Demissões em massa expõem problema antigo: líderes não sabem demitir

O colunista Rafael Souto ressalta que as empresas deveriam olhar com mais cuidado o processo de demissão dos funcionários – e explica o porquê

A demissão de funcionários é um tema difícil de ser tratado nas empresas. Ficou em segundo plano. O foco está em contratar e desenvolver os funcionários. A saída sempre foi tratada como um tema menos relevante.

No entanto, nos últimos meses o assunto ganhou destaque em função da onda de demissões nas startups. Pressionadas por resultados e com menos dinheiro disponível, precisaram apertar os cintos e cortar pessoas.

As demissões em massa e mal conduzidas expuseram um problema antigo: líderes não sabem conduzir desligamentos.

O caso de Vishal Greg, CEO da startup de serviços financeiros Better, que demitiu 900 pessoas em uma videoconferência, expôs a brutalidade de processos de saída terrivelmente conduzidos.

Em uma fala irônica, Greg disse: “se você está nessa reunião, não tenho boas notícias”. Em um tom prepotente, encerrou o contrato de trabalho. O episódio, que viralizou na internet e colocou o tema em evidência, é um fragmento do que acontece no dia a dia das empresas.

A consultoria Produtive, especializada em carreira, concluiu uma recente pesquisa sobre a saída de pessoas das organizações – o chamado ciclo de offboarding. Foram mais de 400 entrevistados que trabalharam em empresas de diversos setores. Os dados mostraram que as demissões são um ponto crítico: 60% dos demitidos perceberam que seu gestor não estava preparado para realizar o desligamento, 58% dos gestores não sabiam explicar o motivo da demissão e não tinham informações claras sobre os próximos passos, e 62% dos demitidos foram surpreendidos pela demissão. Ou seja, não tinham feedbacks anteriores ou sinalização do desligamento.

Em relação à segurança psicológica, também os dados não foram positivos: 45% dos desligados não sentiram espaço para obter mais informações e entender sua saída.

A demissão faz parte da vida corporativa, mas a forma de fazê-la é que define a percepção de quem sai. Para 56%, a forma de demitir foi mais impactante do que o ato em si. Esses dados expõem o quanto esse tema precisa ser aprofundado.

Empresas contemporâneas vêm discutindo como melhorar o clima interno. A saída das pessoas é fundamental porque mostra para quem fica como as pessoas são tratadas quando a relação de trabalho se encerra. Mostra a cultura da empresa para tratar uma questão crucial. Não faz sentido contratar bem e demitir de qualquer forma.

A demissão também tem íntima relação com a agenda ESG. Na pauta do envolvimento social da empresa, demitir é uma ação de alto impacto na comunidade. Além disso, as percepções do demitido irão determinar muito sobre a marca empregadora nas redes sociais e sites de avaliações de empresas. Isso afeta diretamente a atratividade para contratar.

O desafio está em tratar o desligamento como um processo e investir tempo no treinamento dos líderes. Quem demite também sofre e precisa ser preparado. É necessário pensar em um processo responsável e que seja estruturado. Organizar o desligamento para que seja feito de forma individual e com passos bem definidos.

A condução do desligamento deve dar transparência do porquê da saída. Também é fundamental ouvir o desligado, não com a intenção de rever a decisão, mas sendo empático aos sentimentos envolvidos. E, por fim, dar clareza e organização sobre os passos seguintes.

As entrevistas de desligamentos são uma boa forma de ouvir os demitidos e compreender oportunidades de melhoria. Na prática, ainda são mero protocolo e pouco levadas a sério. Um longo caminho segue aberto. O fato é que os danos gerados por demissões mal conduzidas são relevantes e construir uma marca forte passa pelo cuidado com aqueles que contribuíram com a organização.

Rafael Souto é sócio-fundador e CEO da Produtive Carreira e Conexões com o Mercado

https://valor.globo.com/carreira/coluna/maioria-dos-lideres-ainda-nao-sabe-demitir.ghtml

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