de São Paulo, na zona sul da capital. Lá, assim como ela, 78% das mulheres que trabalham como diaristas ou mensalistas não têm carteira assinada, segundo pesquisa realizada pelo observatório De Olho na Quebrada, da Unas (União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região), com ActionAid, Open Society Foundation e Instituto Construção entre dezembro de 2020 e março deste ano. Uma vez dispensadas, essas trabalhadoras não recebem férias ou 13º salário, também não acessam o seguro-desemprego ou o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço). Em pouco mais de um ano de pandemia, 95% dessas mulheres relataram ter visto a renda diminuir. Quase nove em dez disseram ter perdido algum posto de trabalho. Segundo o De Olho na Quebrada, 47% trabalhavam em apenas uma casa, enquanto 24% iam em duas, e 14%, em três. Mais da metade (52%) relatou não ter mais nenhuma renda. Na casa de Rosimeire Ferreira da Silva, 49, a ordem é de economia total. Aparelhos eletrônicos ficam fora da tomada quando não estão sendo usados. “Até o tanquinho [para lavar roupas] eu deixo só para coisas mais pesadas e o resto lavo na mão”, diz. No início da pandemia, a pessoa para quem Rosimeire trabalhava a cada 15 dias recomendou que ela ficasse em casa até que a situação melhorasse. Não melhorou, e a antiga empregadora também não a chamou de volta. “A gente vai levando como pode. Meu marido é ajudante de pedreiro e, para ele, tem pelo menos aparecido trabalho aqui e ali.” Com a renda encolhida, Rosimeire teve que cortar hábitos como fazer a feira semanal e tem buscado ajuda, como a cesta básica doada pela Unas. “Se não é o apoio da comunidade, o povo ia passar fome”, diz a diarista Maria Geani Souza Carvalho, 45, que até o início da pandemia trabalhava em três casas diferentes. Há cerca de três meses, voltou a fazer faxinas, mas com frequência menor, chegando a apenas uma vez por mês, e aceita qualquer bico que aparecer. “Eu que mantinha a minha casa. Tinha mês que dava até para fazer uma comprinha extra. Acabou que eu tive que cortar essas comprinhas e ainda fiquei sem pagar o carnê. Agora estou com o nome sujo”, conta. Giani diz contar com o apoio do filho, que garante o pagamento do aluguel. Segundo a Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE, 4,9 milhões de pessoas atuavam no trabalho doméstico remunerado no trimestre encerrado em fevereiro deste ano. Na comparação com o mesmo período em 2020, o corte de empregos no setor chega a 1,3 milhão de pessoas, uma queda de 21%. A pesquisa do De Olho na Quebrada buscou entender também como era a vida das mulheres entrevistadas. Letícia Maria da Silva, 22, liderança do De Olho na Quebrada, foi uma das pesquisadoras. Ela conta que, depois de terem recebido e respondido os formulários, as mulheres eram novamente entrevistadas e contavam, em áudios enviados ao longo do dia, como eram suas rotinas antes e depois da pandemia e quais eram suas atividades de lazer. Para Reginaldo José Gonçalves, líder comunitário na Unas, foi surpreendente constatar que as atividades de lazer dessas mulheres estão, com frequência, vinculadas aos cuidados com outras pessoas, como receber filhos e netos e almoços em família. Para a diretora de programas da ActionAid, Ana Paula Brandão, os dados mostram como a pandemia aprofundou desigualdades de maneira significativa. Segundo a pesquisa, 97% das trabalhadoras domésticas em Heliópolis são mães e metade delas é solo, ou seja, não compartilha com ninguém a responsabilidade pela criação dos filhos. Mais de 70% delas são negras e 48% têm entre 40 e 59 anos. “Chama atenção o aumento exponencial de mulheres que passaram a cuidar de outras pessoas. A pandemia coloca toda a centralidade da responsabilidade sobre a mulher. Quando você junta esse dado com o fato de as escolas estarem fechadas, vamos ter cinco a dez anos de situação catastrófica. Uma questão social muito séria.” FOLHA DE S. PAULO
Nova força de trabalho perde habilidades com ensino remoto

