Número de empregados sem carteira assinada bate recorde; entenda as diferenças entre PJ e CLT

G1

Trabalhadores sem carteira assinada costumam ser contratados como pessoas jurídicas, que é diferente do emprego com carteira assinada. O PJ não tem direitos trabalhistas, como 13º salário, FGTS e seguro-desemprego, já que não tem vínculo formal com o contratante.

Por Marta Cavallini

O número de empregados sem carteira assinada no setor privado ficou em 12,5 milhões de pessoas no trimestre terminado em abril, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Trata-se do maior número da série histórica da pesquisa. No ano, foram incluídos 2,2 milhões de pessoas nessa condição – alta de 20,8%.

Já o número de trabalhadores por conta própria (25,5 milhões de pessoas) subiu 7,2% no ano, com a inclusão de mais 1,7 milhão de pessoas.

Os trabalhadores com carteira assinada somam 35,2 milhões, com alta de 11,6% (mais 3,7 milhões) no ano. É o maior contingente com carteira desde o trimestre encerrado em abril de 2016.

Dos 96.512 de ocupados no trimestre, os empregados CLT são 36,5% do total, os sem carteira são 13%, e os por conta própria são 26,5%.

Os trabalhadores sem carteira assinada ou por conta própria costumam ser contratados como pessoas jurídicas, com CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica), que é diferente do emprego com carteira assinada porque o profissional PJ não tem direitos trabalhistas como 13º salário, FGTS e seguro-desemprego, já que não tem vínculo formal com a empresa contratante. Veja abaixo as diferenças entre os dois modelos de contratação.

Diferenças entre PJ e CLT

Quem trabalha dentro do regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) tem carteira assinada, com direito a férias remuneradas, 13º salário, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), seguro-desemprego, aviso prévio, entre outros benefícios trabalhistas. No entanto, há empresas que optam por contratar profissionais que são pessoas jurídicas, com CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica).

Esses profissionais contratados como PJ têm uma empresa aberta em seu nome e se tornam prestadores de serviços para a empresa contratante, emitindo notas fiscais. Eles não têm nenhum direito trabalhista previsto na CLT, porque não se trata de uma relação de emprego.

Dentro dessa modalidade de profissionais com CNPJ entram por exemplo os microempreendedores individuais (MEIs) e os microempresários (MEs). A diferença entre os dois tipos está no faturamento anual, nas atividades e número de funcionários permitidos e no regime de tributação.

De acordo com o advogado trabalhista Eduardo Pragmácio Filho, quando se contrata a prestação pessoal de um serviço, com habitualidade, salário e sob ordens, há o vínculo de emprego, conforme o artigo 3º da CLT. Nessas circunstâncias, o empregador, que é o tomador dos serviços, possui algumas obrigações e encargos trabalhistas e previdenciários, como recolher FGTS e o INSS patronal, pagar férias e 13º, assinar a carteira de trabalho, entre outros.

“Para fugir desses encargos trabalhistas e previdenciários, as empresas optam por contratar essas pessoas mediante a emissão de notas fiscais emitidas pelos prestadores de serviços, em um fenômeno popularmente conhecido como pejotização, em referência às iniciais de pessoa jurídica (PJ)”, explica.

Pragmácio destaca que o trabalhador que recebe salário em sua pessoa física (CPF), registrado em carteira, paga imposto de renda com alíquotas de até 27,5%, enquanto como PJ pode pagar menos tributo.

“Essa modalidade de contratação, no entanto, é arriscada para as empresas, podendo gerar passivos trabalhistas e previdenciários enormes, além de levar à fiscalização da inspeção do trabalho e investigação do Ministério Público do Trabalho, podendo gerar multas e risco em sua reputação”, alerta.

Esses problemas aos quais se refere o advogado ocorrem quando o profissional com CNPJ exerce o mesmo papel do empregado celetista, pois nesse caso fica caracterizado o vínculo empregatício.

O advogado trabalhista Danilo Pieri Pereira explica que todo trabalho prestado pessoalmente, de forma habitual, remunerada e mediante subordinação a um empregador resulta em vínculo de emprego.

Em caso de processo judicial, é possível que o profissional obtenha êxito no reconhecimento da relação empregatícia, tendo direito ao que os demais trabalhadores com carteira assinada recebem, como férias remuneradas, 13º salário e FGTS. Veja abaixo o que caracteriza o vínculo de emprego:

Elementos típicos da relação de emprego:

Subordinação – o empregador é quem dirige e chefia a prestação dos serviços
Remuneração – também chamada de onerosidade, que é o pagamento contínuo pelos serviços prestados
Pessoalidade – somente a pessoa prestadora pode realizar os serviços, não podendo ser substituída por outro profissional
Habitualidade – serviços prestados de forma contínua e não esporadicamente

Exemplos de situações que caracterizam o vínculo empregatício:

Tem que responder a um chefe
Recebe remuneração de forma periódica
Realiza tarefas preestabelecidas
Cumpre horário pré-determinado
Presta serviço apenas para uma empresa

A advogada trabalhista Bianca Canzi alerta que, para entrar com ação trabalhista, o profissional deve comprovar o vínculo empregatício.

