Área econômica avalia volta de corte e suspensão de jornada e salários

A equipe econômica estuda a possibilidade de renovar o Programa de Preservação de Renda e do Emprego (BEm), que permite a suspensão de contrato e a redução de jornada e salário do trabalhador. A análise ainda é preliminar, mas a medida é vista como opção para impedir um aumento do desemprego no país, o que preocupa o governo. Segundo fontes ouvidas pelo Valor, se houver uma programação, o modelo será diferente e mais restritivo. Alguns técnicos são contrários, por exemplo, a uma medida setorial. Em abril de 2020, o governo editou a Medida Provisória (MP) 936, permitindo a redução de salário e jornada e suspensão de contratos com compensação salarial parcial pelo governo para minimizar os efeitos da pandemia do coronavírus na economia e evitar uma onda de demissões. Inicialmente, a redução da jornada foi permitida por três meses e a suspensão de contrato por dois meses. A medida foi prorrogada algumas vezes, mas encerrou em dezembro. Uma dificuldade para se renovar uma medida como essa é fiscal. Segundo balanço feito em dezembro pelo Ministério da Economia sobre o impacto fiscal das medidas adotadas para o combate do coronavírus, a despesa com o chamado BEm seria de R$ 51,5 bilhões. Até dia 18 de dezembro, 9,838 milhões de trabalhadores haviam sido beneficiados em cerca de 20 milhões de acordos com 1,464 milhão de empregadores. Outras medidas estão no cardápio da equipe econômica para tentar manter a economia aquecida mesmo com o fim do auxílio emergencial neste ano. O debate em torno da antecipação do 13º salário dos aposentados do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) e do abono salarial já está mais amadurecido. No momento, segundo fonte, está sendo analisado pelo secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues. Essa medida envolveu R$ 24,3 bilhões. Também está sendo considerado um novo diferimento (adiamento) de pagamentos de tributos federais, que pode ser uma alternativa para dar um pouco de “folga” no caixa das empresas, ou seja, uma espécie de capital de giro, para que elas possam ter maior capacidade produtiva e, se possível, abrir um espaço para o investimento. No caso do diferimento de tributos federais por três meses feito em 2020, a equipe econômica tinha como objetivo dar um alívio de R$ 33,3 bilhões, recurso que seria “devolvido” aos cofres públicos a partir de agosto. Segundo técnicos ouvidos pelo Valor, a adoção de novas medidas depende da definição da eleição das mesas da Câmara e do Senado. Além disso, os próprios parlamentares podem aprovar a renovação, por exemplo, do auxílio emergencial. A equipe econômica não vai se opor à retomada do benefício, se isso se fizer necessário. A nova despesa, porém, precisará estar ancorada nas condições fiscais da União, frisou. Outro interlocutor da economia espera que o início da vacinação retire “parte” da pressão para renovação do auxílio emergencial. “Temos que nos preocupar com o mercado de trabalho porque, a despeito de ampliar o prazo de medidas de transferência de renda, sabemos que acabam com o tempo. Temos que ter mercado para absorver esses trabalhadores”, explicou. VALOR ECONÔMICO

Governo concede descontos de R$ 25,6 bi em negociações de dívidas tributárias em 2020