Após mais de um ano de ensino remoto – que pode chegar a dois anos a depender da evolução da pandemia -, a nova força de trabalho chegará ainda mais crua ao mercado de trabalho, com menos habilidades socioemocionais, como capacidade de se relacionar em equipe e criatividade, e também impacto em habilidades técnicas, apontam especialistas. A influência na formação tende a ocorrer tanto no ensino técnico quanto no universitário, mas principalmente em áreas que exigem mais prática e de treinamentos específicos, como mecânica, engenharias e saúde. “Em geral, os cursos são estruturados com a parte mais teórica no início e a mais prática no fim, com laboratório e estágio. A parte prática tende a ser mais prejudicada, embora o efeito se dê de maneira diferente entre os cursos. A tendência é que os alunos cheguem com menos experiência no mercado”, afirma o professor do Insper e da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP) Naércio Menezes. Ele é um dos autores de um estudo que compara o desempenho de estudantes de graduação presencial e de ensino a distância (EAD), que mostra que mais da metade dos estudantes tem desempenho pior no EAD. O trabalho compara alunos dos dois formatos de ensino com perfis semelhantes – sexo, raça, renda e nível educacional da mãe, entre outros. Embora diga que os dados tratam de períodos anteriores à pandemia (2015 a 2019), Menezes declara que podem servir como referência para avaliar os riscos de piora na formação profissional dos jovens. Na sua avaliação, o custo das empresas para treinar esses profissionais tende a ser maior, assim como o tempo do aprendizado. “Vai aumentar muito o chamado ‘on the job training’”, diz ele. Para que a produtividade do trabalho não despenque, afirma a fundadora da Cia. de Talentos, Sofia Esteves, será fundamental o envolvimento das empresas na qualificação dos funcionários e dos próprios jovens de busca por conhecimento. “Os jovens vão sair de seus cursos mais despreparados do ponto de vista técnico e de atitude. Eles estão perdendo aquela troca no corredor com os colegas, aquela conversa com o professor no fim da aula… O convívio na faculdade ajuda a preparar para o mercado corporativo. Em geral, os jovens estão mais ansiosos e inseguros”, aponta. Professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, Teresa Rego avalia que quem tende a sentir mais os prejuízos do longo período de aulas à distância é quem está para se formar e as crianças no início da vida escolar. Mas, acrescenta, os efeitos serão sentidos em todas as fases. “A escola é o lugar que, vamos dizer, tira o sujeito da ignorância. E falando em linhas bem gerais: estaremos todos mais ignorantes. E obviamente que isso trará também impactos no mundo do trabalho, que se soma a uma crise econômica séria e às dificuldades que já existiam nas oportunidades de trabalho para os jovens”. Os irmãos Marcelo Campos Filho, de 21 anos, e Marcos Abdalla Campos, de 19 anos, estudam administração de empresas no Insper. Enquanto o primeiro está na reta final da faculdade, o segundo terminou o primeiro ano do curso em 2020, mas suspendeu os estudos neste semestre por causa da pandemia. Ele sentiu que a absorção do aprendizado não era a mesma no ensino remoto e quis aproveitar mais o contato com outros alunos e professores. “Meu pensamento é ganhar seis meses lá na frente sem covid”, diz Marcos. Já Marcelo diz não ter sentido o impacto do ensino remoto, já que a grade curricular no último ano é de disciplinas eletivas. No caso do curso de administração, o conteúdo é mais teórico. “Por um lado, tenho até conseguido me dedicar mais ao meu estágio, que comecei em janeiro”, afirma. Mais do que a formação de quem permanece na universidade, a preocupação do economista-sênior da Prática Global de Proteção Social e Empregos do Banco Mundial Matteo Morgandi é com a evasão dos alunos por falta de renda. “Seguramente há algum efeito em habilidades socioemocionais, como o trabalho em equipe. Mas a evasão é um problema mais sério. Sabemos da dificuldade que a pessoa que abandona um curso superior por causa de crise tem para voltar”, afirma ele. “Com menos gente qualificada se formando, há custo para as empresas, especialmente aquelas que já tinham dificuldade de contratar antes da pandemia.” Na sua avaliação, o momento tende a intensificar um problema que já crescia no país antes da pandemia, que é a dificuldade de encontrar o primeiro emprego. Diretor da Page Group, empresa especializada em recrutamento e seleção, Lucas Oggiam concorda sobre os