Cobrança sobre dividendo não inibe ‘pejotização’, afirma Appy

A tributação de dividendos, com isenção para os valores de até R$ 20 mil mensais pagos por empresas de pequeno porte, não deve ser grande desestímulo à chamada pejotização, fenômeno pelo qual o prestador de serviço se constitui como empresa e dessa forma recolhe os tributos, entre eles o Imposto de Renda (IR), como pessoa jurídica e não como pessoa física. O efeito das mudanças tributárias propostas pelo governo para o IR deve ser limitado sobre a pejotização, avaliam especialistas.

A opção pela tributação no lucro presumido, modelo usado na pejotização, continuará atraente para boa parte desses prestadores de serviços, aponta o economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF). A proposta do governo estabelece isenção para dividendos de até R$ 20 mil mensais e a redução da alíquota básica de IR para as empresas. A combinação das duas medidas, diz Appy, no caso de empresas que pagam dividendos no limite de R$ 20 mil mensais, vai reduzir a carga tributária sobre lucro das empresas do presumido dos atuais 9,6% para 7,6% a partir de 2023.

A conta considera carga de Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), base presumida de 32% já aplicada para o setor de serviços e um lucro equivalente a 80% do faturamento. E já considera a redução da alíquota básica de IR de 15% para 10% a partir de 2023, conforme proposto pelo governo. Na alíquota de IR de 12,5%, que seria a alíquota transitória a ser cobrada em 2022, de acordo com a proposta, a carga do presumido seria de 8,6% sobre o lucro, nos mesmos critérios.

Ser pessoa jurídica continua mais vantajoso do que ser tributado na pessoa física, como empregado, já que nesse caso a mudança proposta para a tabela progressiva reduz a carga de IR de 23% para 22%, compara Appy. As pessoas físicas, lembra, não estão submetidas à CSLL. O tributarista Eduardo Fleury, sócio do FCR Law, explica que a proposta do governo propõe a isenção de dividendos no valor de até R$ 20 mil mensais para as empresas de pequeno porte. Na definição da legislação atual isso engloba as empresas com faturamento anual de até R$ 4,8 milhões, mesmo que não estejam dentro do Simples. Fleury lembra que a opção pela tributação na pessoa jurídica geralmente considera também a tributação global, envolvendo não somente os tributos pagos pelo trabalhador como também pelo tomador de serviços. Teoricamente, diz, isso influencia no valor da remuneração do prestador de serviços. Quando se leva isso em consideração, a opção pelo lucro presumido continua ainda mais vantajosa.

Fleury exemplifica com uma renda mensal de R$ 40 mil. Nesse caso os tributos pagos como pessoa jurídica, no presumido, somariam R$ 9.972 – incluindo IR, CSLL, PIS/Cofins e 2% de ISS -, já considerando as mudanças propostas pelo governo a partir de 2023, inclusive com a tributação sobre dividendos A mesma renda, na tabela progressiva de pessoa física, pagaria IR de R$ 9.988,75. A contribuição previdenciária como trabalhador pessoa física, a ser paga pelo empregador, porém, seria de R$ 8 mil.

“Se as mudanças tiverem efeito de desestimular a pejotização, será muito pequeno, porque ser pessoa jurídica vai continuar sendo bom negócio. No fundo a ideia parece boa, mas a implementação é muito ruim”, avalia Appy. A isenção para dividendos de até R$ 20 mil mensais deve beneficiar a maior parte dos prestadores de serviços que estão hoje na pejotização, diz Pedro César da Silva, sócio da Athros Consultoria. O que pode mudar um pouco essa conta, diz ele, é a alteração do PIS e da Cofins, caso o caminho seja a unificação na Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), conforme proposta anterior do próprio governo federal.

Appy ressalta que os que têm renda de R$ 20 mil ao mês estão entre os 2% mais ricos do país. “A isenção é o pior aspecto do projeto do governo federal e vai beneficiar grande parte dessas pessoas jurídicas, que estão abaixo dos R$ 20 mil mensais em dividendos.”, diz Appy. Para o diretor do CCiF, é provável que a mudança resulte em planejamento por quem está acima dos R$ 20 mil em dividendos. A tendência será deixar o máximo de despesas na empresa em vez de colocar na pessoa física. Para o economista, um caminho melhor para o governo seria calcular o lucro na empresa e levar para a tabela de tributação de pessoa física. Fleury lembra um outro aspecto polêmico da proposta do governo federal. Para ele, a isenção de IR a dividendos de até R$ 20 mil mensais restrita a micro empresas e empresas de pequeno porte é contestável no Judiciário, sob o princípio constitucional da isonomia tributária.

VALOR ECONÔMICO

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