O governo federal concedeu R$ 25,6 bilhões em descontos a devedores que optaram por renegociar seus débitos com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) durante o ano de 2020. O valor é quase um terço dos R$ 81,9 bilhões que foram alvo dos acordos, firmados com mais de 268 mil contribuintes. Os débitos junto à PGFN são aqueles já questionados no âmbito administrativo e que acabaram sendo confirmados pelos fiscalizadores. Eles ficam inscritos na Dívida Ativa da União (DAU). A negociação foi realizada por meio da chamada “transação tributária”, modalidade que virou lei em 2020 e que foi usada pelo governo como forma de dar um alento a empresas que tiveram sua situação financeira piorada devido à pandemia do novo coronavírus. Na transação tributária, os descontos são direcionados exclusivamente a contribuintes que comprovam baixa capacidade de pagamento ou que tiveram suas finanças prejudicadas pela pandemia. Os abatimentos podem chegar a 100% dos juros, multas e encargos, desde que não ultrapasse 70% do total do débito no caso de pessoas físicas, micro e pequenas empresas ou 50% no caso das demais pessoas jurídicas. Quem manteve capacidade de pagamento foi agraciado com prazos maiores: até 145 meses (12 anos e um mês). Apesar dos descontos, o governo rechaça comparações com os Refis, programas de refinanciamento tributário que ficaram conhecidos por conceder abatimentos de forma indiscriminada, inclusive a maus pagadores. Técnicos do governo são contra esse tipo de programa devido a seus efeitos negativos sobre a arrecadação: a avaliação é que a expectativa de um Refis pode minar a disposição dos contribuintes de pagar tributos em dia, prejudicando os cofres públicos. Além disso, boa parte dos débitos inscritos na Dívida Ativa são de difícil recuperação. No fim de 2019, havia R$ 2,436 trilhões em dívidas pendentes junto à PGFN, sendo que R$ 795,2 bilhões eram avaliados com boa chance de pagamento. Desde sua implementação, no fim de 2019, a transação na dívida ativa permitiu a recuperação de mais de R$ 1,7 bilhão. Esse é o valor arrecadado de forma imediata para os cofres públicos. Segundo apurou o Estadão/Broadcast, a avaliação sobre a adesão é positiva dentro do governo, considerando o contexto da pandemia. O número de acordos cresceu e foi maior em dezembro, dado o fim do prazo para a adesão no dia 29 do mês passado. A transação tributária pode ser feita por adesão, em que o contribuinte presta as informações e recebe as propostas de acordo, ou individual, em que o devedor faz uma proposta de acordo mais customizada e negocia com o governo. Segundo a PGFN, já foram celebradas mais de duas dezenas de negociações individuais de grande porte, permitindo a regularização de um passivo superior a R$ 2 bilhões. Em uma dessas negociações, o clube de futebol Cruzeiro fez um acerto para pagar um débito de R$ 334 milhões com um desconto de quase 50%. A dívida foi reduzida a R$ 178 milhões, parcelados em 60 meses no caso de débitos previdenciários e 165 meses nos demais casos. O ESTADO DE S. PAULO