efeitos da formação profissional nas chamadas soft skills – tão fundamentais no mercado de trabalho atualmente -, mas contesta uma relação direta entre o ensino remoto e a piora da qualidade da formação. “Nossa percepção, como avaliadores de profissionais, é que o impacto se dá muito menos nos aspectos técnicos que nos aspectos comportamentais. O desafio cultural e comportamental é muito grande. Jovens ainda são mais imaturos”, diz. O Senai, que oferece cursos técnicos e de tecnólogos, diz que a substituição do ensino presencial pelo remoto traz perdas para a formação, mas pondera que o uso de https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpgs de ponta, como realidade aumentada e simuladores, ajudam a conter esse efeito. “Dizer que não teve perda seria ignorar a realidade, mas as https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpgs digitais ajudam a mitigar isso”, diz o diretor-geral do Senai, Rafael Lucchesi. A avaliação é compartilhada pelo presidente da Fundação Iochpe, Claudio Anjos, responsável pelo programa Formare, que já formou mais de 22 mil jovens em cursos técnicos. Atualmente, o programa tem parcerias com 46 empresas, em 68 unidades, e tem mil alunos. “Obviamente a experiência do curso presencial é diferente, no ensino há perda de convivência. Mas fizemos uma adaptação cuidadosa da metodologia”, diz. VALOR ECONÔMICO
Mercado de trabalho travado (Fernando Dantas)

A taxa de desemprego de 14,4% no trimestre dezembro-fevereiro da PNAD Contínua (PNADC) ficou abaixo da mediana das expectativas do Projeções Broadcast (14,6%), mas analistas alertam que os resultados da pesquisa não foram bons. O que chamou a atenção de Daniel Duque, do Ibre-FGV, foi que a taxa de participação – empregados mais desempregados como proporção da população em idade de trabalhar, PIA – permaneceu estacionada num nível de aproximadamente cinco pontos porcentuais abaixo daquele prevalecente pré-pandemia (ver gráfico). Dessa forma, foi o fato de que liquidamente quase não houve entrada de pessoas no mercado de trabalho que explica o comportamento melhor do que esperado da taxa de desemprego. Na verdade, como mostrado na divulgação da PNADC de fevereiro pelo IBGE, a população ocupada (PO) de 85,9 milhões no trimestre até fevereiro é apenas 0,4% superior à do trimestre anterior sem intercessão, isto é, aquele terminado em novembro. “A PO está desacelerando”, diz Duque. A taxa de participação estava em 62% em fevereiro de 2020. Desde pelo menos 2012 ela se mantinha no nível de 61-62%. A quarentena inicial da pandemia levou muita gente a sair forçosamente do mercado de trabalho, e levou a taxa de participação a um mínimo de 54% em julho de 2020. Com a redução do isolamento social, a taxa de participação subiu para 57% em outubro, e está estacionada nesse nível até essa última leitura de fevereiro. Sempre se está referindo aos trimestre móveis até o mês mencionado. Duque vê três possíveis causas para a estagnação da taxa de participação. A primeira, na qual não leva muita fé, seria que em fevereiro, na expectativa de um novo auxílio emergencial, um contingente expressivo não voltou ao mercado de trabalho. A segunda explicação seria que muitas pessoas, especialmente mulheres, não voltaram ao mercado de trabalho em fevereiro porque até lá as escolas não haviam retomado aulas presenciais (não que o ensino tenha voltado a ser todo presencial agora). A terceira explicação é a mais importante e candidata à principal causa do congelamento da taxa de participação: uma camada significativa da população ligada ao trabalho informal não voltou ao mercado de trabalho porque o setor de serviços, no qual se concentra a informalidade, ainda se mantém em boa parte paralisado por causa da pandemia. Bruno Ottoni, economista da IDados, empresa de pesquisa de dados em mercado de trabalho e educação, também se impressiona com o fato de que 5,7 milhões de pessoas ainda não voltaram à PEA, a população economicamente ativa (empregados mais desempregados), em relação ao nível pré-pandemia. Ele nota que essa diferença em relação à PEA pré-pandemia pode ser até maior, porque a PIA ainda está crescendo. “Tem muita gente para voltar ainda, o que distorce a visão do mercado de trabalho brasileiro quando a gente olha