Valor Econômico
Com placar apertado, julgamento foi suspenso e será retomado na próxima semana
Por Bárbara Pombo
O Supremo Tribunal Federal (STF) ficou dividido sobre um caso em que se discute a validade de normas coletivas que restringiram direito trabalhista.
Cinco ministros entenderam por manter decisões da Justiça do Trabalho que não aplicaram acordos coletivos firmados entre transportadoras e motoristas. Nas ações, os profissionais pediam pagamento de horas extras. Outros quatro ministros, porém, entendiam por derrubar as decisões. Entendiam que a norma coletiva deve prevalecer sobre o legislado.
Com o placar apertado, o julgamento foi suspenso até a próxima quarta-feira, quando os ministros Luiz Fux e Dias Toffoli votarão.
“Essa balança ainda não pendeu para nenhum lado”, resumiu o presidente da Corte, ministro Luiz Fux, antes de encerrar a sessão de hoje.
A análise está centrada em caso anterior à reforma trabalhista (Lei nº 13.467, de 2017). Com a alteração da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) há cinco anos, passou-se a prever expressamente que a convenção e o acordo coletivos de trabalho têm prevalência sobre a lei em determinadas situações.
Os ministros analisam a questão a partir da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 381. A ação foi movida pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT), que reúne 27 federações e cinco sindicatos. Essas entidades representam 164 mil empresas, que empregam 2,3 milhões de pessoas.
O julgamento começou na quarta-feira, com a sustentação oral dos advogados e a leitura de parte do voto do relator, ministro Gilmar Mendes. Hoje, ele concluiu a leitura do voto e outros oito ministros se manifestaram.
A discussão chegou ao STF em 2015, depois que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e os tribunais regionais do trabalho (TRT´s) passaram a invalidar cláusulas de convenções coletivas celebradas entre transportadoras e motoristas profissionais. A Justiça Trabalhista, com isso, condenou empresas ao pagamento de horas extras e de períodos trabalhados em dias de descanso.
O entendimento, à época, era o de que aos motoristas – ainda que façam trabalho externo – não poderia ser aplicada uma exceção prevista na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Prevê o artigo 62, inciso I, que não se aplicam as regras de jornada de trabalho previstas na CLT para os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho.
Para os juízes trabalhistas, porém, os empregadores teriam condições de fazer o controle de jornada por meio de dispositivos eletrônicos. Os fatos que geraram os litígios aconteceram antes de 2012, quando entrou em vigor a Lei nº 12.619, que regulamentou a profissão de motorista e o controle da jornada do profissional.
Novas dinâmicas
Segundo o relator, ministro Gilmar Mendes, as negociações coletivas são reconhecidas pela Constituição Federal. Citando a pandemia da covid-19 e a situação dos nômades digitais (que trabalham remotamente de diversas partes do mundo), ainda afirmou que os acordos são benéficos, considerando as novas dinâmicas de trabalho e os momentos de crise econômica.
“Novas dinâmicas exigem criatividade a partir desses acordos. A jurisprudência do STF enfatiza a autonomia da vontade na negociação”, afirmou.
Precisa ser “urgentemente reavaliado” pela Justiça do Trabalho, disse o relator, a interpretação de normas coletivas com base em regras de direitos individuais do trabalhador e com base na primazia da realidade, regra na qual o que ocorre na relação de trabalho prevalece ainda que o contrato estipule algo diferente.
De acordo com o ministro, os limites das negociações coletivas devem ser buscadas nas jurisprudências do STF e do TST. Isso significa, segundo ele, que direitos assegurados por leis não podem ser suprimidos ou restringidos, a menos que exista autorização legal ou constitucional expressa para tanto.
Deu exemplos da redução de salário, de compensação de horários e jornada de trabalho em que há permissão da Constituição para limitação de direitos mediante negociação coletiva (incisos VI, XIII e XIV do artigo 7º).
O relator foi seguido pelos ministros Nunes Marques, André Mendonça e Alexandre de Moraes.
A ministra Rosa Weber, egressa da Justiça do Trabalho, divergiu. Entendeu que a ADPF sequer poderia ser analisada. Isso porque, ela explicou, as decisões questionadas não afastaram o que foi pactuado em acordos coletivos.
“Houve interpretação das normas a partir de fatos e provas no caso individual. Certo ou errado, à luz das provas, os tribunais entenderam pelo controle de jornada quando constatada viabilidade do controle ou de sua realização pelo empregador”, afirmou a ministra Rosa Weber.
Vice-presidente do STF, a ministra adiantou que vai analisar em outro processo a discussão sobre a prevalência do negociado sobre o legislado. Trata-se do Recurso Extraordinário nº 1121633, que estava pautado para a sessão de hoje e será julgado em repercussão geral, possivelmente na próxima semana.
No caso, uma mineradora questiona acórdão do TST que derrubou cláusula que nega o pagamento como extra das horas in itinere, tempo gasto pelo trabalhador no deslocamento entre casa e trabalho.
Seguiram a divergência os ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e a ministra Cármen Lúcia. O ministro Roberto Barroso entendeu que a ADPF poderia ser analisada, mas ponderou que não se trata de saber se o acordo prevalece sobre o legislado. Ele pontuou que, em relação ao caso concreto dos motoristas, a cláusula da norma coletiva é válida desde que exista impossibilidade real de fazer o controle da jornada.
“O acordo se aplica sobre pressuposto da impossibilidade de comprovação [da jornada] e não da possibilidade de impor ao trabalhar carga horária superior à permitida”, afirmou.