Valor Econômico
Judiciário, em recentes decisões, incluiu credores na primeira classe, dos trabalhistas
Por Bárbara Pombo
Tomadores de serviço têm conseguido ocupar posição privilegiada em recuperações judiciais de prestadores. Estão sendo incluídos pela Justiça na primeira classe, dos trabalhistas, pelo fato de terem sido condenados a pagar verbas a trabalhadores no lugar das empresas em crise financeira.
Houve uma mudança de cenário com a reforma da Lei de Recuperação Judicial e Falências (nº 11.101, de 2005) no fim de 2020 que vem se refletindo em decisões judiciais recentes. Os juízes, dizem advogados, ganharam segurança para permitir a inclusão desses créditos na classe dos trabalhistas.
O que ocorre é uma espécie de dança das cadeiras. O trabalhador ganha a ação judicial contra o empregador, a prestadora de serviço. Em crise, ela não consegue pagar a conta e o juiz a passa ao tomador. Ao quitar a dívida, ele assume a posição do empregado, com os mesmos direitos e privilégios. É o que se chama, juridicamente, de sub-rogação.
Há vantagens em obter essa autorização. Os trabalhistas, normalmente, recebem seus créditos em menor tempo – e sem ou com descontos pequenos em relação aos demais grupos de credores. Com a reforma da lei, explica a advogada Juliana Bumachar, abriu-se a possibilidade de estender de um para três anos o prazo para pagamento, desde que atendidas algumas condições.
Pesquisa do Observatório da Insolvência, da Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ), mostra que, em recuperações judiciais no Estado de São Paulo entre 2010 e 2017, o deságio, quando autorizado, foi de 38,4%. Na classe dos quirografários, por sua vez, o corte foi de quase 71% e os pagamentos feitos em nove anos, em média.
O novo entendimento também é importante porque, de acordo com dados da Serasa Experian, o maior volume de pedidos de recuperação judicial é do setor de serviços. Representaram, no ano passado, pouco mais da metade (460) do total de requerimentos (891). Neste ano até abril, somaram 130 de 275 solicitações feitas por todos os setores da economia.
“É um assunto novo para a recuperação judicial, mas com forte aspecto social”, afirma o desembargador aposentado Luiz Roberto Ayoub, hoje advogado e sócio do Galdino & Coelho Advogados. “Quem acaba sendo privilegiado, no fim das contas, é o trabalhador que receberá sua verba alimentar de forma adiantada ao não ter que se submeter à recuperação judicial.”
Até a alteração da legislação pela Lei nº 14.112, de 2020, prevalecia nos tribunais a posição de que os créditos que passam para as mãos dos tomadores deveriam ser incluídos na classe dos quirografários. Os magistrados entendiam que a verba poderia ser classificada como trabalhista apenas em razão das características pessoais do empregado. Além disso, ponderavam que entendimento diverso afetaria a paridade entre credores.
A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já deu sinalização favorável para que as empresas que pagaram a conta em condenações trabalhistas negociem esses créditos na classe um. Os ministros analisaram a questão a partir da revogação do parágrafo 4º do artigo 83 da Lei nº 11.101/2005.
O dispositivo estabelecia que os créditos trabalhistas cedidos a terceiros seriam considerados quirografários. O objetivo, segundo especialistas, era proteger o trabalhador contra o assédio de interessados na compra dos créditos, com grandes deságios.
Para a relatora do caso no STJ, ministra Nancy Andrighi, porém, a regra se aplicaria somente para os casos de venda (cessão) de créditos e não de sub-rogação, quando um terceiro paga a dívida no lugar de outro. São institutos jurídicos diferentes, segundo ela.
“Os interesses que a norma do artigo 83, parágrafo 4º, da Lei nº 11.101/05, objetiva proteger não são vilipendiados pela ocorrência da sub-rogação. Ao contrário, tal circunstância, como ocorrida no particular, vem a ser favorável ao credor trabalhista, pois acaba por impedir que ele se submeta aos deságios próprios da negociação de um plano de recuperação judicial”, afirma a ministra em seu voto (REsp 1.924.529).
Com a mudança da lei, o cenário ficou mais favorável à tese. Agora, a regra é que “os créditos cedidos a qualquer título manterão sua natureza e classificação”. Está prevista no artigo 83, parágrafo 5º, da lei. Novamente, a norma se refere à cessão de créditos.
“Os juízes estão mais confortáveis para aplicar o dispositivo por analogia aos casos de sub-rogação”, explica a advogada Carolina Mascarenhas, do escritório Machado Meyer, que tem representado tomadores de serviço nesse litígio.
Renata Oliveira, sócia da mesma banca, afirma que, com a reforma da lei, há uma tendência do Judiciário em reconhecer o crédito como trabalhista. “Basta que o tomador mostre que houve condenação e pagou a verba ao trabalhador”, diz.
Uma multinacional de consultoria de gestão obteve, no fim de abril, decisão favorável da 2ª Turma da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), proferida por unanimidade de votos. Conseguiu o direito de votar na assembleia-geral de credores na classe um. A empresa já cobriu R$ 1 milhão em dívidas trabalhistas de uma terceirizada da área de recursos humanos e https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg, que está em recuperação judicial.
“Muito embora se trate de sub-rogação, e não de cessão, a inovação legislativa conferida pelo parágrafo 5º do artigo 83 da LRF trata que os créditos cedidos a qualquer título manterão sua natureza e classificação, portanto, infirmando a tese de incompatibilidade da lei com a transferência dos privilégios decorrentes da natureza trabalhista do crédito”, afirma no voto a juíza substituta em segundo grau Camila Nina Erbetta Nascimento, ao reverter decisão de primeira instância (processo nº 5513032-69.2021.8.09.0000).
A 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) também tem reconhecido o direito. Em janeiro, os desembargadores permitiram a inclusão de R$ 33,7 mil de uma tomadora de serviços na classe trabalhista (processo nº 2255493-12.2021.8.26.0000).