para o desemprego [que exclui os que não estão procurando emprego]”, diz o especialista. A grande questão é saber se e como essas pessoas se empregarão quando voltarem a buscar ocupação quando a pandemia arrefecer. Comparando-se o trimestre terminado em fevereiro com o trimestre terminado em agosto (este captura um dos momentos de maior contração da PEA desde o início da pandemia), 4,86 milhões de pessoas voltaram ao mercado de trabalho. Desse contingente, 4,2 milhões conseguiram emprego e o restante está desempregado. Mas essa absorção aparentemente alta foi de qualidade sofrível, já que 2,65 milhões conseguiram postos informais e 1,48 milhão, formais (numa conta aproximada de Ottoni). Quando se compara o trimestre terminado em fevereiro com o trimestre terminado em novembro, a volta para a PEA foi de 721 mil. Nesse caso, o retrato da absorção fica pior: 400 mil desempregados e 321 mil na PO. Segundo Ottoni, essa segunda comparação, em prazo mais curto, talvez sinalize melhor a capacidade de o mercado de trabalho absorver milhões de pessoas que ainda devem voltar à PEA do que a comparação mais longa (com o trimestre encerrado em agosto). Ele explica que tipicamente em crises quem se torna desocupado ou sai do mercado de trabalho são os trabalhadores menos qualificados (e também os menos necessitados de trabalhar, no segundo caso) – que, no entanto, comparados ao contingente já desocupado ou fora da PEA, tendem a ser os mais qualificados. Quando há uma recuperação, prossegue Ottoni, quem volta primeiro são os mais qualificados no grupo desocupado ou fora da PEA (e os com mais necessidade de trabalhar). Esse grupo tende a voltar rápido, o que pode estar refletido na absorção de 4,2 milhões no mercado de trabalho na comparação entre fevereiro e agosto. Mas à medida que os melhores vão conquistando postos, o nível de qualificação dos desocupados vai piorando, o que dificulta a absorção. Assim, enquanto a criação líquida de 4,2 milhões de postos entre fevereiro e agosto pode ter refletido aquele primeiro movimento, a volta dos melhores entre os desocupados ou que retornaram à PEA, a criação de apenas 321 mil na comparação de fevereiro com novembro (com 400 mil indo para o desemprego) pode retratar melhor o que vem pela frente, na visão de Ottoni. Ele raciocina com uma projeção hipotética do Caged – que não é a sua –, pelo valor de face (o que é problemático) e de forma otimista, de criação de 1,5 milhão de empregos formais no ano. Ainda assim haverá necessidade de absorver 4,2 milhões de pessoas no mercado de trabalho, se a taxa de participação voltar ao nível pré-pandemia. “A gente coloca [hipoteticamente, não é projeção de Ottoni] um total de 2-3 milhões em emprego informal, ainda estamos falando de um mínimo de 1 milhão que vai parar no desemprego”, analisa o economista. Ottoni projetava um pico da taxa de desemprego de 15,9% na PNAD-C de março, mas agora está revisando, exatamente porque não está havendo a volta ao mercado de trabalho pressuposta. Ele considera que o pico será por volta daquele mesmo nível, mas um pouco mais adiante. Fernando Dantas é colunista do Broadcast O ESTADO DE S. PAULO
The Economist: Expansão após pandemia – o que a história mostra (The Economist)

A pandemia de cólera no início dos anos 1830 atingiu a França com força. Dizimou cerca de 3% dos parisienses em um mês, e os hospitais ficaram lotados de pacientes cujas aflições os médicos não conseguiam compreender. O fim da praga ocasionou uma retomada da economia, e a França seguiu o Reino Unido na revolução industrial. Mas qualquer pessoa que tenha lido Os miseráveis sabe que essa pandemia também contribuiu para um outro tipo de revolução. Mais prejudicados pela doença, os pobres avançaram contra os ricos, que haviam fugido para suas casas de campo para evitar o contágio. A França testemunhou instabilidade política nos anos que se seguiram. Hoje, mesmo com a covid-19 devastando países mais pobres, a parte rica do mundo está à margem de um boom pós-pandemia. Governos estão suspendendo impedimentos à circulação das pessoas à medida que as vacinações reduzem a quantidade de hospitalizações e mortes decorrentes do vírus. Muitos analistas preveem que a economia dos Estados Unidos crescerá mais de 6% este