Valor Econômico –
As empresas terão que controlar a jornada de trabalho de funcionários em home office ou firmar acordo coletivo para se livrarem da obrigação. A Medida Provisória (MP) nº 1.108, que tratou do trabalho híbrido, publicada na segunda-feira, alterou a legislação e passou a prever que apenas “empregados em regime de teletrabalho que prestam serviço por produção ou tarefa” podem ficar sem controle.
A reforma trabalhista (Lei nº 13.467, de 2017) havia liberado as empresas do controle de jornada, de forma geral. Para advogados ouvidos pelo Valor, a mudança agora, por meio de MP, é um retrocesso. O texto alterou o artigo 62, inciso III, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
De acordo com o advogado Fabio Medeiros, do escritório Lobo De Rizzo, essa previsão da MP foi muito mal recebida pelos empregadores. “Agora, em tese, a dispensa de controle de jornada somente caberia em caso de trabalho por produção ou tarefa. Situação que é muito impraticável na maioria dos casos de teletrabalho. As pessoas normalmente desempenham suas funções, sem haver um produto ou tarefa únicos ou específicos”, diz.
A saída agora, afirma Medeiros, será firmar acordo coletivo de trabalho para não precisar controlar a jornada de trabalho no regime remoto, na maioria dos casos. “A conclusão inicial é que houve um retrocesso. Antes bastava ser teletrabalho para não haver a obrigação de controle de jornada e horas extras.”
Mesmo com a previsão da reforma trabalhista, empresas preferiam controlar a jornada de seus funcionários, para estarem amparadas em caso de processos trabalhistas. A advogada Juliana Bracks, do Bracks Advogados, ressalta que alguns tribunais, como o regional do Rio de Janeiro (TRT-RJ), por exemplo, não levavam em consideração a previsão da reforma trabalhista que dispensava o controle de jornada.
“O TRT do Rio praticamente ignorava esse dispositivo por entender que, mesmo em home office, existem instrumentos tecnológicos para exercer o controle de jornada”, diz a advogada. “E nos casos em que existem provas de que o funcionário estava trabalhando fora do seu horário, como link de reunião on-line e pedidos de relatórios, o tribunal tem condenado ao pagamento de horas extras.”
O mesmo raciocínio deve ser aplicado pela Justiça do Trabalho, acrescenta Juliana, para os funcionários em home office que atuam por produção ou tarefas. “Do mesmo jeito vai depender de provas. Se houver prova que a demanda exigia mais de oito horas por dia de trabalho, pode haver condenação no Judiciário”, afirma a advogada.
A nova MP, porém, trouxe uma boa notícia às empresas, segundo os especialistas. Resolveu uma das principais dúvidas que surgiram com o avanço do home office: qual convenção coletiva aplicar, para estabelecer benefícios, pisos salariais e dissídios, uma vez que pode-se trabalhar em qualquer local.
Pelo parágrafo 7º do artigo 6º da MP, que altera o artigo 75-B da CLT, deve valer o local onde o empregado está lotado. Por exemplo, se o funcionário trabalha em São Paulo, mas a empresa tem sede no Rio e filial em Campinas, local da lotação do empregado, vale a convenção coletiva firmada em Campinas.
De acordo com o professor Ricardo Calcini, essa regra deve valer para efeitos de benefícios coletivos, como vale-refeição, plano de saúde e participação nos lucros e resultados, o que acaba por resolver a questão. A MP também esclarece, lembra, que para os funcionários brasileiros que vão morar no exterior vale a legislação brasileira (parágrafo 8ºdo artigo 6º).
Para a advogada Juliana Bracks, essas previsões dos parágrafos 7º e 8º resolvem a questão com relação ao chamado “anywhere office”. “A pessoa está em home office no Rio e resolve se mudar para Portugal, para o Rio Grande do Sul ou para Belo Horizonte. A empresa, às vezes, não sabe onde essa pessoa está. O acordo coletivo, pela MP, é de onde ela trabalhava”, diz. “É muito importante, muito correto, salvo se a empresa transferiu o trabalhador de local. Nesse caso é diferente. Aí tem que valer a convenção coletiva do novo local.”
Juliana também ressalta a importância do novo parágrafo 3º do artigo 75-C da CLT, incluído pela medida provisória. O texto diz que “o empregador não será responsável pelas despesas resultantes do retorno ao trabalho presencial, na hipótese do empregado optar pela realização do teletrabalho ou trabalho remoto fora da localidade prevista no contrato, salvo disposição em contrário estipulada entre as partes”. No seu entendimento, essa disposição está correta e livra as empresas de arcarem com despesas que não são delas.