Liminar mantém validade de norma coletiva

O Supremo Tribunal Federal (STF) ainda não concluiu o julgamento pelo qual definirá se é válida norma coletiva, ajustada com sindicato, que reduz direitos trabalhistas. Apesar disso, o voto favorável do relator, ministro Gilmar Mendes, já teve efeito sobre o Tribunal Superior do Trabalho (TST). Uma empresa conseguiu liminar na Corte trabalhista para suspender execuções em que era cobrada por diferenças em razão da redução do horário de almoço. A Inconflandres Indústria e Comércio propôs uma ação rescisória (usada para mudar processo já finalizado) com o objetivo de reverter decisão que a condenou a pagar valores relativos ao intervalo de almoço – reduzido de uma hora para meia hora após negociação com o sindicato. O Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 1ª Região, com sede no Rio de Janeiro, entendeu que não é válida “cláusula de instrumento normativo autônomo que vise a suprimir ou reduzir o intervalo para refeição e descanso”. O pedido de liminar na rescisória foi negado e a empresa recorreu ao TST. Alegou que as execuções têm avançado no seu patrimônio por meio de penhoras de bens, atrapalhando sua atividade. Segundo a empresa, a redução do intervalo de almoço com o equivalente na jornada é permitida por existir acordo com sindicato. Na liminar, a ministra Delaíde Miranda considera que o tema começou a ser julgado no Supremo e que o relator, ministro Gilmar Mendes, foi favorável ao pedido da empresa. Para a ministra, isso indica que pode haver o direito pleiteado, por isso determinou a suspensão da execução. “Ainda que o STF não tenha concluído o julgamento da questão, há a possibilidade da tese a ser fixada ir ao encontro dos argumentos expostos pelo autor desta ação rescisória”, afirmou. Além disso, a ministra ponderou que também há perigo de dano à empresa, já que o processo matriz está em fase adiantada de execução, com inúmeros bloqueios em contas bancárias (TST-ROT-101675-61.2017.5.01.0000). O processo do STF estava na pauta da última semana, após destaque da ministra Rosa Weber, que levou o caso do Plenário Virtual para o presencial. Mas a ação foi retirada de pauta e não há previsão de julgamento (RE 1121633). O relator depositou seu voto no plenário virtual, indicando a validade de convenção ou acordo coletivo, ainda que disponha de redução de direitos trabalhistas. A relatora da ação no TST não cita na liminar que o processo no STF fez com que, em 2019, o TST resolvesse suspender processos sobre validade de norma coletiva, por uma indicação do ministro Gilmar Mendes. Mas apesar do pedido dele, alguns juízes continuam a julgar o tema. O Supremo tem anulado decisões contrárias a cláusulas em convenções coletivas negociadas com sindicatos que flexibilizam direitos trabalhistas. Para o advogado da empresa na ação no TST, Maurício Corrêa da Veiga, sócio do Corrêa da Veiga Advogados, a liminar demonstra que os efeitos da decisão do Supremo poderão ter influência enorme, inclusive em processos que já foram julgados, já que o caso trata de ação rescisória. Apesar das alegações de que o horário de almoço está ligado a normas de segurança e higiene do trabalho, segundo o advogado, muitas vezes o empregado prefere o horário reduzido para sair mais cedo. De acordo com Jorge Matsumoto, sócio trabalhista do Bichara Advogados, a concessão da liminar indica que a relatora está convencida de que a jurisprudência do TST sobre a validade do negociado em relação ao legislado deve mudar por causa da reforma trabalhista. Matsumoto destaca que a decisão é de uma ministra considerada pró-trabalhador, o que reforça a possibilidade de o julgamento no STF afetar casos já encerrados por meio de ações rescisórias. Os advogados do sindicato não foram localizados até a publicação da edição, assim como representantes da entidade. VALOR ECONÔMICO