ano, ao menos quatro pontos porcentuais mais rapidamente do que no período pré-pandemia. Outros países também tendem a um crescimento rápido e incomum. A situação é tão inusitada que economistas estão se voltando à história para saber o que esperar. Os registros sugerem que, após períodos de grandes perturbações não financeiras, como guerras e pandemias, o PIB retorna aos níveis anteriores. Primeiro, ainda que as pessoas queiram sair de casa e gastar dinheiro, a incerteza persiste. Depois, as crises encorajam as pessoas a encontrar novas maneiras de fazer as coisas, o que apruma a estrutura da economia. E, finalmente, conforme demonstram Os miseráveis, a agitação política frequentemente se segue, com consequências imprevisíveis para a economia. Comecemos pensando no gasto dos consumidores. Registros de pandemias anteriores sugerem que, durante as fases agudas, as pessoas se comportam da mesma maneira que se comportaram no ano passado em relação à covid-19, economizando dinheiro à medida que as oportunidades de gastar se esvaem. Na primeira metade da década de 1870, durante um surto de varíola, a taxa de poupança nos lares britânicos dobrou. A taxa de poupança no Japão mais que dobrou durante a 1.ª Guerra. Em 1919 e 1920, quando a gripe espanhola se disseminou, os americanos guardaram mais dinheiro no colchão do que em qualquer outro ano até a 2.ª Guerra. GuiaA história também oferece um guia a respeito do que as pessoas fazem uma vez que as coisas voltam ao normal. Elas gastam mais, o que ocasiona uma recuperação no emprego, mas não há muita evidência de excessos. A noção de que as pessoas celebraram o fim da peste negra com “fornicação selvagem” e “regozijo histérico”, como supõem alguns historiadores, é (provavelmente) apócrifa. Um estudo recente do banco Goldman Sachs estima que, entre 1946 e 1949, os consumidores americanos gastaram somente cerca de 20% do que pouparam. Esses gastos extras certamente contribuíram para o boom do pós-guerra, apesar de os boletins mensais de “situação econômica” do governo a partir da segunda metade da década de 1940 estarem repletos de preocupações a respeito de uma iminente desaceleração (e a economia de fato entrou em recessão entre 1948 e 1949). A segunda grande lição dos booms pós-pandemias é relacionada ao “lado da oferta” na economia – maneiras e locais de produção de mercadorias e serviços. Apesar de as pessoas parecem menos propensas a frivolidades após uma pandemia, algumas podem ficar mais dispostas a tentar novas maneiras de ganhar dinheiro. Historiadores acreditam que a peste negra conferiu mais ousadia aos europeus. Embarcar em um navio a vela para desbravar novas terras parecia menos arriscado quando tantas pessoas morriam em suas casas. De fato, um estudo do Escritório Nacional de Pesquisa Econômica dos EUA publicado em 1948 constatou que o número de novas empresas explodiu a partir de 1919. Outros economistas estabelecem ligação entre pandemias e uma outra alteração no lado da oferta na economia: o uso de https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg que prescinde de mão de obra. Chefes podem querer limitar a disseminação da doença, e robôs não adoecem. Um estudo do FMI analisa vários surtos recentes de doenças, incluindo ebola e Sars, e constata que “pandemias aceleram a adoção de robôs, especialmente quando o impacto na saúde é severo e é associado a uma queda significativa na economia”. Se a automação rouba ou não o emprego das pessoas, porém, é outra questão. Algumas pesquisas sugerem que os trabalhadores, na verdade, se beneficiam após as pandemias. Um estudo do Federal Reserve Bank de São Francisco constata que as remunerações reais tendem a aumentar. Em alguns casos, isso ocorre por meio de um macabro mecanismo: a doença mata trabalhadores, deixando os sobreviventes em uma posição melhor para negociar o valor dos salários. Em outros casos, porém, aumentos nos ganhos são produto de mudanças políticas: a terceira grande lição dos booms históricos. Quando grande parte da população sofre, a iniciativa política se volta para os trabalhadores. É o que parece estar acontecendo: formuladores de políticas de todo o mundo estão mais interessados em diminuir o desemprego do que em reduzir dívida pública ou evitar inflação. Um