Populismo perigoso (Claudio Considera)
A tresloucada decisão do presidente da República, Jair Bolsonaro, de intervir na Petrobras, trocando seu presidente, não resolverá de vez a questão dos altos preços dos combustíveis para o consumidor. E continuaremos com a carestia nos produtos básicos, como arroz, carne e óleo de soja.Não há poção mágica para isso. O governo federal, cujos aliados presidem Câmara dos Deputados e Senado, deveria se mobilizar pela Reforma Tributária. Esse é o caminho para aumentar a confiança na administração do País, e, dentre outras consequências, reduzir a supervalorização do dólar frente ao real. Moeda desvalorizada tem efeitos negativos sobre diversos insumos e produtos, inclusive alimentos básicos e combustíveis. Se fosse possível baixar preços na marra, o Brasil não teria passado pela hiperinflação. O ESTDO DE S. PAULO
‘Não faz sentido colocar um general na Petrobrás’, diz Mendonça de Barros
A saída de Roberto Castello Branco da Petrobrás “faz sentido”, segundo o economista e ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) Luiz Carlos Mendonça de Barros. Isso porque Castello Branco não tinha o “perfil para tratar do problema do diesel com essa vertente social e econômica que demanda a questão dos caminhoneiros”, diz Mendonça de Barros. “O que não faz sentido é a entrada de um general, que também não tem o perfil de olhar para o problema e, ao mesmo tempo, defender (os interesses) da Petrobrás.” Diferentemente de muitos economistas, Mendonça de Barros não vê problema na interferência do presidente Jair Bolsonaro na petroleira – “a empresa é do governo federal” –, mas destaca que tabelar o preço do combustível seria a pior solução para o entrave. Ele defende um seguro para o caminhoneiro, semelhante ao que existe para o produtor rural se proteger de variações climáticas. A seguir, trechos da entrevista. Como o sr. avalia a mudança no comando da Petrobrás?Faz sentido porque o Castello Branco não tem o perfil para tratar do problema do diesel com essa vertente social e econômica que demanda a questão dos caminhoneiros. A linha de pensamento dele é liberal, de que cada um tem de se virar, de que, se o preço é volátil, então, vai ficar volátil. O que não faz sentido é a entrada de um general, que também não tem o perfil de olhar para o problema analisando as questões econômicas e sociais e, ao mesmo tempo, defender (os interesses da) a Petrobrás. Não dá para a Petrobrás mudar o preço todo dia em função da especulação lá fora. Isso introduz uma variação não racional dentro de setores importantes aqui. O mais importante deles é o dos caminhoneiros independentes. Nem o Castello Branco nem um general do exército tem condições de fazer uma arbitragem dessas. Teria de ser um perfil técnico, mas com capacidade de administrar conflitos. Se a Petrobrás não pode mudar o preço seguindo o mercado internacional, deve tabelar?Não. O presidente Bolsonaro, pela falta de conhecimento que tem de economia, acabou entrando numa fria com essa história da Petrobrás. O preço do petróleo é um dos mais voláteis. Isso não é de agora. No Brasil, o preço tem outro componente que também é muito especulativo, o dólar. Você combina essas volatilidades e chega a uma situação que não dá para administrar. Tabelar é uma solução que compromete todo o modelo econômico do ministro Paulo Guedes. O que é pior: tudo isso para influenciar o comportamento de caminhoneiros. Os caminhoneiros não podem aumentar o preço do frete de uma hora para a outra. Por isso, seria muito mais fácil criar um seguro para eles, como o seguro para o produtor rural, que absorve os impactos climáticos. O Banco do Brasil administra isso, que é bancado com recursos fiscais. Mas, como o presidente não entende o problema, as soluções dele são as piores possíveis. Por outro lado, a solução do seguro já foi discutida na época do Fernando Henrique Cardoso. E por que não foi adotada?O câmbio estava estável, e o problema ficou para trás. Mas, como estamos em um momento difícil por causa da flutuação do petróleo e do câmbio, precisamos de um governo que tenha capacidade de entender que o caminhoneiro não pode ser submetido a um ajuste de 15% no diesel. Precisamos de duas coisas do governo. A primeira é que entenda que existe um problema social. A segunda é de pessoas que entendam isso e que tenham capacidade técnica para propor soluções. A situação é caótica, e ele (Bolsonaro) não vai conseguir sair disso. Uma hora vai adotar a pior solução: tabelar o preço do diesel. Qual reação podemos esperar do mercado diante do risco de uma ingerência política?A empresa é do governo federal. Não tem absurdo o presidente trocar a gestão por achar que não está indo na direção correta. Esse conflito já estava colocado desde que Castello Branco tomou posse. Como fica a situação do ministro da Economia, Paulo Guedes?É muito ruim para ele, que fica enfraquecido, até porque o Castello Branco é da turma dele. Por outro lado, a importância dos militares aumenta. Agora um militar não é a solução. Um militar faz o que o presidente manda. Então, vai sentar no preço do petróleo. O ESTADO DE S. PAULO
