Criação de vaga formal desacelera menos que o esperado

A geração de vagas registradas no Brasil em março desacelerou menos do que economistas esperavam, considerando que o período já foi afetado pelo recrudescimento da pandemia e por restrições maiores à mobilidade. Como essa situação perdurou ao longo de quase todo o mês corrente, uma nova perda de ímpeto pode ocorrer em abril. O mercado formal, no entanto, tem se mostrado resiliente, auxiliado, sobretudo, pelo programa do governo de sustentação ao emprego, que acaba de ser renovado, trazendo um viés mais positivo para o ano como um todo. O país abriu 184.140 vagas com carteira assinada em março, levando o saldo acumulado no ano a 837.074, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) divulgados ontem pelo Ministério da Economia. A mediana das projeções colhidas pelo Valor Data com analistas apontava para 143 mil novas vagas. Em fevereiro, haviam sido criados 395.166 postos, mas em março de 2020, no início da pandemia, o resultado foi negativo em 276.350. O saldo do mês passado é resultado de 1.608.007 admissões, queda de 7,4% em relação a fevereiro, e 1.423.867 desligamentos, um avanço de 6,2%. Em termos dessazonalizados, a XP estima que o saldo desacelerou de 273 mil em fevereiro para 230 mil em março, com admissões caindo 1,2% e demissões subindo 2,1%. “Vimos em março uma piora muito forte do quadro sanitário e boa parte dos governos começou a adotar medidas restritivas para conter o contágio e aliviar pressões nos hospitais. Isso contribuiu para que a gente observasse menos admissões do que em fevereiro e também mais desligamentos”, diz Bruno Imaizumi, da LCA Consultores. Ainda assim, o saldo de 184 mil é “forte”, segundo o economista, e pode ser explicado, em boa medida, pelo programa do governo que permitiu a suspensão de contratos e a redução de salário/jornada. “Foi a principal medida para o mercado de trabalho formal em 2020, só que continua tendo efeito muito grande em 2021. Recentemente, tivemos a informação de que 3,15 milhões de trabalhadores permaneciam com garantia provisória de emprego em março. Isso não é residual, representa cerca de 8% do estoque de trabalhadores formais no Brasil”, diz Imaizumi. Além disso, ele nota que há “muitos indícios” de que a nova metodologia do Caged, adotada no ano passado, não permite comparações com a série anterior, já que o novo cálculo “tende a gerar saldos superiores”. A afirmação está em linha com os apontamentos feitos já há alguns meses por diversos economistas. Houve abertura de vagas nos cinco setores da economia em março: agricultura (3.535), indústria (42.150), construção (25.020), comércio (17.986) e serviços (95.553) – com destaque para a saúde. “O recrudescimento da pandemia e a adoção de necessárias medidas de isolamento, no mês, geraram perda de ritmo nos segmentos de bens (produção industrial e comércio); mas, por outro lado, manutenção do ritmo em serviços, após recuperação tardia”, escreve Lucas Assis, economista da Tendências. Para abril, a leitura mais comum é de nova desaceleração no saldo de postos formais, por causa das medidas para frear o avanço da covid-19. A projeção preliminar da LCA é que sejam criadas pouco menos de 100 mil vagas em abril. “O segundo trimestre de 2021 deve exibir desaceleração na abertura de empregos formais no país, tendo em vista a perda de dinamismo recente dos indicadores de confiança de consumidores, indústria, comércio e serviços – captando o menor ritmo de recuperação econômica e o recrudescimento do quadro sanitário”, diz Assis, em relatório. Ontem, o secretário de Trabalho, Bruno Dalcolmo, afirmou que, mesmo que haja impacto da pandemia sobre o Caged de abril, ele será menor que o observado no mesmo mês do ano passado. Ele frisou que muitas cidades entraram em “algum nível de lockdown”, mas que essa não é uma realidade homogênea. A MCM Consultores avalia que a nova flexibilização e a recuperação dos índices de mobilidade desde a segunda semana de abril sugerem que março pode ter sido o pior mês da “segunda onda” em termos econômicos. “Com isso, o Caged deve voltar a ganhar tração a partir da próxima divulgação. A partir de maio, os saldos poderão ser reforçados pela reinstituição do BEm”, escreve a equipe em relatório. Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, prevê, por ora, 190 mil novas vagas em abril, mas ele destaca que o cenário é incerto. Para Sanchez, a tendência gradual de alta dos desligamentos deve continuar. “Uma parte é devido às pessoas que vão saindo do programa [BEm], mas outra parte relevante está associada à confiança do empresário. Ele pode ter entrado na primeira rodada, mas agora, se a sua perspectiva é ruim, acaba não aderindo à ‘segunda perna’ e liquida alguns postos”, explica. Para o ano, a Ativa espera criação de 1 milhão de vagas formais. Na LCA, a reedição do BEm trouxe um viés mais positivo e fez a consultoria elevar sua projeção de saldo em 2021 de 760 mil postos com carteira para 1,35 milhão. VALOR ECONÔMICO