novo estudo de três acadêmicos da London School of Economics também constata que a covid tornou os habitantes da Europa mais avessos à desigualdade. Em alguns casos, tais pressões detonaram a desordem política. Pandemias evidenciam e acentuam desigualdades preexistentes, fazendo com que os menos favorecidos busquem reparação. Uma pesquisa recente do FMI leva em conta o efeito de cinco pandemias, incluindo ebola, sars e zika, em 133 países desde 2001. E constata que elas ocasionaram um aumento na agitação social. “É razoável esperar que, quando a pandemia desaparecer, a agitação volte a emergir em localidades onde existia anteriormente”, escrevem pesquisadores em um outro estudo do FMI. As agitações sociais parecem atingir picos dois anos após o fim das pandemias. Aproveite o próximo boom enquanto ele durar. Em breve poderá haver uma reviravolta na história. O ESTADO DE S. PAULO
Digitalização ‘à chinesa’ inspira Magalu

Quando Frederico Trajano, presidente da varejista Magazine Luiza, comprou o AiQFome, a maior plataforma de entrega de comida do interior do país, não estava só de olho no mercado disputado por iFood e Rappi. No horizonte, estavam Jack Ma e Pony Ma, os bilionários que revolucionaram a cena digital chinesa com Alibaba e Tencent. Na China, as duas gigantes duelam pelo negócio de entregas a domicílio a partir da Ele.me – adquirida pelo Alibaba em 2018, por US$ 9,8 bilhões -, e da Meituan, firma listada na bolsa de Hong Kong que levantou US$ 10 bilhões recentemente numa operação que aumentou a participação da Tencent para quase 20%. A entrega de comida ainda é um negócio custoso, mas Jack Ma e Pony Ma entenderam muito antes dos demais que o nome do jogo digital é trazer tráfego, o que se traduz em mais compras. Essa é a lógica por trás do sucesso dos superaplicativos chineses como o WeChat – estratégia que vem sendo adaptada pela Magazine Luiza. Não à toa, a inspiração chinesa é cada vez mais citada por Frederico Trajano, num contraste com Amazon e eBay – há seis anos, quando estava construindo o marketplace (o shopping center virtual) da Magalu, era mais comum que Trajano citasse as companhias fundadas por Jeff Bezos e Pierre Omidyar. Em entrevista ao Pipeline, Trajano explicou porque prefere a visão dos chineses, que dá abrangência aos supperapps, em vez da tendência “category killer” dos americanos, concentrando a atuação em áreas nas quais tenham vantagens competitivas quase insuperáveis. “Os chineses ajudaram tanto os consumidores quanto os empreendedores a se digitalizar. Jack Ma está mais preocupado com os sellers [varejistas que operam no marketplace] do que Bezos, o que bate mais com o que penso. Quero digitalizar o Brasil, e não o mundo”, diz Trajano. A força dos sellers para a Magalu pode ser vista nos resultados. Desde 2018, a companhia olha para o GMV – valor total de vendas, incluindo o marketplace -, e não só para a receita líquida. No ano passado, foram R$ 43,5 bilhões. O e-commerce já representa 65,6% das vendas totais. As incursões em conteúdo, com a compra de Canaltech, Jovem Nerd e Steal the Look, fortalece o negócio de venda de publicidade online para os sellers. “A Amazon fatura mais de US$ 10 bi com ads [anúncios]. O Alibaba não cobra take rate [comissão] e toda a receita é em ads”, compara Trajano. A estratégia da Magalu, que fez 17 aquisições desde o início do ano passado – ingressando não só em delivery de comida, mas reforçando a logística e a oferta de serviços aos sellers, -, também está mais próxima dos chineses por características históricas do varejo no Brasil. O brasileiro de renda mais baixa, historicamente, precisa de crédito do varejo para consumir. “Renner, C&A, Pernambucanas e Magalu sempre tiveram uma operação financeira”, diz Trajano. Na Magalu, a Luizacred é uma joint venture com o Itaú, de 20 anos. A particularidade brasileira torna mais natural o investimentos de varejistas em serviços financeiros – no mundo digital, ninguém fez isso melhor do que os chineses. “O AliPay, plataforma de pagamentos com carteira digital e crédito, foi uma ferramenta fundamental para o Alibaba. E até hoje isso não é relevante para a Amazon”, observa o consultor Alberto Serrentino, fundador da Varese Retail. Na Magalu, os serviços financeiros