Troca na Petrobrás afasta investidor e dificulta saída da crise, dizem analistas
A intervenção na Petrobrás feita pelo presidente Jair Bolsonaro, que anunciou pelo Facebook a troca do comando da estatal, na noite de sexta-feira, terá o efeito imediato de afastar investidores, empurrar o dólar para cima e ampliar as incertezas da economia. No longo prazo, deixará mais cara a saída da crise, o ajuste das contas públicas e as reformas, segundo especialistas. A avaliação é que a retomada do crescimento sai prejudicada com o episódio, mas não há um consenso se haverá uma guinada ainda mais populista por parte de Bolsonaro. Se isso acontecer, dizem eles, o preço da retomada sairá muito mais alto. Para alguns economistas, a decisão de Bolsonaro marcou um ponto de inflexão. Desde o início do mandato, afirmam, o presidente deu mostras de que sua visão liberal da economia era apenas um “verniz” aplicado pelo ministro Paulo Guedes para ser mais bem aceito pelos eleitores que buscavam uma alternativa ao PT. Entre muitos episódios nessa linha, o mais recente aconteceu em janeiro, com a decisão de Bolsonaro de afastar o presidente do Banco do Brasil, André Brandão, após a instituição anunciar cortes de funcionários e fechamento de agências. Guedes conseguiu, naquele momento, segurar a intervenção no banco, de capital aberto – mas não reverteu a decisão agora na Petrobrás. “O Guedes fica de goleiro no pênalti, com o Bolsonaro chutando a gol”, diz Ana Carla Abrão, economista e sócia da consultoria Oliver Wyman no Brasil. “Conforme a popularidade vai caindo e a base o pressiona por medidas que não conversam com agenda econômica, Bolsonaro faz a escolha que é condizente com sua trajetória política.” Para ela, o presidente claramente vem subindo o tom das medidas populistas. Segundo Sérgio Lazzarini, professor de economia do Insper, o perfil intervencionista do presidente tende a se acirrar, porque o ciclo eleitoral tornou-se prioridade. “Bolsonaro começa a perder muito a franja do liberal econômico e vai se agarrar mais no populismo para agradar seu eleitorado, como o caminhoneiro e o conservador raiz, como estratégia de ir ao segundo turno com 25% dos votos e torcer para uma nova polarização nas eleições”, diz. A teoria, porém, não é uma unanimidade. “A troca de comando na Petrobrás não foi uma guinada: foi o Bolsonaro em seu estado mais chucro… e põe chucro nisso”, afirma Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central (BC). Para ele, não há novidade no movimento, que é a “enésima lição do que é o Bolsonaro.” Só que, se o presidente insistir em continuar provocando instabilidade, a retomada será mais difícil. “A janela para colocar economia do País no eixo, principalmente na questão fiscal, está estreitando”, afirma. “Se a economia emburacar de vez, não haverá votos de caminhoneiro, nem de ninguém.” Sergio Werlang, também ex-diretor do BC, diz que ainda é cedo para falar em guinada populista pelo mesmo motivo: as políticas fiscais para equilibrar o País são tão urgentes e o efeito de não fazê-las seria tão negativo que zeraria qualquer efeito benéfico do ponto de vista eleitoral. Também existe a leitura que não há um divórcio entre Bolsonaro e Guedes. “O episódio certamente revela os limites do presidente e seu estilo de governança que subestima o tamanho do custo reputacional”, diz Christopher Garman, da consultoria Eurasia. “Mas Bolsonaro enxergou que o risco de uma greve de caminhoneiros poderia ser fatal para seu governo, que vive um momento social delicado, de aumento de inflação, queda de renda e de sua consequente popularidade.” Para ele, ao contrário do episódio do BB, Guedes não evitou a intervenção porque soube entender o momento. “A leitura de que Guedes não apita e a agenda liberal morreu é equivocada”, diz ele. “Bolsonaro nunca acompanhará ou terá compromisso programático com a agenda liberal, mas está alinhado intuitivamente a ela.” AçõesO consenso é que a incerteza causada pelo movimento de Bolsonaro deve provocar novamente a queda nas ações da Petrobrás amanhã, com a saída de investidores e dólares – o que causará o efeito oposto ao pretendido por Bolsonaro no preço dos combustíveis. “Só há um jeito de diminuir a oscilação cambial, que é melhorando a delicada situação fiscal do País”, diz José Márcio Camargo, economista chefe da Opus Investimentos. “O problema é que, com tanto ruído, os investidores têm dificuldade em acreditar que a situação será resolvida.” A alta no câmbio tende a pressionar a inflação. E a intervenção na Petrobrás gerará ainda novos embates políticos, exatamente na semana decisiva para a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que deve viabilizar a nova concessão do auxílio emergencial, associada a medidas de compensação fiscal. “Cria ruído político desnecessário, em uma semana importante”, diz Carlos Kawall, diretor do Asa Investments e ex-secretário do Tesouro Nacional. Esse, aliás, é outro ponto com o qual todos os especialistas concordam: Bolsonaro teria como agradar aos caminhoneiros sem fazer o estrago na Petrobrás. Uma das alternativas era usar os assentos do governo no conselho de administração para pressionar por mudança ou maior transparência na política de reajuste de preços. “Também pode-se fazer algum subsídio, como acontece com a energia”, diz Camargo. No longo prazo, também ter uma estatal que se submeta a uma política de Estado, e não do governo da vez, com uma agência reguladora forte. O ESTADO DE S. PAULO
Efeito Bolsonaro faz ações da Petrobrás caírem 20%; Ibovespa recua 5%
As ações da Petrobrás começaram a semana com queda de 20%, puxando o Ibovespa, principal índice da Bolsa brasileira, que recua mais 5%, e também os papéis de outras estatais, como Eletrobrás e Banco do Brasil. A Petrobrás perdeu R$ 85,7 bilhões em valor de mercado só na primeira hora da sessão desta segunda. Na sexta, a perda de valor já havia sido de R$ 28,2 bilhões, para R$ 365,6 bilhões. A forte queda é uma reação do mercado financeiro à interferência do presidente Jair Bolsonaro no comando da petroleira. Na sexta-feira, 19, ele indicou o general e ex-ministro da Defesa Joaquim Silva e Luna, atualmente diretor-geral brasileiro de Itaipu Binacional, para assumir a presidência da Petrobrás e um assento no conselho de administração da estatal. Às 11h39, as ações ON da Petrobrás tinham queda de 20,04% e as PN, de 19,14%. Eletrobrás ON caía 6,39% e as ações do Banco do Brasil recuavam 10,88%. O Ibovespa registrava perdas de 4,98%. O dólar, em alta desde a abertura dos negócios, avançava 2,45%, cotado a R$ 5,5176. Na Bolsa de Nova York, o American Depositary Receipts (ADR) da Petrobrás, recibos de ações negociadas por lá, despencava mais de 16% no pré-mercado. Vários bancos e casas de investimento cortaram a recomendação dos papéis da Petrobrás, apontando os riscos à política de preços da empresa pode com a mudança na presidência e também a nebulosidade que isso traz para outras iniciativas da empresa, como a venda de ativos não essenciais e a alocação de capital no pré-sal, considerado mais rentável. Para membros do conselho de administração da Petrobrás, a mudança no comando da empresa é vista como inevitável. Alguns conselheiros da estatal estudam votar pela recondução do presidente Roberto Castello Branco, mas o estatuto dá poder à União para fazer a troca. O mercado também acompanha novas mudanças prometidas por Bolsonaro. No sábado, ele disse que fará trocas no governo envolvendo o primeiro escalão. “Eu não tenho medo de mudar, não. Semana que vem deve ter mais mudança aí para… E mudança comigo não é de bagrinho, não, é tubarão”, disse a apoiadores. “Vamos meter o dedo na energia elétrica, que é outro problema também”, completou. O ESTADO DE S. PAULO
LGPD se aplica aos condomínios (Alex Prisco)
Finalmente em vigor, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) disciplina o tratamento de dados pessoais em meios físicos ou digitais, por pessoa natural ou jurídica de direito público ou privado, com o objetivo proteger direitos fundamentais de liberdade e privacidade, bem como o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural (artigo 1º). A questão jurídica é se, para fins de incidência da LGPD, o condomínio edilício poderia ser enquadrado como “controlador”, ou seja, o agente que realiza o tratamento de dados como coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, processamento, arquivamento, eliminação, modificação ou transferência de informações relacionadas à pessoa natural identificada ou identificável. A dúvida procede porque embora o condomínio realize tratamento de dados pessoais de condôminos, visitantes, empregados e demais frequentadores do prédio (como