Por um ano realmente novo (Vander Morales)
Vander Morales A economia brasileira esboçou uma boa reação no começo do último trimestre deste ano com o abrandamento das medidas mais restritivas de Estados e municípios. Os empresários precisavam deste alívio e mostraram que sabem reagir e fazer a roda da fortuna girar quando há condições para isso. Porém, os números da pandemia voltam a crescer, as atividades nas cidades experimentam de novo o regime de restrições e a gangorra entre isolamento e crescimento ameaça balançar da parada da turbina ao desejo de fazer o País decolar rumo a um futuro melhor. Diante deste cenário, e nesta época do ano, o nosso desejo seria o de transmitir otimismo para o próximo ano, mostrar um horizonte promissor para as empresas e a situação do emprego no Brasil. Se de um lado temos o temor da doença, de outro acompanhamos com tristeza a leniência ou o desinteresse do governo federal ante a outra grande tragédia brasileira: o desemprego. Aliás, o número oficial do desemprego (mais de 14 milhões de pessoas) é apenas uma parte do drama. Ao se acrescentar ocupados por tempo insuficiente, desalentados e ainda a chamada força de trabalho potencial, chega-se a 33,2 milhões de indivíduos. O drama ficaria ainda mais visível com a adição dos empregados sem carteira assinada, mais nove milhões. E quantos aos informais, que perambulam pelas ruas em busca de sobrevivência, sem nenhuma garantia? Considerados os mais impactados pelos efeitos do novo coronavírus sobre a economia, os informais representam 40,6% do total de trabalhadores ocupados no País, ou 38,081 milhões de pessoas, segundo o IBGE. O auxílio emergencial aliviou a vida dessas pessoas, mas ainda não se sabe se haverá continuidade e a que preço. A desocupação de 14,6% no trimestre de julho a setembro foi a maior da série iniciada em 2012. O desemprego aumentou 1,3% entre o segundo e o terceiro trimestres e atingiu um recorde. Nesse intervalo, a população desocupada aumentou 10,2% (mais 1,3 milhão de pessoas) e passou a ser 12,6% superior à de igual período de 2019. Evidente que se observa alguma defasagem entre a retomada econômica e a recuperação do emprego. É normal, menos no Brasil. Não houve, no terceiro trimestre, apenas uma reação mais rápida do consumo e da produção industrial. Houve aumento do desemprego, um aumento notável por mais de uma razão. Primeiro, houve um infeliz desencontro entre a atividade econômica e as condições de emprego. No terceiro trimestre a economia produziu 7,5% mais que no segundo, de acordo com o Monitor do PIB – FGV. Para o Banco Central, a atividade havia sido 9,5% maior que a do período de abril a junho. Em muitos países as condições de emprego melhoraram, embora permaneçam os danos causados pela crise. Nos 37 países da Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE), o desemprego médio em agosto foi de 7,4%, menor que o de julho. Continuava superior ao de fevereiro, mas a redução havia começado. No Brasil, a política de reativação pouco se ocupou do emprego. Micros e pequenos empresários, muito importantes para a criação de vagas, continuam com dificuldade para conseguir crédito. Isso quando conseguem, pagando 2% ao mês de juros, fato o governo conhece bem, embora não tenha percebido ainda a tragédia do desemprego. Os empresários estão com medo de contratar diante de um futuro incerto. Muitos estão com problemas para pagar o 13º salário e outras obrigações em razão do custo do crédito. E com o recrudescimento da pandemia, o horizonte se torna ainda mais nebuloso. Em parte por causa da situação geral, algumas empresas estão contratando trabalhadores temporários informalmente, sem nenhum direito. Nós, da Federação e do sindicato, somos contra essa prática. Isto torna as empresas do nosso setor ainda mais vulneráveis à crise. E alertamos que os empresários que desrespeitam as leis correm o risco de passivos trabalhistas. Enfim, empresas e trabalhadores só têm a perder com essas contratações. Seria normal sugerir um 2021 pleno de boas notícias para conciliar com as festas de fim de ano. Mas, infelizmente, precisamos esperar que o governo acorde e tome medidas efetivas a favor do emprego. Uma delas seria, junto com o Congresso, aprovar as reformas tão necessárias ao País, como a tributária. Mas que seja uma reforma justa, mais abrangente, que realmente desafogue as empresas para permitir o avanço do mercado de trabalho. Porém, se anuncia uma reforma tímida para reduzir a burocracia e aumentar encargos. Enfim, só nos resta despedir rapidamente de 2020 e pedir muito para que Deus ilumine a cabeça de nossos governantes em 2021. Aí, sim, teremos um Ano Novo bom para todos. Boas festas! * Vander Morales é presidente da Fenaserhtt (Federação Nacional dos Sindicatos de Empresas de Recursos Humanos, Trabalho Temporário e Terceirizado) e do Sindeprestem (sindicato paulista da categoria).