digitais devem crescer. No superapp, a conta digital desenvolvida pelo time de https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg da empresa já conta com três milhões de clientes. A companhia também aguarda o aval do Banco Central para concluir a aquisição da Hub, que vai viabilizar a oferta direta de serviços como o Pix a consumidores e sellers – a fintech conta com mais de 4 milhões de contas ativas e processa mais de R$ 6,5 bilhões em pagamentos por ano. “Existe uma bela oportunidade para caminhar em fintech”, diz o presidente da Magazine Luiza. Numa tentativa de se diferenciar da concorrência – uma miríade de companhias também almeja ser um superapp à moda chinesa -, Trajano argumenta que as estratégias levam muitos anos para se consolidar. Em serviço de entrega de comida, por exemplo, o AiQFome vai primeiro desbravar as cidades fora das capitais – o número de municípios atendidos já é de 700 e deve chegar a 2 mil. “A Magalu demorou várias décadas para entrar na capital”, compara – as lojas físicas só chegaram a São Paulo em 2008. “Me preocupa quando todo mundo começa a falar [de superapp]. Não pode ser voluntarismo para jogar para o investidor”, disse ele, que visitou a China em 2018 para desenhar o novo ciclo estratégico da Magalu. Trajano reforça a aposta no longo prazo ao lembrar do modelo escolhido para a companhia. A multicanalidade, integrando os canais físico e digital, levou 15 anos para fazer a fama de varejista de sucesso – a Magalu lançou seu e-commerce em 2000. O modelo foi criado em casa, sem inspirações americanas ou chinesas. “Os investidores foram por uma década e meia contra minha visão de multicanalidade e agora, como teve sucesso, todo mundo fala”, diz, citando que é o único player de e-commerce que deu lucro – a B2W, que vai entrar na era da multicanalidade com a união com a Lojas Americanas, teve prejuízo de R$ 203 milhões no ano passado. O Mercado Livre reportou prejuízo de US$ 707 mil. Por muitos anos, a Magazine Luiza não foi a queridinha do mercado – as ações chegaram a valer pouquíssimos centavos até 2015, para só depois engatar uma impressionante disparada. A Magalu, que acaba de completar dez anos desde o IPO, vale R$ 130 bilhões. Em 2021, os papéis caíram quase 20% (muitos investidores realizaram lucro e outros migraram para ativos que podem ganhar com o pós-vacina) VALOR ECONÔMICO
Congresso pressiona Bolsonaro a acelerar programa social para substituir auxílio emergencial

Com o atraso na chegada de vacinas contra o coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem sido pressionado pelo Congresso a acelerar o processo de criação de um programa social que substitua o auxílio emergencial. Na semana retrasada, congressistas governistas alertaram o presidente que caso a ampliação do Bolsa Família, iniciativa planejada pelo ministro Paulo Guedes (Economia), não seja viabilizada até julho, eles passarão a defender em público que o auxílio emergencial seja prorrogado até novembro. O auxílio emergencial foi renovado em 2021, de abril a julho. O benefício varia de acordo com a composição da família. As parcelas vão de R$ 150 a R$ 375 por mês. No caso do Bolsa Família, o benefício médio está na faixa de R$ 190 por mês. Na quarta-feira (28), diante da pressão de deputados e senadores do centrão, o presidente afirmou, em conversa com eleitores, que pretende ampliar para R$ 250 o valor médio recebido por um beneficiário do Bolsa Família a partir de agosto ou setembro. A sinalização, no entanto, não foi considerada satisfatória nem mesmo por integrantes do governo, para os quais, diante do aumento dos indicadores de pobreza no país, o programa social deveria ser ampliado para um número maior de beneficiários e para uma quantia mais elevada, chegando a R$ 270. O governo ainda não deu reajuste ao benefício do programa. O último aumento foi em julho de 2018, na gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB). Na época, o valor médio transferido às famílias foi de R$ 188. Se o valor fosse corrigido pela inflação do período, seria equivalente a cerca de R$ 215. Portanto, parte do aumento prometido pelo presidente apenas repõe o poder de compra dos beneficiários, que está defasado. Sem consenso, o plano de reformular o Bolsa Família travou