Bancos veem capital e crédito mais caros após reforma

A proposta de reforma do imposto de renda apresentada pelo governo caiu mal entre os bancos, que veem aumento do custo de capital e de crédito com as mudanças. As instituições financeiras serão diretamente afetadas pela tributação dos dividendos e o fim dos juros sobre o capital próprio (JCP), mas a insatisfação vai além disso. Executivos ouvidos pelo Valor sob a condição de anonimato afirmam que, do jeito que está, o texto vai afastar investimento produtivo e causar grandes danos à economia no longo prazo. Os bancos, assim como grande parte das associações empresariais, vinham defendendo uma reforma sem grandes invenções, que simplificasse a estrutura tributária do país. No entanto, veem no texto apresentado pelo governo o oposto. Sinal disso é que algumas das principais instituições financeiras do país criaram comitês internos para entender as implicações da proposta. Em pauta, estão não só os impactos sobre os resultados, mas também sobre os clientes com investimentos ou beneficiados pelas faixas de isenção.

Embora a questão ainda esteja em estudo, a sensação é de que a reforma “passa do ponto”, segundo um alto executivo de um grande banco. Para ele, a proposta tem “apelo populista” e foi desenhada para combater o que chama de “efeito Lula” – uma eleição mais difícil e polarizada entre Jair Bolsonaro e o ex-presidente petista. Isso porque amplia a faixa de isenção de pessoas físicas. Uma proposta ruim já era previsível, mas o texto levado ao Congresso é muito pior, diz outro graduado executivo de um dos maiores bancos do país. E é no Legislativo que o setor espera virar o jogo. A expectativa é que o projeto de lei seja modificado e é para isso que os bancos já vêm se movimentando. “O Congresso entende a realidade e o Planalto vive num mundo à parte”, diz a fonte.

Não por acaso, os bancos já vinham em trajetória de aproximação com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Em eventos com ambos promovidos pela Febraban alguns meses atrás, os banqueiros ouviram dos parlamentares que se empenhariam para o andamento das reformas. A proposta afeta o setor de duas maneiras principais. Uma delas é na veia, com a tributação dos dividendos e o fim da dedutibilidade do JCP. As instituições financeiras são grandes pagadoras de dividendos, e usam em abundância os juros sobre o capital próprio, o que ajuda a melhorar seus resultados. Um estudo do Bradesco BBI concluiu que, potencialmente, a dedutibilidade do JCP seria responsável por 13% do lucro líquido recorrente em 12 meses dos bancos brasileiros. “(…) De acordo com nossos cálculos, os potenciais benefícios fiscais do Banrisul e do ABC Brasil representariam 19% de seus lucros líquidos recorrentes nos próximos 12 meses, seguidos pelo Banco do Brasil (14%), Santander Brasil (13%) e Itaú (11%)”, dizem os analistas da casa no levantamento.

A outra forma pela qual os bancos temem ser afetados é indireta, por meio de uma piora no ambiente de negócios. A reforma, observa um interlocutor, alivia a tributação dos chamados “rentistas” (investidores da renda fixa) e penaliza o investidor de empresas. Mas esse é apenas um dos efeitos negativos. Para essa fonte, “vai destruir o mercado imobiliário” e afugentar empresas estrangeiras. “As multinacionais vão embora e as que estavam pensando em vir vão engavetar os planos”, afirma. Para outro alto executivo de um dos maiores bancos do país, com o fim da dedutibilidade do JCP “passa ser mais barato do ponto de vista tributário usar dívida do que capital, ou seja, incentiva descapitalização”. O executivo usa o exemplo de uma siderúrgica, atividade intensiva em capital. “Se fosse montar uma empresa do gênero, o grosso do financiamento é com capital próprio. Esses investimentos têm prazo longo e incerto e são investimentos tipicamente de capital e, ao desincentivar isso, desincentiva a figura do patrimônio, do capital próprio uma questão importante para que ocorra esse investimento de longo prazo.”