Indústria quer cortar salários e jornada

A reedição do programa que permite às empresas reduzir salários e jornada ou suspender contratos, anunciada na terça-feira pelo governo, atenderá os interesses das fábricas brasileiras, de acordo com levantamento realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). Em pesquisa com 552 indústrias, mais de um terço delas planeja aderir ao chamado Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEM). Dentre as fábricas ouvidas pela CNI, 64% aderiram ao BEM no ano passado e 35% pretendem voltar a utilizar o programa neste ano. Segundo a CNI, a parcela dessa vez é menor porque, ao contrário do que ocorreu no ano passado, as medidas de restrição adotadas por governos estaduais e municipais têm permitido o funcionamento da indústria. Desta forma, o impacto da crise para o setor vem principalmente da redução da demanda das famílias. “As empresas brasileiras estão atravessando essa segunda onda mais fragilizadas do que estavam no início do ano passado e a economia já mostra sinais de que a recuperação perdeu embalo. Ter instrumentos que permitam a preservação de empregos agora é essencial para que a retomada ocorra em condições menos desfavoráveis mais adiante”, avaliou o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade. Apesar de exigir um crédito extraordinário de quase R$ 10 bilhões, a reabertura do programa terá um impacto de R$ 3 bilhões no endividamento do governo, argumentou ontem o secretário Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Bruno Bianco. Isso porque a equipe econômica cancelou R$ 7 bilhões em restos a pagar do ano passado que não foram utilizados na primeira edição do BEM. Programa. A medida provisória que reabre o BEM por quatro meses foi publicada ontem no Diário Oficial da União (DOU). O programa terá os mesmos moldes de 2020, com acordos para redução proporcional de jornada e salário em 25%, 50% ou 70%, ou suspensão total do contrato (veja mais detalhes abaixo). “Podemos ter perda de empregos no próximo mês, mas já estaremos com o BEM a pleno vapor” afirmou Bianco. “O novo BEM tem exatamente o mesmo formato do anterior, as mesmas regras. Com isso, economizamos com pagamento de seguro-desemprego.” De acordo com o ministério, 2,916 milhões de trabalhadores seguem com garantia do emprego em abril graças às adesões ao BEM em 2020. Para cada mês de suspensão ou redução de jornada, o trabalhador tem o mesmo período de proteção à sua vaga. O secretário de Trabalho do Ministério da Economia, Bruno Dalcolmo, esclareceu que a garantia provisória de emprego no relançamento do BEM será somada à proteção de quem aderiu ao programa no ano passado. “Uma não anula a outra. As garantias de emprego no BEM se somam em benefício do trabalhador”, afirmou. “Apesar de termos tido muitas solicitações para que não houvesse essa garantia provisória na nova edição do programa, entendemos que isso é indispensável para equilibrar os interesses entre trabalhadores e empregadores”, completou. O adiamento do recolhimento do FGTS por quatro meses deve dar mais R$ 40 bilhões em fôlego para as empresas. O ESTADO DE S. PAULO