Reforma tributária fica para 2021 depois de eleição da Câmara
No centro das negociações políticas das eleições para a sucessão do comando da Câmara dos Deputados, a votação da proposta de reforma tributária ficou para o ano que vem. O presidente da Comissão Mista de Reforma Tributária, senador Roberto Rocha (PSDB-MA), anunciou nesta quarta-feira, 9, a prorrogação dos trabalhos até 31 de março de 2021. “Considerando o calendário legislativo de dezembro, assim como as eleições da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em fevereiro, decidimos, em conjunto, solicitar a prorrogação da Comissão Mista da Reforma Tributária até 31 de março de 2021”, postou o senador na sua conta no Twitter. Na mensagem, o senador postou foto de uma reunião com o relator da proposta, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-AL). Aguinaldo, que é um dos pré-candidatos à sucessão do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), havia prometido apresentar o parecer ao longo desta semana. O próprio Maia chegou a dizer que tinha 320 votos para a aprovação do texto em primeiro e segundo turnos na Câmara até o final do ano. A liderança do governo, contrária à votação, trabalhou para a proposta não avançar. A PEC da Câmara, apresentada pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP) e idealizada por Bernard Appy, cria o Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS), substituindo três tributos federais (IPI, PIS e Cofins), o ICMS, que é estadual, e o ISS, municipal. A mudança ocorreria em uma transição de 10 anos até a unificação e em 50 anos até a compensação de eventuais perdas de arrecadação de Estados e municípios. Além da proposta da Câmara, há ainda outro texto, no Senado. O governo enviou apenas uma parte da reforma tributária, a unificação do PIS/Cofins na nova Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). A alíquota do novo tributo seria de 12%. O ESTADO DE S. PAULO
‘Redução da Selic foi um pouco além do necessário’, diz ex-diretor do BC
Para o chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) e ex-diretor do Banco Central, José Julio Senna, o BC foi “um pouco além do necessário” ao colocar a Selic em 2% ao ano na última quarta-feira, 9. O economista também alerta para a manutenção de desequilíbrios fiscais “importantes” e diz que, reduzir ainda mais os juros no atual momento da economia do País seria “imprudente”. A seguir, trechos da entrevista ao Estadão. Os juros, mantidos em 2% ao ano, estão no patamar correto?Apesar de o Banco Central estar fazendo um bom trabalho, é possível que tenha reduzido a Selic um pouco além do necessário. O Brasil ainda apresenta desequilíbrios fiscais significativos, a situação é de instabilidade e talvez tivesse sido mais adequado não ir tão longe. Nada muito diferente dos atuais 2% ao ano, mas talvez devesse ter parado em 2,5% ou 3%, o que sinalizaria uma preocupação maior com o desequilíbrio fiscal, e a curva de juros não tivesse ficado como ficou. Evidentemente, reduzir mais os juros seria imprudente. O BC ainda não sinaliza um novo ciclo de alta dos juros?Quando há razão para mudar o rumo da política monetária, a primeira coisa a ser feita é alterar o forward guidance (prescrição futura, na expressão em inglês). Mudar a Selic só será considerado depois. E o fator determinante será o receituário básico do regime de metas de inflação, que deve ser entendido como um regime de metas para as projeções de inflação. E, de concreto, não aconteceu nada na área fiscal ainda. Não está dado que será preciso novo ciclo de alta de juros?Muita gente raciocina da seguinte maneira: vamos reduzir os juros e, se passar do ponto, a gente aumenta. Esse raciocínio é inadequado, pois reduzir juros é sempre muito mais simples do que elevar juros. O aumento esgarça o tecido, gera perdas e expectativas adversas, porque nunca se sabe onde a alta de juros vai parar. Nos Estados Unidos, por exemplo, na virada de 2018 para 2019, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) tinha elevado bastante os juros e muitos esperavam que faria mais três aumentos. Só serviu para formar expectativas. Subir juros alimenta a impressão de que o processo de alta terá continuidade. Não está dado que a Selic vai entrar em um ciclo de altas. O que deve determinar a revisão da política de juros?A direção do ajuste fiscal e os efeitos sobre o câmbio serão determinantes para o futuro da Selic. Depois do recesso do Congresso, todos ficarão preocupados com a questão fiscal, a contenção das despesas obrigatórias. O mercado vai ficar de olho nisso. O ESTADO DE S. PAULO
Guedes vê Arthur Lira como candidato mais alinhado com as reformas
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de proibir a reeleição para as mesas da Câmara e do Senado embaralhou ainda mais o cenário para o avanço das reformas em 2021. Único candidato já declarado à sucessão da Câmara, o deputado Arthur Lira (PP-AL) tem a predileção do Palácio do Planalto e mantém interlocução com o ministro da Economia, Paulo Guedes. Ele mudou o discurso e passou a ser visto pela equipe econômica como mais alinhado à agenda de reformas, mas sua atuação no Congresso deixa dúvidas, já que esteve várias vezes do lado que apoia e pressiona por mais gastos públicos. Para fontes da área econômica, o horizonte “está muito mais nublado” do que estava no radar. Apesar do otimismo com o avanço das reformas a partir de fevereiro, a avaliação nos bastidores é de que há políticos de perfis e históricos muito diferentes (ver nas galerias abaixo) na corrida pelo comando de Câmara e Senado e será preciso acompanhar todos os movimentos atentamente no Congresso. Outra preocupação