Justiça nega responsabilidade de Estados por demissões na pandemia

A Justiça do Trabalho tem recusado a tese de empresas que pretendiam dividir com prefeituras ou governos estaduais a responsabilidade pela multa de 40% do FGTS dos funcionários demitidos durante as quarentenas decretadas para conter a pandemia de covid-19. Encorajadas por uma fala do presidente Jair Bolsonaro, no dia 27 de março, contrário às medidas de isolamento, empresas começaram a evocar a aplicação do artigo 486, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que trata do chamado “fato do príncipe”. Segundo o artigo, quando houver paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, que impossibilite a continuação da atividade, pode haver pagamento de indenização. No caso, os 40% do FGTS dos funcionários demitidos. A Justiça do Trabalho recebeu este ano 7.495 processos cujos termos “fato do príncipe” e “covid” aparecem nas iniciais, segundo levantamento da Data Lawyer Insights, plataforma de jurimetria. A tese, contudo, não tem sido aceita pelo Judiciário. Há decisões nos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) de São Paulo, Campinas, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Ceará que negam os pedidos para setores como restaurantes, estacionamentos, de viação, têxtil e de calçados. Não foi localizada nenhuma decisão favorável. Em geral, os magistrados têm entendido que o fato do príncipe na seara trabalhista não se aplica no caso da pandemia. Isso porque os atos normativos foram editados para combater a disseminação do vírus, atendendo recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS), e não por interesse próprio da autoridade. Além disso, a empresa teria que comprovar que teve as atividades totalmente paralisadas e que não teve outra alternativa senão demitir. Em um caso analisado pela 10ª Câmara do TRT de Campinas, por exemplo, os desembargadores negaram pedido de uma rede de restaurantes mexicanos que demitiu um funcionário durante quarentena e pedia a responsabilização do Estado de São Paulo. Segundo decisão do relator, desembargador Edison dos Santos Pelegrini, “não se trata de ato discricionário da administração visando interesse ou alguma vantagem. Não havendo que se falar em responsabilização do Poder Público pelas obrigações trabalhistas rescisórias” (processo nº Nº 0010635-68.2020.5.15.0043). Neste mesmo sentido, uma prestadora de serviços terceirizados de construção civil também foi condenada, pela 12ª Turma do TRT de São Paulo, a pagar as verbas rescisórias de uma funcionária demitida na pandemia. O relator, desembargador Benedito Valentini, ressaltou que no caso não houve paralisação temporária ou definitiva das atividades e que não houve prova no processo de que a quarentena “teria afetado substancialmente sua situação econômica e financeira, a ponto de se ver obrigada a retirar direitos trabalhistas da autora”. Ainda destacou que no setor de terceirização, “a diminuição da prestação de serviços ou mesmo o encerramento de contratos com os terceirizantes, são ocorrências previsíveis para atividade das prestadoras de serviços” (processo nº 1000634-36.2020.5.02.0021). Segundo a juíza Olga Vishnevsky Fortes, vice-presidente da Associação Brasileira de Magistrados do Trabalho (ABMT), para que seja caracterizado o fato do príncipe, a empresa deve preencher diversos requisitos. O principal seria a paralisação total da atividade, o que já excluiria restaurantes que puderam implantar o sistema de delivery e atividades que puderam ser exercidas em home office. O empregador também não pode ter contribuído para a paralisação e deve existir impacto econômico-financeiro que justifique a rescisão dos contratos. Segundo a juíza, a empresa também não poderia estar em dificuldade financeira anterior e deve comprovar que aderiu aos programas do governo federal (suspensão de contratos, redução de jornada, concessão de férias) e ainda assim não foi suficiente para manter o empregado. Ou que não conseguiu aderir ao programa. Recentemente, a juíza Olga Fortes, que atua na 7ª Vara do Trabalho da Zona Sul de São Paulo, negou o pedido de uma rede de estacionamentos, que demitiu um funcionário do grupo de risco após 14 anos na empresa. A rede foi condenada a pagar integralmente as verbas rescisórias, cerca de R$ 15 mil (autos nº 000561-43.2020.5.02.0707). No caso, a companhia não preenchia os requisitos, pois não houve paralisação total da atividade e há provas de que o empregador já tinha problemas financeiros anteriores. Para especialistas, as decisões estão sendo acertadas. Gláucia Soares Massoni, sócia do Fragata e Antunes Advogados, ressalta que a pandemia é uma questão de saúde pública. “A autoridade não tinha outra alternativa no momento”. Para ela, o fato do príncipe só pode ser aplicado em casos muito excepcionais, como em desapropriações, por exemplo. “Deve haver paralisação total da atividade e uma relação direta entre a dificuldade financeira e o ato da autoridade pública”, diz. Segundo a advogada Cristina Buchignani, sócia da área trabalhista do Costa Tavares Paes Advogados, responsabilizar o Estado por questões de saúde pública, “seria extrapolar os limites e o objetivo da lei”, diz. Até porque, segundo ela, deve existir, segundo o artigo 486 da CLT, um benefício do ente público com a suspensão. Para Juliana Bracks, do Bracks Advogados, “houve outras possibilidades instituídas pelo governo federal para que a empresa pudesse enfrentar essa situação tão dramática, como a suspensão de contratos e a redução de jornadas. Sem que fosse necessária, portanto, a demissão e ainda deixar parte da conta para o governo estadual”, diz. VALOR ECONÔMICO

