Com 10% dos acidentes de trabalho, covid é maior causa de afastamento
A covid-19 respondeu por um em cada dez acidentes de trabalho no país no terceiro trimestre e foi o principal motivo de afastamento profissional no período. A doença afastou 10,8 mil trabalhadores de julho a setembro, aumento de 246% em relação aos três meses anteriores. A disparada de acidentes de trabalho reflete o aumento de casos de covid-19 no país: 3,4 milhões de registros da doença no terceiro trimestre, 143% mais que no período de abril, segundo os dados obtidos pelo consórcio de veículos de imprensa com as secretarias estaduais de Saúde. Os afastamentos têm dois eixos principais. O mais importante, e óbvio, são os profissionais de saúde, especialmente enfermeiros, auxiliares e técnicos de enfermagem. O segundo é formado por pessoal que trabalha em frigoríficos, especialmente em cidades menores do interior. Os trabalhadores de atendimento hospitalar representaram 57% do total de acidentes de trabalho por covid-19 no terceiro trimestre, ou 6,2 mil. A principal categoria afetada é a de técnicos de enfermagem, com 2,8 mil profissionais afastados. A incidência maior de profissionais como enfermeiros, auxiliares e técnicos de enfermagem nos afastamentos por covid-19 ajuda a explicar por que a maior parte dos acidentes de trabalho pela doença envolveu mulheres (73%, ante 27% de homens). Essas categorias tinham participação feminina superior a 80% em 2019, de acordo com a Rais (base de dados que contabiliza os trabalhadores celetistas e estatutários). No geral, 65% dos afastamentos no terceiro trimestre do ano passado foram com homens, e 35%, com mulheres. Um dos dados que chamam a atenção nos números apresentados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) é que não foi uma capital que liderou os casos de acidente por covid-19, mas sim São José do Rio Preto. A cidade do interior de São Paulo de 465 mil habitantes teve 1.260 afastamentos profissionais por covid-19 no terceiro trimestre e todos eles estão relacionados de alguma forma a categorias ligadas à saúde – entre eles, 472 técnicos de enfermagem e 134 enfermeiros. O número na cidade é quase o triplo do da capital paulista, onde houve 487 registros de acidente de trabalho pela doença no período. Com a 11ª maior população de São Paulo, São José do Rio Preto terminou 2020 como a terceira cidade do Estado com mais casos confirmados do novo coronavírus, com 36,2 mil registros até dia 31 de dezembro. Ainda assim, os números de afastamentos se destacam no cenário. No terceiro trimestre, a cidade teve 19.554 registros de covid-19. Ou seja, 6,4% dos infectados pela doença foram afastados do trabalho, patamar que só é menor que um dos dez municípios com mais acidentes de trabalho por covid-19 – a gaúcha Três Passos, em que os acidentes envolvendo o novo coronavírus (328) representaram 49% dos casos da cidade de julho a setembro e todos eles ocorreram com magarefes, funcionários que trabalham no abate de animais de um frigorífico na localidade. Segundo o SindHosp (que reúne hospitais e outros estabelecimentos de saúde do Estado de São Paulo), o número de São José do Rio Preto surpreende. A entidade afirma que não recebeu nenhuma informação ou reclamação sobre acidentes de trabalho por coronavírus no município. Sem contar os casos por novo coronavírus, houve 951 acidentes de trabalho registrados no município paulista no terceiro trimestre do ano passado, número idêntico ao do mesmo período em 2019. O outro núcleo de destaque nos acidentes de trabalho relacionados envolve os profissionais de frigoríficos. Foram 574 afastados que trabalhavam no abate de suínos, aves e pequenos animais, praticamente a totalidade nos municípios gaúchos de Três Passos e Garibaldi. “Não foi nenhuma surpresa”, afirmou Ademir Schû, tesoureiro do Sintricas (sindicato que reúne trabalhadores da indústria da carne de Três Passos), sobre os dados do INSS. Segundo ele, o único frigorífico no município de 23,9 mil habitantes pertence à JBS e é especializado em suínos. Ele disse que a empresa buscou não divulgar para o sindicato os números de afastamentos e que, pelos relatos de trabalhadores, ela enfrentou até problemas de produção no terceiro trimestre. Procurada, a JBS informou, por meio de nota, que “reitera que obedece a lei e vem cumprindo um robusto protocolo de saúde e segurança em todas as suas 135 unidades produtivas no país”. Nem todo o acidente de trabalho vira benefício pago pelo INSS, só quando o afastamento é superior a 15 dias. E o próprio órgão alerta que, ainda que todo afastamento deva ser informado pelas empresas, é possível que acidentes com menos de 15 dias ou comunicados feitos ainda em papel não estejam contemplados no seu levantamento trimestral. Ainda segundo o INSS, os benefícios envolvendo acidentes de trabalho são muito baixos em relação ao total pago mensalmente pelo organismo. “Por mês, o INSS paga cerca de R$ 60 bilhões em benefícios, e os pagamentos relacionados a acidente de trabalho representam cerca de 1,5% a 2% deste total”, afirmou. VALOR ECONÔMICO
Empresas são multadas pela Receita mesmo cumprindo prazos de tributos