é com o quanto a ala política do governo vai querer “mexer no jogo”, endossando promessas feitas por candidatos e gerando fatura de concessões e cargos que pode custar caro do ponto de vista fiscal. Nas palavras de um auxiliar do ministro Guedes, é preciso “olhar atento agora que o Congresso quer fazer bondades”. A equipe econômica não conta com grandes avanços na pauta até o início de fevereiro, mas espera que “a própria gravidade da agenda” faça ela ser retomada com força após a renovação no comando das Casas. Guedes inclusive tem apontado a interlocutores que está confiante no destravamento da pauta com o fim das eleições e a troca de comando da Câmara para um candidato alinhado ao governo, embora não cite nomes. RompimentoGuedes e o atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), trabalharam juntos em 2019 pela aprovação da reforma da Previdência, mas depois disso tiveram muitas brigas e chegaram a romper relações. A desavença levou a Economia a buscar o caminho do Senado para o envio de projetos considerados prioritários, como o pacto federativo e a PEC emergencial, que traz gatilhos de contenção de despesas. Apesar da expectativa positiva dentro do governo, o cientista político Rafael Cortez, da consultoria Tendências, alerta que falta muito jogo para garantir que o discurso reformista de candidatos à cúpula do Congresso se transformará em ação. “Haverá uma tentativa dos candidatos de minimizar um possível mal-estar com agentes econômicos. Mas será mais um sinal político do que condição efetiva para viabilizar as reformas”, afirma. Para ele, não dá para esperar uma mudança radical no cenário de dificuldades do governo em aprovar medidas duras de ajuste, sobretudo porque a “chave” da governabilidade do presidente Jair Bolsonaro será o grau de tensão entre os partidos de centro-direita – que até agora se preparam para lançar duas candidaturas, a de Lira e a de um aliado de Maia. Além disso, Cortez afirma que a disputa por apoio vai gerar uma “pressão distributiva” por recursos e promessas, o que pode colocar ainda mais pressão sobre as contas. O analista, porém, reconhece que a eleição de um nome mais próximo do governo reduziria a exposição da equipe econômica a eventuais bombas fiscais, medidas que poderiam comprometer ainda mais as finanças públicas. CandidatosA incerteza sobre a sucessão no Congresso vem principalmente da Câmara, onde ainda há indefinição sobre quem será o candidato apoiado por Maia. Pelo menos quatro nomes estão no páreo. Embora tenha se aproximado de Guedes nos últimos meses e abraçado o discurso das reformas, Lira é um histórico defensor de programas de refinanciamento tributário (Refis) e que trabalhou pela exclusão de Estados e municípios da reforma da Previdência. Outro possível candidato ao comando da Câmara, o atual vice-presidente da Casa, Marcos Pereira (Republicanos-SP), já criticou Guedes e é apontado como um dos entusiastas do fatiamento da Economia para a recriação do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, já comandado por ele. Pereira chegou a postar no Twitter, minutos após a decisão do STF, que seria candidato à sucessão de Maia, mas depois esclareceu que estava “dialogando” com colegas. “Óbvio que estamos em um grupo político e tenho convicção que poderei ser o candidato desse grupo.” Relator da reforma tributária, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) tem bom trânsito junto à equipe de Guedes. Também estão no páreo Baleia Rossi (MDB-SP), autor da proposta de reforma tributária apresentada na Câmara, Elmar Nascimento (DEM-BA) e Luciano Bivar (PSL-PE), ambos apoiadores da agenda econômica. No Senado, o cenário também está pouco claro sobre quem será o candidato apoiado pelo atual presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Um dos principais nomes na disputa é o do senador Eduardo Braga (MDB-AM), que recentemente apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) prevendo a criação de um novo programa social fora dos limites do teto de gastos, que impede avanço da despesa acima da inflação. Também é cotada a atual presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Simone Tebet (MDB-MS), que defende as reformas e a criação de um programa social fiscalmente responsável, mas também já cobrou do governo maior redistribuição de recursos com Estados e municípios. Arthur Lira (PP-AL). Candidato do Palácio do Planalto, Lira estava, no início da pandemia, próximo do grupo que defende maiores investimentos e flexibilização do teto de gastos. Com as turbulências no mercado financeiro por causa do risco de furo no teto e a posição do presidente Jair Bolsonaro de manter a regra do jeito que está, passou a se posicionar publicamente ao lado do ministro da Economia, Paulo Guedes. De olho na presidência da Câmara, se aproximou do mercado. Já admitiu publicamente que acredita na possibilidade de uma nova CPMF, que chama de imposto sobre transações digitais, mas com alíquota pequena. Tem canal de diálogo frequente com Guedes, a quem dá conselhos políticos nas negociações. Em nenhum momento o ministro reclamou da paralisia na pauta por causa do bloqueio feito por Lira na Câmara contra Rodrigo Maia. Pelo contrário: Guedes, que é
Com incertezas econômicas, analistas preveem alta da Selic no começo de 2021
