Valor Econômico – 10/02/2022 –
Dos 11,675 milhões de jovens entre 15 e 29 anos que não estudam nem trabalham no Brasil, os chamados nem-nem, quase metade (48%, ou 5,6 milhões em números absolutos) estão nas regiões Norte e Nordeste. A participação é bem maior que os 38% que essas regiões representam do contingente total de jovens nessa faixa etária no país, segundo levantamento exclusivo da IDados para o Valor feito a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do terceiro trimestre de 2021, último dado disponível para o indicador regional. Pobreza, mercado de trabalho menos dinâmico e escolas públicas mais precárias estão entre as razões apontadas por especialistas para explicar a incidência maior do fenômeno nessas regiões.
O problema também pode ser visto sob outro ângulo: a proporção de nem-nem no total dos jovens na faixa etária entre 15 e 29 anos. Nesta comparação, os nem-nem representam 23,7% desses jovens, na média brasileira. Mas esse percentual é de 30,6% no Nordeste e de 26,6% no Norte. Há Estados com índices ainda mais preocupantes, como Maranhão (36%), Amapá (34,9%), Alagoas (34,1%) e Rio Grande do Norte (30,8%). A diferença também aparece quando se compara com outras regiões brasileiras: 16,1% no Sul, 19,7% no Centro Oeste e 21,2% no Sudeste.
“Os dados mostram um desbalanceamento entre a presença dos nem-nem desses Estados no total nacional, o que sugere uma concentração maior”, diz o professor da Uerj e economista da IDados Bruno Ottoni, que fez o estudo.
Essas disparidades regionais já eram uma realidade antes da pandemia. No quarto trimestre de 2019, a proporção de nem-nem em relação aos jovens de 15 a 29 anos era de 24% no Brasil e de 35,6% no Maranhão, 28,6% no Amapá e 31,1% em Pernambuco. No período inicial da crise sanitária, a incidência de nem-nem avançou como um todo no país e vem melhorando nos últimos trimestres, como reflexo da reação do mercado de trabalho, ainda que com vagas mais precárias, explica professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) João Saboia. Naquele momento inicial da pandemia, lembra ele, houve forte redução da população ocupada, além do fechamento das escolas ter contribuído para o abandono de alunos.
O padrão de concentração maior em Estados do Norte e Nordeste, no entanto, se manteve sem alterações. Naquele segundo trimestre de 2020, quando a proporção de nem-nem do total de jovens entre 15 e 29 anos chegou a 29,9% na média brasileira, esbarrou em 40% em alguns desses Estados, como Alagoas (42,6%), Maranhão (40,5%), Paraíba (39,5%) e Pernambuco (39,2%). “A grande diferença se deve às enormes desigualdades regionais do país”, diz ele.
A fraqueza do mercado de trabalho dessas regiões fica clara nas taxas de desemprego, tradicionalmente mais elevadas que a média brasileira e também de Estados mais desenvolvidos. No terceiro trimestre de 2021, último dado do IBGE disponível, por exemplo, o desemprego médio no Brasil estava em 12,6%, mas era de 16,4% no Nordeste, maior taxa entre as as cinco regiões brasileiras. Em alguns Estados, se aproximava dos 20%, como em Pernambuco (19,3%), Bahia (18,7%) e Alagoas (17,1%). Na região Norte, a média fica em 12%, mas há também situações extremas, como Amapá (17,5%) e Maranhão (15%).
“Os jovens já enfrentam mais dificuldade para conseguir trabalhar por causa da falta de experiência. Em mercados de trabalho com mais desemprego, essa dificuldade se intensifica”, ressalta Ottoni.
Na avaliação da professora do Departamento de Economia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) Valéria Ferreira Santos de Almada Lima, a “desestruturação” desses mercados de trabalho favorece essa proporção maior de jovens que não trabalham nem estudam nessas regiões. Nesses mercados menos dinâmicos, diz ela, é maior a tendência de empresas exigirem grau maior de escolaridade e experiência mesmo para vagas que seriam de menor qualificação. “É como um filtro para entrar no mercado”, afirma. Este tipo de prática aumenta ainda mais o chamado desemprego de inserção, que é aquele no início da vida profissional do indivíduo. “Há um ciclo vicioso. O jovem não consegue trabalho porque não tem experiência, mas também não adquire experiência profissional por falta de oportunidades”, lembra.
Mas a professora, que coordena o eixo trabalho do Observatório Social e do Trabalho da UFMA, também inclui a pobreza como fator importante para essas disparidades nos índices de nem-nem. Ela lembra que o fenômeno dos nem-nem é mundial, diante do novo contexto do mercado de trabalho, com mais precarização, mas que existe uma relação entre a pobreza e o maior desemprego.
“Não é mera coincidência que os dados mostrem que a incidência é maior exatamente nas regiões mais pobres do país. Onde tem mais pobreza, há menos oportunidades de postos de trabalho e o mercado é mais seletivo. Não é à toa que o Maranhão, um dos Estados mais pobres do Brasil, tenha também o maior índice de nem-nem”, diz ela, complementando. “O fenômeno do nem-nem não atinge só a classe mais pobre, mas aqueles com piores condições tendem a enfrentar mais dificuldades”.
Em regiões mais pobres, a tendência também é de sistemas educacionais mais precários e, portanto, mais suscetíveis à evasão escolar. O aspecto é apontado por João Saboia como mais uma influência para concentração maior de nem-nem nas regiões Norte e Nordeste.
“É o subdesenvolvimento local que produz mais nem nem no Norte e Nordeste. Um mercado de trabalho pouco desenvolvido e escolas públicas mais precárias desincentivam o estudo e o trabalho de jovens”, afirma.
Para a professora da Universidade Federal do Maranhão, a redução da proporção de jovens que não estudam nem trabalham no país passa por políticas para reduzir a evasão escolar, aumentar a qualificação profissional e também facilitar a entrada no mercado de trabalho.
“Não adianta só investir em educação e em qualificação profissional. É preciso encaminhamento para o mercado de trabalho. Ficou para trás o tempo em que só qualificação era garantia de emprego”, defende ela.
Uma das principais preocupações em relação aos nem-nem é o tempo de permanência nesta condição. Bruno Ottoni ressalta que, assim como no caso do desemprego de longa duração, quanto mais demorada for esta fase, maior é a perda de capital humano, que tende a dificultar ainda mais sua inserção no mercado e comprometer a trajetória profissional desses jovens.
“É um jovem que vai perdendo capital humano porque esquece o que aprendeu ou que aprendeu vai ficando defasado. E tem um problema maior ainda é que não acumula experiência no mercado de trabalho, o chamado ‘learning on the job’. No fim das contas, só vai tornando mais difícil sua entrada. E isso tem consequências para o jovem e para o país, que investiu desse jovem, a despeito do debate se a educação foi boa ou ruim”.