Flexibilização de regras trabalhistas traz alívio para comércio e serviços

Tardio, mas ainda necessário. Essa é a avaliação de alguns dos setores que mais adotaram as medidas de redução de salário e jornada e de suspensão de contratos no ano passado, e que viviam a expectativa da reedição do programa. As medidas provisórias 1.045 e 1.046, publicadas na edição desta quarta-feira (28) do Diário Oficial da União, recriam o programa de manutenção do emprego e da renda e colocam novamente em vigor a flexibilização de regras trabalhistas, como o limite para o uso de férias coletivas ou a antecipação de feriados. As duas têm validade de quatro meses e poderão ser prorrogadas pelo governo. “Embora esteja saindo um pouco atrasada, vai ajudar muito o setor, que estava precisando de alguma medida para aguentar mais um tempo”, diz Joaquim Saraiva, presidente da Abrasel-SP (Associação de Bares e Restaurantes de São Paulo). Há cerca de um mês, chefs e proprietários de restaurantes iniciaram uma mobilização nas redes sociais para cobrar a renovação da medida que autorizava a suspensão de contratos ou a redução de jornada e salário. Criado em 2020 com a MP 936, depois convertido na Lei 4.020, o programa perdeu a validade no fim do ano, com a expiração do decreto de calamidade pública. Uma outra medida provisória apresentada pelo governo Jair Bolsonaro (sem partido) no ano passado (MP 927) também teve boa parte de seu conteúdo recuperado na publicação desta quarta. Leandro Almeida, assessor jurídico da FecomercioSP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo de São Paulo), diz que os empresários “aguardavam ansiosamente por essas medidas”, uma vez que os últimos meses foram de restrições para o funcionamento de boa parte das atividades econômicas. Nesta quarta, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), anunciou a ampliação no horário de funcionamento do comércio a partir do dia 1º de maio. “O setor vem passando por medidas restritivas, deixando as empresas com muita dificuldade de caixa. Vem em boa hora”, afirma Almeida. Jorge Matsumoto, advogado trabalhista no Bichara, critica o atraso da publicação das novas medidas provisórias. “Chegou depois do período mais crítico de restrições, que abalou o fluxo de caixa das companhias”, diz. Para ele, porém, o período de garantia de emprego previsto no programa que permite o corte de salário e jornada e suspensão de contratos coloca as empresas em uma situação de fragilidade. “Ter de manter o vínculo durante o acordo e no período posterior é problemático. As empresas precisam desse socorro, mas quando você coloca essa obrigação, fica complicado”, afirma. Ainda assim, Matsumoto diz que o conjunto de medidas vai permitir uma previsibilidade maior no planejamento das empresas para os próximos quatro meses. “Vai ser um alívio importante poder queimar férias, postergar o pagamento do terço constitucional e ainda adequar a mão de obra atual à demanda.” Na indústria, o programa de manutenção do emprego e da renda é visto como importante para 84% das empresas ouvidas em uma sondagem especial feita pela CNI (Confederação Nacional da Indústria). Segundo a pesquisa realizada com 552 empresas, 35% pretendem usar as possibilidades previstas no programa. A maioria delas disse que optaria pela suspensão do contrato de trabalho. Nesse modelo, o trabalhador fica sujeito a dois tipos de remuneração. Se a empresa estava enquadrada no Simples Nacional em 2019 (rendimento anual de até R$ 4,8 milhões), ele recebe 100% do benefício a que teria direito no seguro-desemprego, que é de até R$ 1.911,84. Caso a empresa seja maior, esse trabalhador receberá 70% do valor do seguro-desemprego por meio do BEm (benefício emergencial) mais uma ajuda compensatória custeada pelo empregador. Esse complemento equivalerá a 30% do salário que ele recebe, mas terá natureza indenizatória, ou seja, não incide sobre ele Imposto de Renda nem contribuição previdenciária. Na avaliação da advogada trabalhista Cassia Pizzotti, do Demarest, as medidas dão condições de as empresas adiarem novas demissões enquanto a economia não se recupera. “As duas MPs acabam suprindo um vácuo, pois ajudam a resolver temporariamente a situação e trazem alternativas para as empresas pelos próximos quatro meses”, diz. Com a MP 1.046, as empresas voltam a ter mais liberdade para antecipação de férias e feriados. Por acordo individual, o trabalhador poderá utilizar períodos de férias antes mesmo de ter completado 12 meses no emprego. Essa norma também autorizou as empresas a atrasarem o pagamento do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) das competências de abril, maio, junho e julho deste ano, que passarão a vencer a partir de setembro. O diferimento nesse recolhimento também foi autorizado no ano passado. A diferença é que neste ano o pagamento deverá ser feito em quatro parcelas. Em 2020, foram seis.  MEDIDAS PREVISTAS NA NOVAS MEDIDAS PROVISÓRIAS DE PROTEÇÃO AO EMPREGOFGTS As empresas poderão optar pelo adiamento do recolhimento do FGTSIsso valerá para os valores que seriam recolhidos nos meses maio, junho, julho e agostoAs parcelas deverão ser pagas em quatro pagamento a partir de setembroFérias coletivas A empresa pode comunicar os funcionários com antecedência de 48 horas e não há necessidade de avisar sindicato ou governoFérias individuais A empresa pode antecipar férias não vencidas aindaO pagamento será feito no mês seguinte e o ⅓ de férias poderá ser pago somente no fim do anoFeriados A empresa pode antecipar as folgas de todos os feriados até o fim do ano, mesmo os religiososO funcionário precisa ser avisado 48 horas antes e os dias sem trabalho vão para o banco de horasRedução de salários e jornada e suspensão de contrato Nova medida permite reduções de 25%, 50% e 70% na jornada e no salárioO trabalhador receberá pelo menos o salário mínimoO governo pagará o BEm (benefício emergencial)Na suspensão de contrato, o BEm equivalerá a 100% do seguro-desempregoEm empresas fora do Simples Nacional, quem tive o contrato suspenso receberá 70% do valor do seguro-desemprego mais um complemento equivalente a 30% do salário FOLHA DE S. PAULO