Diante do aumento da inflação, em meio ao ambiente de incerteza fiscal e à recuperação econômica mais rápida que o esperado, as apostas de economistas e agentes do mercado para uma alta dos juros estão sendo antecipadas. No Boletim Focus, do Banco Central, a alta da Selic é esperada para setembro, mas cada vez mais analistas passam a projetar uma elevação da taxa Selic já em meados do ano. Para o economista da MB Associados e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, José Roberto Mendonça de Barros, a inflação está terminando o ano bastante pressionada, o que mexe nas previsões sobre os juros. “Para o ano que vem, a inflação para o consumidor vai continuar subindo em 12 meses, com um pico por volta de maio. E os preços no atacado continuarão bastante pressionados. Muitas empresas vão preferir perder mercado e elevar preços.” Ele ressalta que a inflação seguirá bastante pressionada no avançar do ano que vem. “Por essa razão, o BC vai acabar tendo de se render à realidade e começar a elevar a taxa Selic no mês de junho, mais ou menos. Com isso, a política monetária deve se alterar. É preciso lembrar também que as taxas longas de juros estão muito altas.” Outro exemplo é o JP Morgan. O banco antecipou a estimativa para o início do ciclo de alta de juros do início de 2022 para agosto de 2021. A economista-chefe do banco, Cassiana Fernandez, explica que a revisão foi motivada pelo cenário mais favorável para a recuperação econômica, principalmente no fim de 2021 e início de 2022, com a perspectiva de vacinação de ampla parcela da população contra a covid-19. “Os números recentes de inflação começaram a incomodar. Desde o último Copom, a mediana do Focus para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor – Amplo (IPCA) de 2021 passou de 3,0% para 3,47%. É um aumento relevante que deve acender a luz amarela.” No início de novembro, o Credit Suisse já havia alterado o cenário para a política monetária, prevendo início do aumento de juros em junho, em vez de no segundo semestre do ano que vem, levando a Selic a terminar dezembro em 4,50%. Da mesma forma, o Banco BV recentemente antecipou a expectativa de início da alta de juros de outubro para agosto de 2021, devido à retomada mais rápida da economia global, que deve “levar pressão” para 2022. A taxa Selic deve terminar o ano que vem em 3% e, depois de um ciclo longo, chegar a 6%. ReajusteNo curto prazo, porém, o aumento das projeções de IPCA em 2020 devido à antecipação da retomada da bandeiras tarifárias pela Aneel não deve ser problema para o BC. “Isso deve dar mais conforto para o Banco Central, pois a inflação tende a ficar menor, gerando uma inércia menor para 2022”, diz o economista Carlos Lopes, do Banco BV. O Banco Safra também já admite antecipar sua aposta para o início do aperto monetário do quarto trimestre “para o terceiro ou possivelmente para finais do segundo trimestre”, conforme relatório semanal. Segundo o banco, as seguidas revisões para cima nas projeções de inflação de 2021 têm levado ao questionamento sobre as condições para a manutenção dos juros no nível atual. Para Gino Olivares, economista do Insper e da gestora Galápagos, em algum momento esses juros têm de subir, mas as discussões sobre quando deve acontecer estão sendo muito influenciadas pela inflação mais recente. “Honestamente, não é que seja um problema. Quando acontece um terremoto, logo depois tem uma série de pequenos tremores, a terra continua tremendo até que se estabilize novamente. A covid-19 foi o terremoto e esses números de inflação são as acomodações, mas vão começar a diminuir de intensidade. Pesa, sim, sobre os mais pobres, mas é algo passageiro.” O ESTADO DE S. PAULO
Para SP bombar (Raul Velloso)
Mesmo sendo o primeiro a aplicar uma vacina eficaz à sua população, São Paulo, juntamente com seus municípios, não escapou do principal problema que há muito aflige os entes subnacionais: o forte crescimento dos déficits previdenciários, que há algum tempo vem expulsando os investimentos. Entre 1998 e 2004, e a preços de 2019, São Paulo investia em média R$ 9 bilhões. Entre 2005 e 2010, tais investimentos mais que triplicariam, alcançando o pico de R$ 29 bilhões em 2010. Já o déficit previdenciário, que havia dobrado entre 2008 e 2010, passando de R$ 6,8 a R$ 13,7 bilhões, continuou subindo sistematicamente, até atingir R$ 22 bilhões em 2019. Por consequência, os investimentos passaram a cair rapidamente a partir de 2011, chegando à bagatela, para São Paulo, de R$ 10 bilhões no ano passado. Ou seja, os investimentos primeiro dispararam e, depois, desabaram de volta ao início. À frente, diante de projeções de ainda crescentes déficits previdenciários e em que pese a reforma federal de 2019, com obrigação apenas parcial para aderir, a conclusão para São Paulo é de que é alto o risco de os investimentos terem de zerar em 2025 para contrabalançar o desastre previdenciário. Listo, a seguir, municípios que selecionei entre os de maior dimensão em São Paulo, para mostrar o ano de zeragem mais provável de seus investimentos, sinalizando o que poderá estar acontecendo, para pior, no resto do País. São eles: Marília (ano mais provável de zeragem: 2020); Santo André (2021); São Vicente (2022); Bauru (2023); Jundiaí (2023); Ribeirão Preto (2024); Campinas (2025); São Paulo (2029); Santos (2029); Sorocaba (2029); São José dos Campos (2030); e São Bernardo do Campo (2038). Em resumo, São Paulo e Rio de Janeiro, os dois maiores municípios do País, até hoje não implantaram um modelo sustentável de capitalização. Ou seja, têm um gigantesco déficit atuarial, mas patinam na busca de seu equacionamento. A grande maioria dos demais municípios de maior porte já tem um fundo capitalizado de benefício definido com razoável grau de equilíbrio atuarial, que surgiu em decorrência da implementação do modelo de segregação de massas, que transfere a este fundo os servidores que ingressaram a partir de uma data recente. Ao lado dele, restou um fundo de repartição simples, em