Ajuste das contas públicas é indispensável para o crescimento

Com a deflagração da pandemia, era dominante entre os economistas a ideia de que, em 2020, o déficit primário do governo federal chegaria a 15% do PIB e que a dívida bruta (DBGG), conceito Banco Central, atingiria a barreira psicológica de 100% do PIB. Paulo Guedes falava em hiperinflação, em 2021, caso o Tesouro não conseguisse rolar os vencimentos dos seus títulos.

Apesar da pandemia e da expansão fiscal necessária para mitigar seus efeitos sobre a população, o desempenho fiscal, em 2020, não foi tão catastrófico. O déficit primário do governo federal foi de 10% do PIB, significativamente menor do que era previsto, e a relação DBGG/PIB ficou em 88,8%, bem aquém da tal barreira psicológica dos 100%. A hiperinflação, temida pelo ministro, mostrou-se pura fantasia.

Para 2021, no que pese o agravamento da covid-19, que levou à reedição de alguns socorros fiscais, o déficit primário do governo federal deverá ficar abaixo de 3% do PIB e a dívida bruta pouco acima de 86% do PIB, ou seja, registrará queda em relação ao fim do ano passado.

Já o resultado primário estrutural do governo geral, que considera os efeitos do ciclo econômico sobre as finanças públicas, foi ligeiramente positivo em 2020, de acordo com o Observatório de Política Fiscal da FGV. O mesmo deverá ocorrer em 2021.

São três as principais variáveis que determinam a sustentabilidade da dívida pública: a) a relação dívida/PIB atual; b) os resultados primários; e c) a diferença entre a taxa nominal de juro (r), que mede o custo de financiamento do governo, e a taxa de crescimento nominal do PIB (g). Quanto menor “r-g”, melhor para a solvência do governo.

Dado que o déficit primário tende a desaparecer na medida em que a economia caminhe para o pleno-emprego, a relação “r-g” é decisiva para a dinâmica da dívida. Há vasta literatura internacional e alguns trabalhos para o Brasil mostrando que razões estruturais, sobretudo demográficas, tendem a reduzir a taxa de crescimento potencial do PIB e, portanto, o juro de equilíbrio não inflacionário.

Apesar disso, o ajuste das contas públicas brasileiras é indispensável para a retomada sustentável do crescimento econômico. O ponto é que, nos cenários mais prováveis, não surge o problema de sustentabilidade da dívida. Trata-se, principalmente, de má alocação dos recursos públicos, que impossibilita a adoção de políticas que promovam o desenvolvimento econômico com maior justiça social.

Os gastos obrigatórios, principalmente com pessoal e previdência, tendem a continuar absorvendo parcela muito expressiva da arrecadação, o que retira a capacidade de investimento do governo. Uma das grandes limitações ao crescimento econômico é a falta de recursos para ciência e https://sindeprestem.com.br/wp-content/uploads/2020/10/internet-cyber-network-3563638-1.jpg, amparo à gestante e à infância, saneamento básico e infraestrutura complementares aos empreendimentos privados e, até mesmo, saúde e educação, para as quais se diz, erroneamente, que não faltam recursos.

Assim, são medidas necessárias, embora não suficientes, para a retomada do crescimento econômico: a) reforma administrativa profunda, que alcance também os atuais servidores; b) reforma tributária, que elimine a complexidade e as graves distorções alocativas do sistema atual, principalmente na tributação do consumo, em todos os entes federativos; e c) segunda geração da reforma da Previdência, que trate, entre outros pontos, do ajuste automático da idade mínima de aposentadoria de acordo com a evolução das expectativas de sobrevida, e do gasto excessivo com as aposentadorias dos funcionários públicos.

Infelizmente, o presidente Bolsonaro e seu confuso ministro da Economia não se mostram competentes nem dispostos a empreenderem políticas pró-crescimento, como as esboçadas aqui.

  • ECONOMISTA E DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORES. FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁRIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA

O ESTADO DE S. PAULO

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