nome, RG, CPF, endereço, e-mails, filmagens das câmeras do circuito interno de TV, registros de reclamações, infrações e multas condominiais), ele não ostenta personalidade jurídica, de acordo com a tradição da civilística brasileira. E a letra do inciso VI do artigo 5º da LGPD, em harmonia com o artigo 1º, define o controlador como a “pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado”, que realiza tratamento de dados. Além disso, o condomínio não exerce atividade econômica de produção ou circulação de bens ou serviços no mercado, de modo que não possui “faturamento”, base de cálculo das multas pecuniárias previstas na LGPD (artigo 52, II e III). O condomínio, também, não se encaixa em nenhuma das exceções do artigo 4º, que exclui a incidência da LGPD quando o tratamento de dados pessoais for realizado por pessoa natural, com objetivos particulares e não econômicos ou finalidade jornalística, artística, acadêmica, de segurança pública, defesa nacional e atividades de investigação e repressão de infrações penais. Mesmo assim, entendemos que a LGPD é aplicável ao condomínio. A situação dele ser ou não uma pessoa jurídica tem sido debatida no âmbito doutrinário. O enunciado n° 246 da III Jornada de Direito Civil, nesse contexto, preconiza que “deve ser reconhecida personalidade jurídica ao condomínio edilício”. Nada obstante a polêmica, restrita às tertúlias acadêmicas e sem maiores repercussões práticas na jurisprudência, nos parece que a melhor interpretação da LGPD, na sua finalidade de máxima proteção dos direitos fundamentais de liberdade e privacidade, pede uma leitura ampliativa do conceito legal de controlador, que não pode ficar restrito à “pessoa jurídica” e deve, além dela, encampar organismos que não são juridicamente personificados, como as universalidades de fato e de direito, previstas, respectivamente, nos artigos 90 e 91 do Código Civil. Como exemplar da primeira universalidade (de fato), pode ser citada a sociedade em comum (ou irregular) e da segunda (de direito), a massa falida, o espólio e o próprio condomínio, todos com aptidão para, em tese, tratar dados pessoais. Portanto, para fins de enquadramento como controlador, a verificação do exercício concreto da atividade de tratamento de dados aparece como um fator muito mais importante do que a simples existência ou não de personalidade jurídica. Ao invés de forçar a barra dogmática para incluir o condomínio como pessoa jurídica, parece mais adequado visualizá-lo como aquilo que ele sempre foi para o nosso Direito Civil: uma universalidade de direito, organização que, apesar de despersonalizada, reúne em si um complexo de relações jurídicas dotadas de valor econômico, funcionando como centro autônomo titular de direitos e obrigações, inclusive com capacidade processual, segundo o artigo 1.348, II, do Código Civil e o artigo 75, XI, do CPC. O condomínio é passível, pois, de ser submetido à LGPD. Quanto à questão da incompatibilidade das multas pecuniárias da LGPD em relação ao condomínio, realmente, a base de cálculo de tais penalidades é o “faturamento”, inexistente na hipótese do condomínio, que não é empresário e nada comercializa. O condomínio possui receita, composta pelos valores das cotas condominiais pagas pelos condôminos. Pergunta-se: a métrica da receita poderia ser usada em substituição ao faturamento para os objetivos sancionatórios a LGPD? É problemático, no campo do direito punitivo, lançar mão do recurso hermenêutico da analogia para prejudicar a parte. Outra penalidade da LGPD que se revela imprópria ao condomínio é a publicização da infração (artigo 52, IV). Afinal, qual serventia teria penalizá-lo a publicar a ocorrência de um vazamento de dados? O condomínio não tem reputação a zelar perante o mercado. Por outro lado, em tese seria possível aplicar ao condomínio as sanções legais de obrigação de fazer, como o bloqueio e a eliminação de dados pessoais, assim como a suspensão total ou parcial da atividade de tratamento ou do funcionamento de banco de dados (artigo 52, V, VI, X, XI e XII). Seja como for, a regulamentação do regime sancionador da LGPD aplicável aos condomínios é um tema, dentre muitos outros, com o qual a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) tem encontro marcado. Portanto, visto que o condomínio, mesmo não sendo “pessoa jurídica”, reúne condições de fato e de direito para ser atraído à órbita de incidência normativa de boa parte da LGPD, é chegada a hora de se adequar e repensar as velhas práticas. Alex Vasconcellos Prisco é sócio fundador do escritório Prisco, Ottoni e Del Barrio Advogados VALOR ECONÔMICO