extinção, cujo déficit financeiro é simplesmente coberto pelo Tesouro municipal. Por sua vez, entre os menores municípios, um número elevado tem um déficit atuarial coberto com plano de equacionamento em 35 anos por meio de alíquota extraordinária, nem sempre factível de implementar. Outra informação importante é de que, graças aos planos capitalizados, há hoje cerca de R$ 165 bilhões aplicados em grande medida em títulos federais, rendendo a taxa Selic, hoje em cerca de 3% ao ano, o que terá de ser revisto com vistas a atingir a chamada meta atuarial de rendimento, ao redor de 6% ao ano. Felizmente, a Constituição também autorizou o aporte de ativos e recebíveis em geral no fechamento do difícil problema previdenciário. Ao incorporar novas receitas assim, tem-se um caminho gradual para um modelo equilibrado financeiramente. Isso ocorrerá mais rapidamente à medida que se fizer, como se deve, uma transferência dinâmica de vidas do plano velho para o novo, no caso de segregação. Ou seja, transferir servidores do primeiro para o segundo na exata proporção dos ativos que o ente aportar a mais ao fundo, idealmente a começar pelos mais antigos. Em troca, poderão ser liberados recursos líquidos eventuais do plano financeiro, no exato montante dos ativos aportados adicionalmente, para reforçar o resto do orçamento público. Assim, ao fim, abre-se um espaço para novos gastos (investimentos), como se quer, à medida que forem incorporados novos ativos ou recebíveis, a serem monetizados diretamente pelo fundo ou via operações de mercado de capitais (junto com quaisquer outras medidas que liberem recursos: reformas de regras, aumento de contribuições, etc.). *CONSULTOR ECONÔMICO O ESTADO DE S. PAULO
Guedes diz que governo dará ‘forte sinal’ ainda em 2020 para cortar subsídios
A 23 dias do fim do ano, o ministro Paulo Guedes (Economia) afirmou que planeja transmitir um “forte sinal” ainda em 2020 sobre o compromisso com as contas públicas. Segundo ele, a intenção é reduzir subsídios e gastos tributários. “Acho que, antes do fim do ano, vamos dar um forte sinal de que estamos promovendo a agenda fiscal. Estamos enviando um forte sinal para reduzir subsídios e gastos tributários”, afirmou em vídeo gravado na véspera e divulgado nesta quarta-feira (9) durante evento virtual. Ele afirma que outra mensagem sobre o compromisso fiscal é o fim do auxílio emergencial, medida anticrise que mais demanda recursos do Tesouro (foram R$ 322 bilhões em 2020). “Alguns dias atrás, o presidente deu outro sinal dizendo que o auxílio emergencial será removido em 31 de dezembro. No fim do ano, vamos removê-lo”, disse. Guedes tenta transmitir uma mensagem ao mercado de que o governo quer medidas de reequilíbrio fiscal, em um momento em que analistas colocam em dúvida o real avanço da agenda de reformas e veem incertezas sobre o cenário econômico. “Tivemos um grande ano em 2019, com a reforma da Previdência. Depois tivemos um dramático segundo ano. E a grande pergunta é o que acontece agora. Vamos voltar às reformas estruturais”, disse Guedes. O governo já prometeu rever diferentes gastos tributários ao longo dos últimos dois anos, mas mostrou pouco avanço no tema. Uma das propostas do governo que reduziria esses subsídios foi a da criação da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), que eliminaria diferentes regimes especiais de tributação e acabou escanteada pelo Congresso. Além disso, o governo chegou a vetar a prorrogação da desoneração da folha de pagamento de 17 setores, mas a medida foi derrubada pelos parlamentares. Outras agendas também ficaram comprometidas. Guedes já declarou publicamente que está frustrado por não vender nenhuma estatal controlada diretamente pelo Tesouro. Mais recentemente, o pacotaço fiscal do ministro, considerado pela equipe econômica como crucial para rever despesas, foi desidratado pelo relator, o senador Marcio Bittar (MDB-AC). As 57 páginas propostas por Guedes viraram 8 nas mãos do parlamentar. A desidratação acontece após mais de um ano de tramitação das propostas de Guedes, comprometidas por fatores como falhas de articulação do Executivo e a briga entre o governo e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Somado ao ritmo das reformas, permanecem incertezas sobre os rumos da política fiscal do país a partir do ano que vem, considerando o cenário de dúvidas sobre a arrecadação, risco de despesas extraordinárias continuarem e tentativas de contornar regras fiscais. O cenário tem impulsionado a percepção de risco sentida pelo mercado e, em consequência, aumentado a taxa de juros cobrada pelos investidores para emprestar ao governo em prazos mais longos. As taxas cobradas do governo brasileiro no médio prazo (a partir de dois anos) estão acima de pares emergentes como Chile, Colômbia e México. Em títulos que vencem daqui a 10 anos, por exemplo, as taxas cobradas do governo chegam a 8% ao ano (quatro vezes a Selic de hoje, a 2%). Para administrar os vencimentos programados, principalmente no começo de 2021, o ministro conta com a devolução de recursos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). O Banco Central já repassou R$ 325 bilhões de sua reserva cambial ao Tesouro Nacional em 2020, e Guedes diz que cerca de R$ 200 bilhões desse total estão provisionados. Além disso, o BNDES deve repassar mais R$ 100 bilhões à União, segundo ele. Guedes disse que, por isso, o país tem o suficiente para pagar metade da dívida federal de cerca de R$ 600 bilhões que vence no primeiro quadrimestre de 2021, caso considerados os recursos do banco estatal. Isso significa que, em um cenário extremo em que investidores não queiram mais papeis brasileiros, o governo poderia usar seu caixa para pagar metade da dívida. Na prática, um caixa mais reforçado evita que o governo fique refém das taxas cobradas pelo mercado na hora de rolar a dívida, principalmente em prazos mais longos. O ministro disse ainda no vídeo desta quarta que o país voltará às reformas estruturais, que as já implementadas ajudaram a atrair investimentos estrangeiros e que o país lidou relativamente bem em comparação com pares emergentes. Guedes afirmou que provavelmente o país encerrará 2020 sem perder nenhum emprego. “A economia do Brasil está se recuperando muito fortemente”, disse. FOLHA DE S. PAULO
