Home office e tributação previdenciária

Valor Econômico – 04/11/2021 –

Artigo de Carlos Henrique de Oliveira e Henrique Wagner de Lima Dias

Em decorrência da pandemia da covid-19 e apesar das recentes flexibilizações das medidas de restrições, muitas empresas passaram a incorporar o regime de trabalho remoto (home office) de forma integral ou híbrida. Com isso, surgiram muitas dúvidas referentes aos limites da responsabilidade dos empregadores sobre os empregados em regime de trabalho remoto e a respectiva tributação previdenciária.

Em termos previdenciários, a ausência dessas normas gera margem para distorções no âmbito do Fator Acidentário de Prevenção (FAP) das empresas, cujo índice varia entre 0,5 a 2, calculado anualmente pela Previdência Social. O FAP é multiplicado pela alíquota do RAT, os Riscos Ambientais do Trabalho (antigo Seguro Acidente de Trabalho – SAT), que varia entre 1%, 2% ou 3%, servindo-se para dobrar ou reduzir pela metade a alíquota total a recolher sobre toda a folha de salários mensal da empresa.

Frise-se que o FAP é calculado levando em consideração o desempenho da empresa em relação à respectiva atividade econômica, a partir dos índices de frequência, gravidade e custo de acidentalidades. Ou seja, quanto mais acidentes/doenças no estabelecimento empresarial, maior o custo da Previdência em concessão de benefícios e, consequentemente, maior o índice a ser imputado à empresa.

Atente-se à grande influência que o local da prestação do trabalho tem na definição do FAP aplicável. Inegável que é no ambiente de trabalho que se consubstancia os aspectos de saúde e segurança aos quais o empregado está exposto, cujo empregador é o responsável.

Ocorre que, diante da ausência de norma sobre home office, quais seriam os limites da responsabilidade do empregador pelo empregado que desempenha suas funções em casa? Qual seria o investimento necessário em saúde e segurança no trabalho para se evitar uma queda, uma enfermidade ou patologia desenvolvida por um empregado em casa?

Ora, não há dúvidas de que se esse agravo ocorreu durante a jornada laboral o FAP seria impactado, mas a controvérsia gira em torno da comprovação de que esse acidente ocorreu em razão de falha do empregador para com o empregado em casa.

Outra questão afetada pelo home office recai sobre o enquadramento do RAT. Suas alíquotas e os respectivos graus de risco de atividades econômicas, identificadas pelo código CNAE, foram fixadas com base nas estatísticas de acidentes de trabalho.
Isto é: quanto maior o risco da atividade, maior a alíquota de RAT que o contribuinte que exerce tal atividade deverá recolher.

Em síntese, para fins de enquadramento da atividade para o RAT, havendo mais de uma atuação empresarial, o enquadramento mensal deve se dar pela atividade preponderante, que por expressa disposição regulamentar é aquela que ocupa a maior parte de seus segurados (empregados e trabalhadores avulsos), e não a que ostenta maior faturamento.

Nesse contexto, se houver deslocamentos de funcionários que resulte em alteração de atividade preponderante, a empresa deverá então revisitar a CNAE previdenciária e avaliar se naquela competência foi aplicada a classificação correta.

O que ocorre, na prática, se a maioria dos funcionários de um estabelecimento foram deslocados ao regime de trabalho remoto? De plano, salientamos que os contribuintes não encontrarão uma CNAE específica para essa atividade.

Preliminarmente porque ainda não foi elaborado estudo pelo Concla/IBGE sobre essa atividade e tampouco qualquer estudo previdenciário avaliando grau de risco para a atividade desenvolvida a partir de casa. Realmente, não há como negar que as mais diversas variantes prejudicam um cálculo assertivo.

O deslocamento do local de trabalho de um empregado do estabelecimento da empresa para a residência do trabalhador altera a atividade desenvolvida por esse empregado? Um vendedor, um projetista, um advogado, um contador que deixe de trabalhar “on site” para laborar “in home” altera a sua contribuição para a atividade econômica desenvolvida pela empresa? Em princípio, não!

Porém, ao recordarmos que a definição da CNAE aplicável deve ser encontrada a partir da atividade econômica em cada estabelecimento, se nos parece correto afirmar que não há alteração da atividade exercida pelo trabalhador quando transferido para o home office, é inegável que existe alteração do local de trabalho. Tal mudança nos obriga a perquirir se houve alteração de estabelecimento ao qual o trabalhador se encontra vinculado.

Por óbvio que ocorre alteração do local de trabalho, mas do ponto de vista da legislação previdenciária, há alteração do estabelecimento ao qual o trabalhador pertence?

Tal resposta, ao nosso ver, depende de regulamentação. Regulamentação essa de vital importância uma vez que ao se considerar que houve alteração, o estabelecimento de origem pode, em razão da diminuição de trabalhadores a ele vinculado, ter sua atividade econômica preponderante alterada o que, como visto, pode impactar a alíquota RAT a ele aplicável.

Para além da questão tributária, não podemos esquecer a necessidade de normatização para resguardar não só o direito dos trabalhadores a um meio ambiente de trabalho saudável, mormente se a prestação de serviços se der em seu domicílio, como também a necessidade da empresa em conhecer suas obrigações e, com segurança jurídica, afastar qualquer responsabilização ao cumpri-las.

Carlos Henrique de Oliveira e Henrique Wagner de Lima Dias são, respectivamente, bacharel e doutor em Direito do Trabalho e Seguridade Social pela USP e presidente do Comitê de Tributação Previdenciária e Reforma Tributária da Associação Brasileira de Advocacia Tributária (Abat); e bacharel e especialista em Direito Tributário pela FGV Direito SP e e secretário executivo do Comitê de Tributação Previdenciária e Reforma Tributária da Abat.

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