Valor Econômico
Na classe A, 55% estão no remoto total ou parcialmente. Parcela cai para 36% na faixa D/E
Por Lucianne Carneiro
Mais comuns no mundo do trabalho após o arrefecimento da pandemia, os formatos híbrido e remoto são uma realidade mais presente na vida dos trabalhadores de renda mais alta do que entre aqueles de grupos com renda menor. Pesquisa inédita encomendada pelo Loft Analytics (núcleo de dados do grupo Loft, do setor imobiliário) e antecipada ao Valor mostra que mais da metade (55%) dos trabalhadores da classe A revelaram trabalhar atualmente no formato híbrido ou apenas remoto. Na outra ponta, entre aqueles pertencentes às classes D e E, a parcela é bem menor, de 36%.
Quando se considera exclusivamente o trabalho remoto, no entanto, a análise é um pouco diferente. Na classe A, o formato é adotado por 9% dos entrevistados, enquanto nas classes D/E é um percentual maior, de 19%. O trabalho exclusivamente presencial, por sua vez, é mais frequente nas classes C (63%) e D/E (64%) que nas classes A (45%) e B (51%). A diferença, no caso do trabalho remoto, pode estar relacionada ao empreendedorismo entre a população de mais baixa renda, que usa a própria casa para gerar rendimento, segundo o líder do Loft Analytics, Fabio Takahashi.
“É possível que esse trabalho remoto maior nas classes D/E esteja, sim, associado a formas de trabalho por necessidade, principalmente considerando que nossas perguntas não visavam captar apenas a população em home office, mas em qualquer atividade que gerasse renda dentro do lar”, afirma.
O resultado aponta para a principal motivação da pesquisa, segundo ele, que era mostrar a diversidade do trabalho em casa para além do home office, considerando as diferenças entre classes econômicas e regiões do Brasil. “Quando se fala que as pessoas trabalham de casa, o mais comum é a imagem da pessoa na frente do computador. Mas a pesquisa captou o que estava acontecendo além disso, até que tipo de atividade estava acontecendo para gerar renda. Ficou clara essa diversidade entre as classes e as regiões”, explica.
Um dos pontos reveladores da pesquisa é a pergunta sobre que tipo de atividade a pessoa passou a realizar no domicílio com a pandemia. A resposta mais frequente foi o home office (28%), mas ocupações ligadas ao empreendedorismo também se destacaram, como cozinhar refeições/doces/bolos/salgados para venda (12%), vender produtos como roupas ou acessórios (10%), fazer bazares ou brechó (9%), ser representante/consultor de marca de cosméticos (6%), cultivar plantas para venda (6%) e fazer roupas ou serviços de costura (4%).
“A lista de atividades vai muito além do home office, e mostrou uma adaptação rápida de sobrevivência à situação”, destaca.
O estudo também traz informações regionais sobre o formato de trabalho. Na média brasileira, 60% da população economicamente ativa (em idade de trabalhar) adota o formato exclusivamente presencial. A prática é menos frequente nas regiões Nordeste (53%) e Sul (56%) que no Centro-Oeste (67%), no Sudeste (64%) e no Norte (62%). Já o trabalho apenas remoto está em 14% na média brasileira, mas varia entre 10% (Centro-Oeste) e 15% (Nordeste).
Com o título de “O que mudou nos lares brasileiros em dois anos de pandemia”, o levantamento foi realizado pela empresa de pesquisas Offerwise, por encomenda da Loft Analytics, que entrevistou 1.500 pessoas entre os dias 28 de fevereiro e 3 de março. A amostra busca reproduzir o perfil da população adulta brasileira. Esta é a primeira pesquisa divulgada pelo Loft Analytics, criado em março para disseminar informações sobre o mercado imobiliário. O núcleo é parte do grupo Loft, liderado pela startup que é uma das maiores plataformas de compra e venda de apartamentos residenciais do mundo e que reúne outras empresas ligadas ao setor imobiliário.
Eva Furtuoso Silva, de 39 anos, é uma das brasileiras que passaram a trabalhar de casa na pandemia. Moradora de Niterói, no Rio de Janeiro, era funcionária de um restaurante, ficava muitas horas fora de casa, mas já fazia bolos fora do horário comercial para complementar a renda.
Alguns meses depois que perdeu a irmã de covid-19, em 2021, no entanto, decidiu pedir demissão para acompanhar mais de perto a mãe, que ainda não tinha se recuperado e se sentia muito sozinha. Passou a cozinhar também refeições, criou um perfil no Instagram e conta com a ajuda de um motorista para levar as encomendas quando os pedidos ficam distantes do Largo da Batalha, onde mora.
“Trabalhar de casa, como empreendedora, não é fácil. Estou aprendendo aos trancos e barrancos, mas hoje consigo organizar melhor minha rotina. Ainda não consegui alcançar a renda que tinha antes, mas sei que estou no caminho. Não me arrependo da minha decisão”, conta.
As tendências detectadas na pesquisa devem ser “olhadas com muita atenção” pelo mercado imobiliário, de acordo com Takahashi, por alterarem o tipo de imóvel necessário para a rotina de cada grupo diferente, seja por classe econômica ou por região do país. “Fica claro que uma boa parcela da população não vê o lar como aquele local aonde volta no fim do dia. É preciso oferecer espaços, distribuições dos imóveis que contemplem essa outra atividade, que considere o lar como local de geração de renda. E isso varia por classe e região”.
Na média brasileira, pouco mais de um terço dos entrevistados (35%) diz trabalhar em um cômodo exclusivo dentro da casa, enquanto 26% o fazem de um cômodo compartilhado, 19% trabalham em um local fora da casa (garagem ou quintal) e 26% não têm local específico para trabalhar na casa.
Ao falar sobre o cômodo do trabalho na casa, a maioria (71%) conta que ele já existia, mas quase um quinto (18%) dos entrevistados afirmaram que fizeram melhorias ou reformas depois da pandemia e 11% dizem que foi um espaço que conquistaram após mudança durante a pandemia.