Arrecadação menor indica inadimplência de empresas
A Receita Federal não conseguiu recolher todos os impostos que eram esperados para outubro após o adiamento de tributos feito ao longo dos últimos meses. A frustração reforça o cenário de incertezas sobre a arrecadação mesmo após o respiro dado pelo governo federal durante a pandemia do coronavírus. Dados levantados pelo Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), a partir de informações fornecidas pela Receita, apontam que o Fisco esperava obter R$ 23,7 bilhões em outubro com os tributos diferidos em meses anteriores, mas obteve somente R$ 16,2 bilhões. A diferença seria o suficiente para pagar 25 milhões de parcelas do auxílio emergencial de R$ 300. Em agosto, também houve uma diferença aproximada de R$ 7 bilhões entre o que era esperado em tributos adiados em meses anteriores e o que foi realmente obtido. Juliana Damasceno, especialista em contas públicas do Ibre/FGV, afirma que os números indicam que empresas estão deixando de pagar impostos e dando prioridade ao custeio de suas atividades. “A gente consegue ver uma certa inadimplência”, disse. Para a pesquisadora, contou para o movimento a redução do auxílio emergencial de R$ 600 para R$ 300 e a perspectiva de término do programa em dezembro. “Tudo isso é de certa forma antecipado e se reflete em decisões de empresas, como em investimento, contratação e demissão”, afirmou. Segundo ela, em momentos de crise, empresários preferem preservar suas atividades a pagar tributos. “Postergar pagamento de imposto é a forma mais rápida e fácil de a empresa se financiar no curto prazo, porque ela prioriza pagamento de mão de obra, fornecedores e matéria-prima”, afirmou Damasceno, que vê sinais de desaceleração da retomada. Mesmo abaixo do esperado, os números mensais da arrecadação têm inflado a comparação entre a arrecadação deste ano e a de 2019. Considerando dados brutos, o avanço das receitas administradas chega a ser de dois dígitos. Em agosto, setembro e outubro, houve crescimento de 1,32%, 1,74% e 12,31% na comparação com um ano antes, respectivamente. Já na análise sem os efeitos de pagamentos de impostos adiados, o avanço cairia em termos reais para 0,09%, 0,1% e 0,1%, já considerando números atualizados pela inflação. Na visão da Receita, os números são influenciados pelo movimento de empresas buscando as chamadas compensações tributárias, quando abatem dívidas tributárias de créditos a que têm direito perante o Fisco. De janeiro a outubro, o uso das compensações tributárias já passa de R$ 130 bilhões. O cenário de arrecadação ainda incerto é comentado também pelo governo, inclusive como um fator de dificuldade para calcular os números fiscais do próximo ano. Interlocutores do Ministério da Economia afirmaram recentemente que ainda não seria possível estabelecer uma meta fixa de resultado primário para 2021, como requisitado pelo TCU (Tribunal de Contas da União), porque a dificuldade de prever números fiscais depois da chegada da pandemia ao país permanecia. Apesar de ver sinais de recuperação na arrecadação, interlocutores da pasta dizem que ainda não há total clareza sobre os efeitos do coronavírus na economia e sobre as consequências disso para o recolhimento nos próximos meses. Diante do cenário de dificuldade das empresas, o próprio ministro Paulo Guedes (Economia) já chegou a afirmar a empresários durante a pandemia que o mínimo a ser feito para facilitar a vida dos empreendedores seria o parcelamento dos impostos adiados. Mas a pasta tem afirmado que as possibilidades de renegociação existentes hoje dispensam um projeto de repactuação específico para a crise da Covid-19. A solução a ser buscada para rever as condições de dívidas seria o programa de transação tributária, criado pela lei do contribuinte legal em abril deste ano. Mesmo assim, congressistas tentam apressar a votação de um projeto de lei que cria o chamado Refis da Covid para parcelar tributos postergados. Cerca de R$ 48 bilhões em tributos deixaram de ser pagos até outubro. Os técnicos da Economia são contrários à criação de um programa específico de renegociação dos tributos adiados. Segundo avaliam, a medida iria aprofundar ainda mais o endividamento do país. Há uma agravante. Conforme mostrou a Folha, se o Refis da Covid ficar para 2021, será preciso compensar com novas receitas. Para os técnicos de Guedes, a única saída, nesse caso, seria a criação de novos impostos. O ministro afirmou nesta terça-feira (8) que em momentos de crise os contenciosos e a judicialização relacionados a impostos aumentam. “Quem tem poder político consegue as isenções e as desonerações. Já quem tem poder econômico consegue os contenciosos, prefere pagar R$ 100 milhões a um escritório de advocacia do que R$ 1 bilhão ao Tesouro”, afirmou. “É normal que, se a economia anda errado, pressiona excessivamente o Judiciário e o Legislativo. Essa indissociável ligação entre direito e economia se manifestou na pandemia com muito vigor”, disse Guedes. Apesar disso, a equipe econômica ainda expressa otimismo com a recuperação. Sérgio Gadelha, secretário de Modelos e Projeções Econômico-Fiscais da SPE (Secretaria de Política Econômica) do Ministério da Economia, afirmou que os números recentes da atividade mostram sinais de retomada, o que tende a beneficiar a arrecadação. “O nível de atividade econômica foi impactado pela crise sanitária. Mas os dados destacam que a melhora em varejo e indústria, acompanhada de medidas de maior flexibilização de isolamento, indicam forte expansão, o que impactará de forma positiva a arrecadação federal”, disse em entrevista recentemente. FOLHA DE S. PAULO