Entretanto, Pereira vê o trabalhador com CNPJ como uma alternativa em momentos de crise econômica como a gerada pela pandemia.

“Sempre que a pessoa desejar empreender, não estar presa a uma prestação de serviços subordinada e tiver a intenção de ingressar no mercado de trabalho prestando serviços de forma autônoma, pode ser interessante a abertura de empresa e registro do respectivo CNPJ”, diz.

“Mas não se pode confundir com empregado o pequeno empreendedor, formalizado como pessoa jurídica, que presta serviços com autonomia para um ou mais tomadores de serviços. São vários exemplos, como o parceiro em salão de beleza, o representante comercial autônomo, o transportador autônomo de cargas, microfranqueado e tantos outros”, ressalta Pragmácio.

Direitos do PJ

O MEI e o ME têm direito a aposentadoria por invalidez, idade ou tempo de contribuição, além de auxílio-doença e salário-maternidade. Para o MEI, a contribuição mensal para o INSS equivale a 5% do salário mínimo, acrescida do ICMS ou ISS. Já para o microempresário a contribuição previdenciária varia de 11% a 20% do salário mínimo.

Já o seguro-desemprego é pago a quem tem carteira assinada e que foi demitido sem justa causa. E, se o trabalhador tiver CNPJ aberto no momento da demissão, terá o benefício negado.

Segundo Pereira, como apenas pessoas físicas (com CPF) podem deter a condição de empregados, é juridicamente impossível o pagamento do seguro-desemprego a pessoas jurídicas (com CNPJ). “Para a ótica da Receita Federal, o registro de MEI possibilita ao profissional receber renda justamente através de sua microempresa”, diz.

“O seguro-desemprego é destinado a pessoas que não tenham outra fonte de renda. Assim, o registro na Receita Federal se torna o sinônimo de faturamento”, enfatiza Bianca Canzi. A advogada ressalta, entretanto, que o MEI pode ter direito ao seguro-desemprego caso não tenha renda mensal igual ou superior a um salário mínimo.

“Porém, essa regra não tem sido respeitada. O sistema tem negado o benefício do seguro-desemprego para microempreendedores individuais, independente da renda mensal. Neste caso, o MEI deve tentar resolver de forma administrativa, comprovando que não possui nenhum outro tipo de renda ou que o faturamento não é suficiente. Caso não resolva, deverá procurar um advogado para ingressar na Justiça”.

A comprovação da renda pode ser feita através de extrato bancário ou pela declaração de Imposto de Renda.

Quem tem CNPJ pode ter carteira assinada

De acordo com Eduardo Pragmácio Filho, quem tem um CNPJ pode trabalhar como empregado com carteira assinada. Ele cita como exemplos um médico empregado de um hospital e que é sócio de uma clínica, ou um advogado sócio de um escritório e empregado de uma universidade.

“Uma coisa não exclui a outra. O que seria muito estranho, no entanto, é a pessoa ser empregada de uma empresa e, ao mesmo tempo, ser prestadora de serviços via PJ para essa mesma empresa, o que poderia levantar suspeita de pagamento de parte do salário via nota fiscal. Se uma pessoa tem uma empresa aberta (CNPJ) terá sempre a obrigação contábil de mantê-la em dia com as declarações ao Fisco”, explica.

Entretanto, os microempreendedores individuais (MEIs) só podem ter emprego formal se as atividades exercidas nas duas modalidades não forem compatíveis. Pragmácio cita o exemplo de um auxiliar de serviços gerais empregado de uma empresa que, aos fins de semana, trabalha vendendo sanduíche na praia como empreendedor autônomo.

“A atividade do MEI não pode gerar uma espécie de concorrência com o empregador, o que pode levar até a uma demissão por justa causa, por concorrência desleal. Ou seja, ser MEI numa atividade diretamente concorrente ao da empresa em que trabalha”, esclarece.

Segundo ele, é comum a pessoa abandonar seu CNPJ após conseguir emprego com carteira assinada e depois ter de pagar tributos atrasados, multas por falta de declarações, além de o fato de estar com o registro aberto impedir o recebimento do seguro-desemprego.

https://g1.globo.com/trabalho-e-carreira/noticia/2022/06/01/numero-de-empregados-sem-carteira-assinada-bate-recorde-entenda-as-diferencas-entre-pj-e-clt.ghtml

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