no ano passado, e nem sequer foi apresentado ao Congresso. Apesar do alerta do Legislativo, ainda não há previsão para que o governo formalize uma nova proposta de programa social, mais amplo que o atual. Procurado, o Ministério da Cidadania afirmou apenas que trabalha no aprimoramento do Bolsa Família e que pretende lançar a reformulação após a última parcela do auxílio emergencial, em agosto. Por ora, as discussões não preveem mudança no nome do programa. Atualmente o Bolsa Família atende 14,6 milhões de lares. Mas há cerca de 1,5 milhão de famílias na fila de espera para entrar no programa após o fim do auxílio –caso contrário, ficarão sem assistência social apesar de se enquadrarem no perfil de faixa de pobreza ou extrema pobreza. Para 2021, o Bolsa Família teve um alívio orçamentário de aproximadamente R$ 8 bilhões por causa da nova rodada do auxílio emergencial. Com a sobra de recursos, o Ministério da Cidadania quer bancar a ampliação do valor médio e da cobertura no segundo semestre. Ainda não há, porém, garantia de dinheiro para o 13º do benefício, promessa de campanha de Bolsonaro. Das 14,6 milhões famílias cadastradas no programa, mais de 10 milhões estão recebendo o auxílio emergencial, já que, pelas regras, têm direito a um valor maior no benefício emergencial do que nos critérios do Bolsa Família. A ampliação do programa, contudo, já enfrenta entraves orçamentários para os próximos anos, pois em 2022 a verba não deve ter uma folga por causa do auxílio emergencial. Com isso, é necessário calcular o impacto da reformulação do Bolsa Família no Orçamento futuro. Técnicos do Ministério da Economia dizem que esse plano precisa caber dentro do teto de gastos —norma que impede o crescimento das despesas acima da inflação. Paralelamente ao projeto de ampliar o Bolsa Família, o time de Guedes quer um novo programa social voltado para trabalhadores informais, que deve ser chamado de BIP (Bônus de Inclusão Produtiva). O objetivo é ampliar a qualificação de mão de obra no país e incentivar, por meio de uma transferência mensal entre R$ 200 e R$ 300, o treinamento de informais e jovens em busca de emprego. Além disso, o governo planeja criar regras trabalhistas mais flexíveis para esse público. O aumento da extrema pobreza no país, agravado pela baixa na atividade econômica com a pandemia do coronavírus, é considerado por assessores palacianos um dos principais calcanhares de Aquiles para a campanha à reeleição do presidente. O principal receio é que o eleitorado das classes C, D e E se torne mais receptivo a um discurso encampado pelo campo da esquerda, sobretudo caso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em cujo governo foi criado o Bolsa Família, se lance candidato ao Palácio do Planalto. Em Brasília nesta semana, Lula buscará articular a prorrogação do auxílio emergencial até o fim da pandemia e no valor de R$ 600 novamente. O governo e a aliados no Congresso querem deixar a MP (medida provisória) que criou a nova rodada do benefício seja votada. Assim, quando o texto perder a validade, em julho, todas as quatro parcelas previstas já estariam pagas e não haveria risco de ampliação dos gastos. A preocupação com a aproximação de Lula com o eleitorado de classes mais baixas é compartilhada por congressistas da base aliada, que vêm sendo cobrados em suas bases eleitorais por uma alternativa ao auxílio emergencial. Eles também reclamam que a queda na renda da população mais pobre pode se tornar um motor de apoio a candidatos a deputado e senador que sejam de oposição ao atual governo federal. Segundo pesquisa divulgada no mês passado, promovida pelo FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), uma em cada quatro famílias brasileiras possui alguém com dívidas em atraso, percentual que é mais alto nas residências de baixa renda. Mais da metade dos inadimplentes afirmam que o problema está relacionado à pandemia, principalmente perda de emprego e redução de salário. GOVERNO E CONGRESSO DISCUTEM MUDANÇAS NA ÁREA SOCIALNova rodada do auxílio emergencial começou em abrilAuxílio será distribuído até julhoValor base é de R$ 250 por mêsMais 10 milhões de beneficiários do Bolsa Família recebem o auxílioCerca de R$ 2 bilhões por mês deixam de ser gastos pelo Bolsa