Companhias querem resgatar a saúde mental perdida
A expressão “saúde mental” é definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como “um estado de bem-estar no qual um indivíduo percebe suas próprias habilidades, pode lidar com os estresses cotidianos e trabalhar produtivamente e é capaz de contribuir para sua comunidade”. Tal estado de espírito foi colocado à prova durante a pandemia. O temor natural à uma doença desconhecida foi associado à mudança brusca do cotidiano. A imposição da quarentena fechou empresas, escolas, impediu atividades de cultura e lazer, distanciou amigos e famílias. Reinvenção foi a palavra de ordem, especialmente no ambiente corporativo, já que o trabalho não parou. O home office passou a ser chamado de “hell’s office” – afinal, ficou difícil conciliar trabalho, filhos, estudo dos filhos, atividades domésticas e relacionamento. Para quem vive só, houve o desafio de vencer a depressão. A demanda pelos serviços da Vittude, startup focada em psicologia e coaching, é um exemplo dessa preocupação coletiva. Com 20 empresas como clientes até o início do ano, a plataforma passou a atender mais 60 companhias desde março, ou seja, o volume quadruplicou. Hoje, são cerca de 15 mil consultas mensais voltadas a funcionários de clientes corporativos, entre eles, Raia Drogasil, Panvel, O Boticário e SAP. Para medir a pressão em meio à pandemia, a Vittude realizou uma pesquisa em outubro com 2 mil profissionais em todo o país. O levantamento apontou que 32% sentem que a concentração e o foco pioraram na pandemia. Para 22%, a criatividade desapareceu. “Isso é muito grave”, diz Tatiana Pimental, CEO da Vittude. “O maior ativo das empresas está na cabeça das pessoas. Se mais de um quinto do meu pessoal perdeu a capacidade de criar, e quase um terço não consegue se concentrar, qual o impacto disso na competitividade e no futuro da minha empresa?”. A pesquisa indicou que só 33% dos profissionais se sentem à vontade para falar sobre seu nível de pressão com o líder direto e 28% com o RH. “No Brasil, 47% das empresas não adotam nenhum cuidado em saúde mental para seus funcionários. E, entre aquelas que adotam, as iniciativas são insuficientes”, diz Tatiana. As principais medidas envolvem a divulgação de informativos (prática de 23%), a oferta de equipe psicológica ou de saúde (18%) e encontros presenciais ou virtuais sobre o assunto (17%). Apenas 12% oferecem terapia pelo plano de saúde, enquanto 11% contratam plataformas de terapia on-line. “Nós vivemos uma crise em nível antropológico, não é só de saúde”, diz Betania Tanure, especialista em gestão e cultura empresarial. “Do dia para a noite, mudamos o jeito de trabalhar, de consumir, de nos relacionar, de viver. Isso provoca um alto nível de exaustão nas pessoas”, afirma a fundadora da consultoria BTA. Em levantamento recente realizado junto a altos executivos, a consultoria apontou que a saúde (53% das respostas) e o alto grau de estresse (47%) são os maiores fatores de preocupação em relação à carreira. “Ninguém quer adoecer trabalhando”, diz Betania. “Nas organizações, essa preocupação precisa partir do alto escalão para ser incorporada à cultura da empresa. A pandemia tem nos mostrado isso”. Segundo Betania, na primeira fase da quarentena, o home office foi caracterizado pela “produção estática”: descobriu-se que era possível fazer mais à distância. “Agora vivenciamos a produção dinâmica: é preciso fazer as coisas de forma diferente e, a partir daí, descobrir novas competências”, afirma. “Nem todas as empresas vão vivenciar este segundo estágio do home office, porque tendem a não sobreviver”, diz ela, que defende a descoberta de maneiras de mesclar o trabalho presencial e remoto. “Existe a questão do conhecimento tácito, da cultura, que não se compartilha por meio de telas: é a convivência fortuita, os insights, algo que se obtém apenas por meio das relações”. Pensando nisso, a gigante dos softwares SAP procurou estimular as relações das equipes nos últimos meses. Foram criados fóruns para dividir experiências cotidianas: o “look” do dia, a receita que deu certo, a melhor indicação de vinho. “Foi uma forma de substituir a interação tão necessária que ocorre na pausa para o café e nos corredores”, diz Fernanda Saraiva, diretora de RH da SAP Brasil. Um dos indicadores da pesquisa realizada pelo Valor e Mercer este ano no anuário “Valor Carreira”, a dimensão “ambiente de trabalho saudável” aponta uma diferença de sete pontos percentuais entre as vencedoras em cada uma das sete categorias premiadas e as demais empresas (88% frente a 81%). A Basf este ano criou o canal “Sempre Bem” para oferecer atendimento psicológico, social, jurídico e financeiro tanto a funcionários como para seus dependentes. “Percebemos a necessidade de oferecer um serviço individualizado, por telefone”, diz Vivian Navarro, gerente de RH da área de bem-estar da Basf. “A questão da saúde mental está relacionada à inovação, à criatividade e à capacidade de lidar com os próprios erros, aspectos