Trabalhadores usam a LGPD para buscar direitos na Justiça

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Trabalhadores vêm usando a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), em vigor há quatro meses, para buscar informações ou fortalecer a argumentação de ações trabalhistas. Em alguns casos, tentam ainda convencer juízes a manter suas identidades sob sigilo, com a publicação apenas das iniciais de seus nomes nos processos. A Lei nº 13.709, de agosto de 2018, aparece em 139 ações trabalhistas, que somam R$ 15 milhões, segundo levantamento realizado a pedido do Valor pela Data Lawyer (dados até 26 de novembro de 2020). A maior parte tramita no Estado de São Paulo. De acordo com a lei, desde o processo seletivo até a rescisão do contrato de trabalho, os dados sensíveis do trabalhador precisam receber cuidados especiais. Ele deve ter acesso a todas as informações, inclusive as transmitidas a terceiros, como planos de saúde e seguros. Até documentos que podem ser anexados em contestação de processo judicial podem ser objeto de impugnação se puderem levar a exposição desnecessária de dados. Em um recente processo trabalhista, a LGPD foi utilizada para pedir acesso a folhas de ponto. O caso é de uma exfuncionária da empresa Pró-Saúde, de São Paulo, que administra hospitais. A defesa argumentou que o documento pertence à trabalhadora e, com base na norma, ela deve ter a posse e ciência do seu conteúdo. Além do controle de ponto, solicitou o termo de compensação de jornada de todo seu contrato na 16ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro (processo nº 010 0903-15.2020.5.01.0026). Em outro caso, uma professora adotou a LGPD em processo contra o Centro Universitário de Barra Mansa (UBM), no Rio de Janeiro. Nele, questiona o modelo de aulas adotado durante a pandemia, o que, segundo ela, violaria direitos trabalhistas e de personalidade a partir do momento em que passaram a ser gravadas. A professora alega (processo nº 0100797-30.2020.5.01.0551) que há, no caso, violação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), pelo número de aulas semanais, já que alunos de diferentes turmas estariam tendo acesso ao conteúdo. Sobre o uso de material didático e vídeos gravados em plataforma da escola, afirma que em nenhum momento a universidade se comprometeu, por escrito, com a segurança dos dados. Segundo o advogado da professora, Leonardo Baraldo, do escritório que leva seu nome, do ponto de vista das relações trabalhistas, empregador e empregado se enquadram na LGPD, e não existe vedação para que os dados sejam armazenados e tratados. “O que se torna indispensável é que o contrato de emprego se adeque à norma”, afirma. O problema ocorre, acrescenta, quando o empregador pretende armazenar os dados, mas não observa o dever de transparência e, por consequência, vários outros direitos previstos na LGPD. “Ao tentar se apropriar dos dados do trabalhador, sem oferecer informações claras sobre o que fará com os dados armazenados e sem observar os demais princípios de tratamento, o empregador acaba ofendendo a norma.” Em liminar, referendada posteriormente na sentença, a 1ª Vara do Trabalho de Barra Mansa determinou que a universidade pare de armazenar e distribuir os vídeos de aulas com a imagem da autora. Porém, o pedido de reparação por danos à imagem foi negado e a defesa estuda a interposição de recurso. Em outra ação, uma trabalhadora pediu ao Magazine Luiza que retirasse do sistema interno informações sobre possível envolvimento dela com “atividades perigosas”. O processo (nº 0020901-07.2020.5.04.0404) caminha para uma solução por meio de acordo, segundo o advogado da empregada, Flavio Luís Santa Catarina. As negociações foram iniciadas após decisão liminar que determinou a retirada das informações e foi acatada pela empresa. No caso, antes de ser demitida, a empregada encontrou essa informação em um sistema interno, disponível para outros funcionários. “O principal era excluir a informação e conseguimos”, afirma o advogado. De acordo com ele, as empresas costumam ter um banco de dados amplo dos funcionários, que não sabem como as informações são usadas. A LGPD também já foi citada por trabalhador que não queria a publicação do seu nome no processo e no diário oficial, apenas das iniciais. No pedido à 2ª Vara do Trabalho de Americana (SP), manifestou receio de seu nome ser localizado por outros empregadores quando procurasse um novo emprego. Ele alega que, apesar de ser possível solicitar o sigilo, o nome ainda seria publicado em diário oficial e a busca na internet por seu nome poderia levar ao processo, por meio de indexação (processo nº 0010289-46.2020.5.15.0099). De acordo com Renato Opice Blum, presidente do Opice Blum Advogados, a LGPD traz uma base legal para tratamento de dados de funcionários. Um dos pontos que mais gera dúvidas, acrescenta, é se o armazenamento de informações de familiares que são dependentes em planos de saúde depende de autorização. “Sugerimos solicitar o consentimento do familiar, porque dados de saúde são sempre sensíveis”, afirma. “Acaba sendo uma cautela extra.” Com base na lei, diz o advogado, qualquer trabalhador pode questionar a empresa sobre o tratamento de seus dados – como regras de segurança – e a resposta tem que ser dada em até 15 dias. “Tem que ter normas de proteção, políticas de segurança e, se questionado pelo funcionário, você tem que responder dentro dos limites do seu sigilo”, afirma. Na União Europeia, acrescenta, foi gerado um volume tão grande de questionamentos que foram necessários investimentos em gestão. “Virou uma dor de cabeça para as empresas, que precisam responder no prazo.” Por ora, não há sanções. As previstas na lei só começarão a valer em 1º de agosto deste ano. Estão previstas advertência, auditoria, suspensão parcial do tratamento de dados e até a aplicação de multa. A multa máxima pode chegar a até 2% do faturamento bruto da empresa ou R$ 50 milhões por infração. Procuradas pelo Valor, Pró-Saúde e Magazine Luiza não deram retorno até o fechamento da edição. A reportagem VALOR ECONÔMICO