Valor Econômico
Entre líderes, 41% erraram ao recrutar no último ano, segundo levantamento da Robert Half em fevereiro
Por Jacilio Saraiva
Deu ruim. Foi assim que um líder de uma grande empresa analisou para um colega de diretoria uma contratação que havia acabado de fazer. Em três semanas, percebeu que o executivo de bom currículo que conheceu em longas chamadas de vídeo não ia dar conta de um projeto estratégico na companhia – na verdade, o trabalho já estava à beira do fiasco. “Nada nas entrevistas que fizemos indicava que ele não era a pessoa adequada à função”, disse o gestor, em condição de anonimato, ao Valor. A situação está longe de ser incomum.
De acordo com pesquisa realizada em fevereiro pela empresa de recrutamento Robert Half, 41% das lideranças assumem ter feito alguma contratação equivocada no último ano. A sondagem ouviu 300 executivos brasileiros do C-Level, entre gerentes gerais, CIOs (diretores de https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg) e CFOs (chefes financeiros).
Entre os fatores que mais contribuem para tropeços durante o recrutamento estão checar apenas as habilidades técnicas, em detrimento das comportamentais (68%); acelerar o processo de seleção (65%), escolher um candidato cujas competências não correspondam aos requisitos do cargo (54%) e analisar mal as referências e experiências do profissional (49%).
“A maior parte dos prejuízos de uma contratação falha não é percebida rapidamente”, diz Maria Sartori, diretora associada da Robert Half. “Por isso, as admissões erradas são tão perigosas para as companhias. Elas geram malefícios que, no dia a dia, podem passar despercebidos, mas que impactam, negativamente e de forma sorrateira, todo o negócio.”
De acordo com o estudo, para 81% das chefias os estragos causados por um convite mal feito são mais devastadores para as empresas do que há um ano. Além das perdas financeiras em um período de contas apertadas, os principais danos causados por um gestor sem “match” para um posto são queda na produtividade do departamento envolvido e derretimento dos índices de engajamento das equipes.
Parte desse quadro foi detectada por Carlos Toledo, diretor executivo de pessoas e cultura da seguradora Zurich, quando se deparou com uma convocação fora dos trilhos, em 2021. A empresa com 1,4 mil funcionários no Brasil havia recrutado uma liderança para a área comercial em São Paulo e esperava novas estratégias de vendas. “Já no segundo mês percebemos ruídos de relacionamento com os liderados e com as áreas que o executivo tinha ‘interface’”, diz. “A experiência técnica apresentada era sólida, mas a aderência ao trabalho não foi compatível, o que dificultava as decisões de gestão”. O funcionário foi demitido ao completar três meses de experiência.
Como resultado, lembra Toledo, passamos por uma ineficiência na gerência do time e algumas diretrizes de negócios foram impactadas. A experiência fez a corporação acelerar melhorias nas contratações digitais – caso do contratado que não se encaixou – com uma adequação no fluxo de documentos de admissão e mais atenção na conexão com os valores corporativos. Se um talento tem proximidade com as “missões” da companhia, a adaptação cultural é mais fácil, analisa. “Nas entrevistas de ingresso, é preciso também focar no ‘background’ do currículo”, ensina. “Erros e acertos em projetos realizados oferecem um melhor entendimento das experiências de trabalho.”
O diretor não acredita que a falta de sintonia nas admissões está relacionada aos novos formatos de recrutamento, 100% remotos. “Já são um processo natural”, diz. “A contratação falha pode ocorrer tanto no modelo presencial quanto no on-line.”
De 2020 a 2022, a Zurich realizou 426 contratações, sendo 8% para a liderança. Com mais de 120 admissões ao ano, Toledo estima que de 10% a 15% foram consideradas “não efetivas”.
No mesmo ano da contratação que não prosperou, a corporação acertou ao preencher uma vaga de head de subscrição de seguros de vida. “Conseguimos revisitar o modelo de atuação da área e notamos uma gestão [de estilo] mais ‘coach’, com maior clareza das responsabilidades do time.”
Na opinião de Sandra Maura, CEO da TopMind, empresa de https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg com mais de 1,2 mil funcionários, a ocupação incorreta das cadeiras de decisão deve ser encarada como uma oportunidade para amadurecer os trâmites de recrutamento. “É importante darmos tempo para a pessoa se adequar ao que o cargo exige, mas caso não se encaixe no que precisamos, o correto é desligá-la e seguir em frente”, diz.
Este ano, a TopMind contratou um gerente de projeto ao conquistar um contrato com um cliente global. A admissão foi conduzida por meio de seleção híbrida, com etapas virtuais e presenciais. “Em três meses, identificamos que o executivo não tinha uma habilidade que a posição pedia”, lembra. “Faltava flexibilidade para as demandas do cliente.”
Maura explica que a TopMind costuma, sempre depois de uma admissão, usar os primeiros meses para alinhar expectativas, realizar as capacitações necessárias e listar necessidades de mudanças. “Todas essas etapas foram cumpridas, mas não foi possível seguir com o colaborador”, diz. “Ele não estava pronto para uma posição de gestão.”
A CEO destaca que não sofreu contratempos no contrato porque nenhuma atividade foi paralisada. “Mas houve um investimento grande em treinamentos, além do tempo gasto com alinhamentos que envolveram muitas pessoas.”
Para ela, a lição a ser aprendida é aperfeiçoar a comunicação com o mercado de trabalho, ao explicar o “DNA” da companhia. “Estamos investindo mais para que os currículos que entram aqui tenham o máximo de visibilidade sobre as expectativas para os cargos”, afirma. “Também passamos a incluir novas perguntas nas entrevistas, para uma avaliação melhor de perfil, com mais testes técnicos e comportamentais. Se algum candidato não tem as características para uma vaga específica, pode ser direcionado para outra posição.”
Depois das mudanças, a TopMind realizou cerca de 60 contratações, sendo 30% para cargos de comando, como gerente de projetos para a América Latina. Após os ajustes nas peneiras, conseguiu admitir um novo gestor para a mesma vaga que não deu certo antes. A empresa tem 80 posições em aberto, com 30% do total para líderes que podem atuar, a partir do Brasil, em projetos locais e em países como México e Colômbia.