fundamentais para o bom desempenho profissional”, afirma. O canal atende principalmente questões ligadas ao estresse, ansiedade, depressão e relacionamentos familiares. A Ambev também acelerou a criação da área de saúde mental dentro da companhia a partir da pandemia. A empresa lançou o Guia de Saúde Mental, com explicações sobre o tema, principais problemas, orientações, como buscar e oferecer ajuda. Já o Itaú Unibanco realizou rodas de conversa com psicólogos e médicos com temas como “Que medo é esse?”, “Filhos na quarentena”, “Gestão das emoções” e “Superando perdas”. O canal “Fique Ok”, que oferece apoio psicológico para colaboradores e familiares, recebeu um volume 55% maior de contatos entre março e outubro, comparado a 2019. Segundo o banco, desde que teve início a série de eventos as demandas da área de saúde aumentaram significativamente. VALOR ECONÔMICO
MPT considera covid doença do trabalho
O Ministério Público do Trabalho (MPT) emitiu uma nota técnica que caracteriza a covid-19 como doença ocupacional. Pelo documento, médicos do trabalho deverão solicitar às empresas a emissão de Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) para funcionários diagnosticado com a doença e também para os considerados suspeitos – que tiveram contato com algum infectado, mas estão sem sintomas. Advogados ouvidos pelo Valor, porém, orientam seus clientes a não emitir o documento porque seria uma forma de reconhecer a doença como acidente de trabalho. “É um absurdo essa nota técnica”, afirma o advogado Jorge Matsumoto, sócio da área trabalhista do Bichara Advogados. Para ele, não se poderia presumir que a covid foi contraída no trabalho. A nota técnica, de nº 20, foi elaborada recentemente pelo grupo de trabalho sobre a covid-19. O texto serve como orientação interna, para procuradores, e também externa. Mas sua adoção não é obrigatória, diz o procurador Luciano Leivas, vicecoordenador nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho (Codemat). De acordo com Leivas, a nota é baseada na interpretação do órgão sobre a legislação brasileira e nas normas internacionais que tratam da pandemia no ambiente de trabalho. Para ele, o parágrafo 2º do artigo 20 da Lei nº 8213, de 1991, dá margem para que a covid-19 seja enquadrada como acidente, “nos casos em que a situação do trabalho for fator contributivo para que o trabalhador adoeça”. Diante do adoecimento ou de casos suspeitos as empresas são obrigadas a notificar a Previdência Social, por meio de CAT, segundo o procurador, como dispõe o artigo 169 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Na nota técnica, essa previsão está no item 8. “Isso é uma obrigação legal da empresa. Mas a emissão do CAT por si só não reconhece que se trata de um acidente de trabalho. A perícia médica do INSS é quem tem a competência para dizer. Na Previdência será feita essa análise”, afirma Leivas. Advogados entendem, porém, que emissão da CAT seria a admissão de que a doença foi adquirida no ambiente de trabalho, o que pode trazer consequências jurídicas e previdenciárias. O funcionário que for afastado pela Previdência Social por mais de 15 dias e que receber auxílio-doença, por exemplo, terá direito à estabilidade de um ano. O trabalhador ainda poderá pedir danos morais e materiais por ter adquirido doença decorrente do trabalho. A medida também poderá trazer impacto no pagamento de contribuições previdenciárias. Com aumento do número de acidentes de trabalho, as empresas correm o risco de terem alíquota maior de Riscos Ambiental do Trabalho (RAT) – a nova denominação do Seguro Acidente do Trabalho (SAT). Para advogados, as companhias não são obrigadas a emitir CAT para covid, até porque a doença não consta expressamente na lei. “A covid só pode ser presumida como doença ocupacional para trabalhadores de laboratórios ou hospitais, que podem estar em constante contato com o vírus”, diz o advogado Fabio Medeiros, do Lobo De Rizzo Advogados. Ele acrescenta que, para demais setores, não há como afirmar que o funcionário pegou a doença no trabalho. A advogada Juliana Bracks, do Bracks Advogados, também tem recomendado aos seus clientes que não emitam a CAT. “Sou totalmente contra a emissão indiscriminada de CAT. Até quem está recluso dentro de casa está pegando covid. Jamais podemos afirmar com segurança que foi uma doença ocupacional”, diz. A depender do número de CATs emitidas ou de denúncias de empregados ou grupo de empregados pode ser aberta uma fiscalização para verificar se a companhia tem cumprido todos os protocolos de saúde, segundo o procurador Luciano Leivas. Caso haja descumprimento, tenta-se um acordo e, em último caso, ajuiza-se ação por danos morais coletivos. “Existem cidades pequenas, em que trabalhadores de uma única indústria podem colocar todo o sistema de saúde em colapso.” Já na área previdenciária, o advogado Pedro Ackel, do escritório WFaria, afirma que a abertura da CAT incluindo casos suspeitos “pode gerar uma distorção de todos os dados estatísticos e epidemiológicos e isso vai trazer complicações para as empresas, incluindo, lá na frente, esse impacto no cálculo do RAT”. A consideração da covid como doença do trabalho já teve idas e vindas. Em abril, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou o artigo 29 da Medida Provisória nº 927. O dispositivo dizia que a doença não poderia ser classificada como ocupacional – dando margem para interpretação em sentido contrário. Em setembro, o próprio Ministério da Saúde editou a Portaria nº 2.309, que considerava a covid-19 como doença do trabalho Contudo, poucos dias depois cancelou a norma, com a edição da Portaria nº 2.345. VALOR ECONÔMICO