Uma em cada quatro famílias tem dívida em atraso, a maior parte por causa da pandemia, diz FGV

Uma em cada quatro famílias brasileiras possui alguém com dívidas em atraso, percentual que é mais alto nas residências de baixa renda. Mais da metade dos inadimplentes afirmam que o problema está relacionado à pandemia, principalmente perda de emprego e redução de salário. Os dados fazem parte de sondagem especial inédita do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas). Segundo a pesquisa, 26% dos entrevistados vivem em lares em que há pelo menos uma pessoa com dívidas em atraso. Esse percentual é de 44% para famílias com renda de até R$ 2.100 e cai para 10% nas residências com renda de mais de R$ 9.600. Para 54% das famílias com dívidas em atraso, a inadimplência se deu nos últimos seis meses e por fatores relacionados à pandemia. O percentual sobe para 79% na primeira faixa de renda e cai para 33% na mais elevada. A perda de emprego de algum membro da família é citada como motivo para o atraso nos pagamentos por 29% dos entrevistados —o percentual sobe para 50% na faixa de baixa renda. A redução de salário é apontada por 19% como causa da inadimplência. O aumento nas despesas, por 13%. A queda de receita em empresa familiar e o impedimento de trabalho aparecem com 12% cada. A interrupção do auxílio emergencial aparece com apenas 2,4% —são 4,7% na faixa mais baixa de renda. A pesquisa foi realizada de 1º a 24 de março, com 1.644 consumidores. O auxílio deixou de ser pago em dezembro, com uma parcela residual em janeiro, e sua interrupção pode não ter se refletido ainda nos dados, segundo o Ibre. Viviane Seda Bittencourt, superintendente-adjunta de Ciclos Econômicos do FGV Ibre, afirma que desemprego e impedimento ao trabalho foram os fatores mais citados pelas famílias de baixa renda para explicar a inadimplência. As de renda mais alta apontaram, principalmente, a redução de salários ou a queda na receita de quem tem empresa ou trabalha como autônomo. “A grande massa de trabalhadores não tem possibilidade de trabalhar remotamente, principalmente nos serviços que empregam bastante e em que existe a necessidade do trabalho presencial”, afirma Viviane, uma das responsáveis pela sondagem. O levantamento mostra ainda que, em média, 14% dos atrasos são de até 30 dias, ou seja, começaram em fevereiro. Outros 37%, de dois ou três meses, 10% de quatro a seis meses e 28% acima disso. Dados do Banco Central mostram que o endividamento das famílias representava 56% da renda anual em dezembro de 2020, patamar recorde da série estatística iniciada em 2005. Um ano antes, estavam em 49%. O comprometimento da renda mensal com prestações bancárias passou de 29% para 31% no período, outro recorde. Mesmo se forem descontados os créditos habitacionais, os dois indicadores alcançaram em dezembro valores inéditos. Os números do BC consideram apenas empréstimos tomados junto ao sistema financeiro. Considerando apenas dívidas bancárias, a inadimplência acima de 30 dias dos consumidores teve o pico mais recente em abril do ano passado (4,1%), caiu para 2,85% em dezembro e subiu para 2,97% em fevereiro deste ano. Os atrasos de 15 a 90 dias subiram de 4,1% para 4,4% de dezembro para fevereiro, segundo o BC. Para a coordenadora do FGV Ibre, a interrupção do auxílio e a piora na pandemia e seus desdobramentos ainda não se refletiram nos dados do BC e a tendência é que a inadimplência suba nas próximas divulgações. O indicador de estresse financeiro do FGV Ibre, segundo Viviane, também mostra que aumentou o número de consumidores que afirmam estar se endividando ou usando recursos de poupança para pagar despesas do dia a dia. “Quando o consumidor começa a pegar os recursos que ele tem guardado para pagar despesas correntes, isso pode se tornar inadimplência nos próximos meses. É uma sinalização de que a situação financeira está ficando ruim”, afirma. “Possivelmente a taxa de inadimplência, que vinha caindo, dado que a gente teve uma redução de consumo, pode aumentar novamente, porque esses consumidores não têm de onde tirar recursos.” A sondagem foi realizada por telefone e por meio de formulário eletrônico. FOLHA DE S. PAULO

Indústria é o setor que mais tomou crédito nos últimos 6 meses, diz FGV

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Três em cada dez empresas utilizaram linhas de crédito nos últimos seis meses, principalmente para capital de giro e ampliação de instalações ou produção. Os dados fazem parte da nova sondagem especial do FGV-Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas). Entre as empresas que tomaram crédito, 58% usaram o dinheiro para capital de giro, 28% para ampliar produção ou instalações, 21% para renegociar dívidas e 15% para manter ou ampliar o quadro de funcionários. Segundo o levantamento, a indústria foi o setor com maior acesso a crédito (40% das empresas) e com maior percentual de companhias que usaram o dinheiro para ampliar a produção (30%), ao lado do setor da construção. As empresas de serviços foram as que mais usaram esses recursos para renegociar dívidas (29%). Esse setor também aparece com o segundo maior percentual de pessoas jurídicas que não pegaram crédito porque tiveram algum tipo de restrição (17%), atrás apenas do percentual registrado na construção (18%). Serviços e construção também são os setores que apontaram como maiores dificuldades para obter crédito as exigências bancárias, juros altos cobrados dessas empresas, falta de garantias a oferecer, dificuldade de se enquadrar nas linhas oferecidas e falta de relacionamento bancário. “A gente tem um risco alto dessas empresas não pagarem esses empréstimos, dado que elas não estavam conseguindo se recuperar, principalmente no setor de serviços”, afirma Viviane Seda Bittencourt, superintendente-adjunta de Ciclos Econômicos do FGV-Ibre. Ela destaca que o comércio aparece como o setor com menor percentual de empresas que contrataram operações de crédito nos últimos seis meses (20%). E também com maior parcela de companhias que não tiveram dificuldades para pegar empréstimo (86%), entre as que contraíram novas dívidas. Na indústria, os setores que mais pegaram crédito foram têxtil (principalmente para capital de giro e refinanciamento), papel e celulose (para capital de giro e ampliação de produção) e veículos automotores (principalmente capital de giro). Têxtil e veículos foram dois setores bastante afetados pela redução de demanda na pandemia. Papel e celulose, por outro lado, observou aumento de demanda, de embalagens, por exemplo, inclusive com falta de matéria-prima, afirma Viviane. Nos serviços, os dois segmentos que se destacam também vivem situações opostas durante a pandemia. “Os serviços prestados às famílias foi o segmento que mais sofreu, então pediu crédito para capital de giro e para manter o quadro de funcionários. Também teve mais dificuldade para obter crédito, esbarrou em burocracia e exigências bancárias”, afirma Viviane. Informação e comunicação, por outro lado, foi um segmento mais demandado durante a pandemia e obteve crédito, principalmente, para ampliação das atividades. No comércio, o destaque foi para os 45% de empresas no segmento de hiper e supermercados que utilizou os recursos para ampliar instalações. Viviane afirma que a queda na atividade neste início de ano e outros desafios trazidos pela pandemia podem representar entraves para empresas que precisem renovar esses empréstimos ou tomar novos créditos em 2021. “Dado que a gente não tem uma situação resolvida, tem um desafio adicional neste ano no cenário econômico, muitas empresas continuam tendo dificuldade, a gente pode ter algum gargalo em relação às empresas que desejarem renovar ou pegar outro tipo de crédito agora.” A sondagem foi realizada de 1º a 24 de março, com 4.051 empresas, por meio de formulário eletrônico e telefone. FOLHA DE S. PAULO