Uma em cada três contratações de temporários é para o comércio eletrônico

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Faz três semanas que a estudante de psicologia Ana Carolina Mamede Porfirio, de 20 anos, foi admitida como temporária em uma empresa especializada em recrutamento. Ela está trabalhando no marketplace de uma varejista, onde faz a revisão de anúncios virtuais. “É a primeira vez que trabalho como temporária”, conta Ana, que assinou um contrato de trabalho por dois meses com a empresa de recrutamento que presta serviço de mão de obra para a empresa de e-commerce. Ana dá expediente de segunda a sexta-feira, das 9 horas às 18 horas e recebe um salário quase 30% maior do que ganhava no emprego anterior. Antes de ficar desempregada, a estudante trabalhou durante 11 meses também no varejo, mas numa distribuidora de autopeças. Até cuidava das vendas online da loja, mas a maior parte do serviço era no varejo físico. Com a pandemia, houve corte de funcionários e Ana foi demitida. Depois de seis meses procurando uma vaga, ela conseguiu se recolocar, mas como temporária e no comércio online. “Fico um pouco preocupada com o fato de ser um emprego temporário”, diz Ana, na expectativa de que o contrato, inicialmente de dois meses, seja prorrogado e que a vaga se torne definitiva. Apesar da ansiedade, no momento, ela diz que está focada no trabalho. “Vou fazer tudo certinho para ter essa possibilidade.” OnlineO tipo de vaga de trabalho conseguida pela estudante – no comércio online e temporária – retrata um tendência do mercado de trabalho. Uma em cada três vagas temporárias neste fim de ano são para lojas online, segundo a Page Interim, unidade de negócio do PageGroup especializada em recrutamento, seleção e administração de profissionais terceirizados e temporários. “No ano passado, as vagas online representavam menos de 10% do volume total”, conta Maira Campos, diretora da empresa. Segundo a executiva que recruta e faz a gestão da mão de obra de terceiros não só para o varejo, mas para indústria e outros segmentos, há um forte movimento de admissão de temporários este ano. Em outubro, de acordo com ela, o volume de contratações fechadas pela empresa foi 50% maior do que no mesmo período do ano passado. E não apenas de trabalhadores para as festas de fim de ano. Maira diz que há empresas com bastante apetite por contratações de trabalhadores temporários e que existe uma preocupação muito grande em termos de custos e justificativas de investimentos. “O temporário é uma forma mais fácil de as empresas viabilizarem as contratações e suprirem as demandas.” O ESTADO DE S. PAULO

Julgamento do trabalho intermitente no STF acende alerta vermelho no governo

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Os rumos do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a validade do trabalho intermitente, modalidade mais flexível de contratação aprovada na última reforma trabalhista, acenderam o alerta na equipe econômica, que passou a ver risco real de a Corte declarar inconstitucional esse tipo de vínculo. Caso isso aconteça, quase 200 mil postos desse tipo de emprego poderiam ser extintos sem garantia de recontratação. Segundo apurou o Estadão/Broadcast, o governo teme que uma decisão desfavorável no STF acabe travando qualquer chance de discutir futuramente novas formas de trabalho, inclusive para profissionais que atuam em plataformas e aplicativos por demanda. Além disso, na visão da área econômica, os atuais trabalhadores intermitentes estariam ameaçados e poderiam perder o emprego, num momento em que o desemprego está em alta na esteira da pandemia da covid-19. Dados oficiais apontam que havia, em outubro, 196.966 vínculos de trabalho intermitente no Brasil (um trabalhador pode ter mais de um vínculo). A modalidade é uma das poucas que registra saldo positivo em 2020, com 52,9 mil novos postos. No trabalho intermitente, criado em 2017, o profissional é contratado, mas recebe a remuneração de acordo com o número de horas trabalhadas, que pode variar de um mês para o outro. O julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) que questionam o trabalho intermitente começou na última quarta-feira. O relator, ministro Edson Fachin, votou pela inconstitucionalidade do vínculo e frustrou o governo. Na quinta-feira, os ministros Kássio Nunes Marques e Alexandre de Moraes abriram divergência e votaram pela validade do vínculo instituído pela reforma trabalhista. A Procuradoria-Geral da República (PGR) também havia dado parecer nesse sentido. O julgamento foi interrompido após um pedido de vista feito pela ministra Rosa Weber e não tem data para retornar à pauta. As centrais sindicais, por sua vez, torcem justamente pela inversão do placar. O presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), Ricardo Patah, diz que o julgamento é importante para solucionar “uma série de inconstitucionalidades da lei trabalhista de 2017”. “O trabalho intermitente num formato regrado, com convenção coletiva, é uma coisa. Interposto e facultado à empresa fazer o que quiser é comparável à escravidão”, critica. Setores como serviços e construção estão de olho no julgamento. O presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci Jr., afirma que o contrato intermitente hoje é uma demanda do próprio trabalhador, que quer conciliar o emprego com outros compromissos. Segundo ele, se o STF declarar a modalidade inconstitucional, isso vai comprometer ainda mais o setor, que já sofre com a pandemia. Mais de 30% das empresas do segmento fecharam as portas e 53% estão operando no vermelho, segundo a associação. O vice-presidente de Política de Relações Trabalhistas da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Fernando Guedes, diz que o contrato intermitente é uma “evolução positiva” da legislação trabalhista, pois permitiu formalizar trabalhadores que antes não tinham nenhum tipo de proteção nem contribuíam à Previdência para assegurar uma futura aposentadoria. O ESTADO DE S. PAULO