Para essa fonte, a medida terá consequências nocivas para os setores de https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg e indústria. “Nos tornamos uma economia só de commodities, de curto prazo, da mão para a boca.” Os bancos não estão sozinhos nessa leitura. A Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) fez alerta semelhante em comunicado após a divulgação da proposta, no fim de junho. “As empresas tenderão a buscar dinheiro em outras fontes que não o mercado de capitais, gerando maior busca por recursos que vão aumentar os juros. A proposta aumenta o custo Brasil, com reflexos inflacionários diretamente no bolso do brasileiro”, afirmou. O executivo da instituição alerta que haverá um efeito nocivo sobre o “spread” bancário. “Dentro do spread tem uma composição relevante de custos e os impostos fazem parte dos custos, que representam mais de 80% da carga. Isso gera um efeito maléfico à economia”, diz. Na prática, pode aumentar as taxas de juros do crédito.

Um aumento da carga tributária já havia sido apontado pelo setor no ano passado, quando foi apresentada a primeira fase da reforma, unificando PIS e Cofins. Sozinha, essa mudança “traz um acréscimo te R$ 6 bilhões de arrecadação anual sobre o setor financeiro”, afirma uma das fontes. No fim de junho, a Câmara também aprovou a medida provisória que elevou de 20% para 25% a CSLL incidente sobre bancos. A alíquota volta para 20% no ano que vem.

A taxação de dividendos é um ponto particularmente sensível para os bancos, embora nem todos os executivos sejam contrários à ideia. O governo propôs uma alíquota de 20% sobre os dividendos e a redução do imposto de renda sobre pessoa jurídica de 25% para 20%, escalonada em dois anos. O ministro da Economia, Paulo Guedes, já disse que “o mundo” tributa a distribuição de lucros e negou que haverá aumento da carga sobre as empresas. “A gente se surpreende com a inocência de certos argumentos, de que não tem nada de novo na tributação de dividendos”, diz um executivo de banco. Segundo esse interlocutor, a tributação vai recair não só sobre pessoas físicas, mas também nos dividendos intragrupo. “Muitas vezes precisamos estruturas separadas em uma holding por conta de regulação, por exemplo, que impede um CNPJ que atua em um segmento fazer negócios em outros. Várias holdings recebem dividendo e investem em outras empresas do mesmo grupo.”

A proposta teria perdido ainda a oportunidade de mudar uma assimetria em relação à tributação de subsidiárias brasileiras no exterior. “Somos obrigados a pegar todos os lucros das subsidiárias no exterior a cada ano e adicionamos os valores para tributação no Brasil, independentemente das regras fiscais do país em que estão.” Esse é um dos principais motivos pelos quais os bancos brasileiros não deram continuidade a seus planos de internacionalização. O Itaú Unibanco foi o que mais avançou no processo e tem uma operação relevante na América Latina.

Porém, alguns dos principais executivos do banco já afirmaram publicamente que voltariam a olhar ativos no exterior se houvesse redução da carga tributária. Outro aspecto negativo do projeto para aquisições, segundo os interlocutores, é o fim do benefício da amortização do ágio que possibilita às empresas que pagaram o valor excedente em uma aquisição recuperar parte do sobrepreço pago.

“Desincentiva a criação de multinacionais brasileiras”, afirma um deles. O tributarista Caio Augusto Takano aponta que o fim da dedutibilidade “vai aumentar o valor de qualquer operação societária”. A Abrasca também havia alertado sobre o efeito de afastar investidores. “(…) A proposta implicará aumento de impostos e prejuízo à captação de investimentos, num momento crucial em que o país necessita atrair capital e manter sua competitividade”, destacou.

Procuradas, a Febraban e a Associação Brasileira de Bancos (ABBC) não comentaram o assunto.

VALOR ECONÔMICO

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