Qual a temperatura do mercado de trabalho?

O Estado de S.Paulo – Coluna Fernando Dantas

Um dos muitos pontos de difícil intepretação do atual cenário econômico brasileiro é por que os núcleos de inflação estão pressionados, se há tanta ociosidade no mercado de trabalho.

Que a inflação como um todo esteja alta é bem compreensível levando-se em conta os muitos choques de oferta da pandemia e, agora, da guerra.

Mas o espalhamento da inflação para os itens mais sensíveis à demanda, afetando os núcleos, supostamente deveria ser mitigado pelas condições ruins do mercado de trabalho – no qual, inclusive, a renda vem caindo com força.

Em relatório datado de ontem, o economista Vinicius Moreira, da JP Morgan Securities LLC em Nova York, traz uma possível resposta a essa questão, e muito simples: o mercado de trabalho, na verdade, está bem menos desaquecido do que sugerem a taxa de desemprego e a taxa de participação.

De forma muito interessante, Moreira aplica ao Brasil análise similar à de trabalho acadêmico recente dos economistas Alex Domash e Lawrence Summers (ex-secretário do Tesouro dos EUA), ambos de Harvard, na qual o foco naturalmente é o mercado de trabalho norte-americano. Esta coluna abordou justamente o trabalho de Domash e Summers em 18/2.

O “pulo do gato” em ambos os trabalhos é trazer também para a análise medidas do mercado de trabalho pelo lado da demanda, isto é, das empresas. E aí examinar quais termômetros, incluindo os tradicionais pela oferta, como a taxa de desemprego, capturam melhor os impactos do mercado de trabalho, via alta de salários, na inflação.

No caso dos economistas americanos, eles usaram, em termos de medidas pelo lado da demanda, a “job vacancy rate”, número de vagas de emprego sem achar um trabalhador para ocupá-las dividido pela população ocupada mais essas vagas não ocupadas; e a “quits rate”, número de pessoas empregadas num determinado mês que pedem demissão neste mesmo mês dividido pelo total de pessoas empregadas no mesmo mês.

Resumidamente, o resultado obtido por Domash e Summers é que o melhor poder preditivo de pressões inflacionárias encontra-se numa taxa de desemprego alternativa, “prevista” a partir de exercício com regressões econométricas da taxa oficial pela ‘job vacancy rate e a ‘quits rate’. E essa taxa alternativa de desemprego está baixíssima, indicando fortes pressões inflacionárias nos Estados Unidos.

Um problema inicial de Moreira, do JP Morgan, é que o Brasil não tem “job vacancy rate” e “quits rate” calculadas nacionalmente para a totalidade do mercado de trabalho. Mas o economista toma os “desligamentos a pedido” do Caged para chegar a uma “quits rate” brasileira, obviamente com a ressalva de que o Caged refere-se ao mercado de trabalho formal. O setor informal responde por cerca de 40% do mercado de trabalho brasileiro.

Para as variáveis tradicionais do mercado de trabalho, Moreira utiliza a PNADC mensalizada e encadeada com a PME para o período anterior a 2012. Assim, a análise é feita com base na evolução mensal da taxa de desemprego, da taxa de participação, do crescimento (inflação) dos salários e da “quits rate” formal.

O economista encontra inicialmente que a taxa de desemprego prediz melhor a inflação salarial no Brasil do que a taxa de participação.

Mas o achado principal é que uma “taxa de desemprego pelo lado das firmas” – construída, como no caso americano, pelo processo de fazer uma regressão da ‘quits rate’ na taxa de desemprego tradicional – tem um poder preditivo maior sobre a evolução dos salários nominais do que a taxa de desemprego tradicional.

Essa taxa de desemprego pelo lado das firmas em dezembro de 2021 estava em torno de 7%, cerca de 3,6 pontos porcentuais (pp) abaixo da taxa de desemprego mensalizada do mesmo mês, segundo o autor.

O âmago da conclusão principal é que a trajetória dessa taxa de desemprego pelo lado das firmas explica melhor o comportamento dos núcleos de inflação no Brasil desde que a pandemia começou, revelando hoje um mercado de trabalho mais pressionado do que a taxa de desemprego tradicional sugere.

Moreira nota que a taxa de desemprego pelo lado das firmas mostra forte piora do mercado de trabalho no início da pandemia, mas seguida de um início de recuperação em agosto de 2020, quando a atividade voltou a crescer, enquanto a taxa de desemprego tradicional só começou a cair em janeiro de 2021.

O autor faz várias ressalvas às suas próprias conclusões, derivadas da já mencionada questão da informalidade (que está fora do Caged) e de mudanças metodológicas recentes no próprio Caged. Porém, ainda assim, a análise parece um passo bastante válido para entender o que está acontecendo com a inflação no Brasil.

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