Empresas vêm recebendo multas da Receita Federal relativas a cobranças adiadas pelo Ministério da Economia em razão da pandemia. A medida é mais uma das que os contribuintes consideram abusivas e que, segundo especialistas em tributação, acabam gerando novos contenciosos na esfera administrativa e no Judiciário – o que afasta investidores do país. No primeiro semestre do ano passado, o governo estendeu o período de recolhimento das contribuições à Previdência, do PIS e da Cofins e, mesmo com o cumprimento dos prazos, empresas foram penalizadas. A Portaria ME nº 139 estabeleceu para os meses de agosto e outubro os pagamentos referentes a março e abril, respectivamente. Já a Portaria ME nº 245 prorrogou a competência de maio para novembro. Nos casos em que a advogada Thaís Françoso, sócia do escritório FF Advogados, atua, as cobranças chegam a até R$ 200 mil. “Estamos apresentando pedido administrativo e conseguimos baixar [excluir] algumas multas”, diz. Mas a algumas empresas não resta outro caminho que não o Judiciário. “Uma cliente do escritório, do setor imobiliário, por exemplo, vai precisar da certidão negativa de débitos por exigência de um cliente e teremos que ir à Justiça”, afirma a advogada. Como outros especialistas em tributação, a advogada percebe uma atitude mais agressiva da fiscalização. “Senti que cresceu após a suspensão tributária. Um exemplo são as negativas de pedidos de compensação de créditos”, diz. Contudo, de acordo com o presidente do Sindicato dos Auditores-Fiscais da Receita (Sindifisco), Kleber Cabral, não existe gratificação (salário, bônus) vinculada a metas (quantidade ou valores das autuações). Para o consultor e ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel, entre os motivos do litígio tributário está o fato de não haver limites para os autos de infração. “A Receita faz a autuação que quiser, até autos malucos de R$ 12 bilhões. Qual ônus o Estado vai ter?”, questiona. Ele lembra, porém, que a empresa pode ter dano reputacional por ter que colocar uma autuação bilionária no balanço. “Como se resolve isso?” A adoção de posturas contraditórias pela Receita Federal, afirmam tributaristas, é uma das principais causas do “custo Brasil”. O país está na lanterna mundial quando o assunto é pagamento de impostos. Aparece em 184º lugar em ranking com 190 economias divulgado pelo Banco Mundial (Doing Business 2020). Só para cumprir obrigações acessórias são 1.501 horas em um ano, o equivalente a mais de 62 dias, de acordo com o relatório. As contradições da Receita Federal ferem o princípio da boa-fé, diz o tributarista Eduardo Salusse, sócio do Salusse e Marangoni Advogados. “Ao Estado não é permitido a adoção de posicionamentos contraditórios porque induz o contribuinte a erro. Até abuso de autoridade é possível alegar”, afirma. Contudo, acrescenta, não há jurisprudência nesse sentido. Salusse entende que essa postura gera insegurança e afasta investimentos. “A União, em especial, tem que trabalhar com coerência, não como se quisesse pegar o contribuinte no contrapé”, diz. “Adotar práticas conforme os próprios interesses, deixando o contribuinte à deriva, é uma das justificativas do ativismo judicial.” Contudo, Everardo Maciel não falaria em “abuso de autoridade”. Isso porque a Receita tem autoridade para editar soluções de consulta, atos declaratórios, instruções normativas e aplicar multas. “Não há tipificação penal para o que se chamaria de ‘abuso’ e ‘má-fé’. É preciso comprovar. Essa é a dificuldade”, diz. Não faltam exemplos de medidas consideradas abusivas por empresários e tributaristas. Em outubro, empresas começaram a receber cobrança de multa isolada de 50% por compensação de créditos negada, antes do fim do processo de defesa administrativo. Em dezembro, a Receita restringiu o conceito de “subvenção de investimentos”, facilitando a tributação de incentivos fiscais de ICMS. Por meio da Solução de Consulta nº 145 declarou que benefícios fiscais precisam ter sido concedidos como estímulo à economia para saírem do cálculo da CSLL. Na época da repatriação de bens no exterior não declarados, lembra a tributarista Tathiane Piscitelli, professora da FGV Direito SP, a Receita orientava que bastava a declaração, sem ter que fazer prova da origem dos recursos. “Depois de encerrado o prazo para adesão ao programa, mudou de interpretação para dizer que se fossem solicitados dados a respeito, o contribuinte teria que fazer a prova, uma questão muito sensível até em razão da possibilidade de repercussão penal para o contribuinte”, diz. Embora ainda não tenha transitado em julgado a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de 2017, a favor da exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins (RE nº 574.706), a Receita, afirma a advogada, “se antecipou ao Judiciário e editou a Solução de Consulta nº 13 determinando que deve ser retirado apenas o ICMS efetivamente pago dessa conta, visando garantir arrecadação, o que gerou aumento do contencioso”. O STF ainda tem que julgar um recurso da própria Fazenda neste processo cuja estimativa de impacto, segundo a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), é de R$ 229 bilhões em cinco anos. Mesmo após decisões de tribunais superiores, a Receita já editou normas contrárias, que incentivaram novas discussões. O tributarista Breno Vasconcelos, do escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados, cita como exemplo a análise do conceito de insumo pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), para a identificação de qual tipo de matériaprima gera créditos de PIS e Cofins. O termo foi definido nas instruções normativas nº 247, de 2002, e nº 404, de 2004, mas houve controvérsias. Em fevereiro de 2018, o STJ firmou a tese de que devem ser usados os critérios de essencialidade ou relevância (REsp 1221170). Mas, segundo Vasconcelos, o Parecer Normativo n° 5, de 2018, e a Solução de Consulta Cosit nº 248, de 2019, foram editados pela Receita depois contrariando a decisão. “Isso denota resistência da Receita em se adequar ao entendimento firmado na Justiça, gerando mais contencioso”, diz o advogado. Nesse caso, a estimativa de impacto registrado na LDO é de R$ 316 bilhões em cinco anos. Para Isaías Coelho, pesquisador sênior do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV Direito, “não é à toa que estamos no fim da fila da classificação do Banco Mundial porque nosso sistema