Estadão
Índices sobem, preços de alimentos disparam e desabastecimento não dá trégua, o que faz o FMI acender alerta
Luciana Dyniewicz, O Estado de S.Paulo
A economia global está sob pressão. Nesta semana, o Fundo Monetário Internacional (FMI) publicou uma série de estatísticas que indicam um cenário turvo para o mundo todo – e a aceleração da inflação é uma das principais responsáveis por esse panorama. Além de reduzir a estimativa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) global para este ano de 4,4% para 3,6%, o FMI também disse projetar que a inflação “se mantenha elevada por mais tempo do que previa anteriormente” tanto nos países emergentes quanto nos desenvolvidos.
Em janeiro, o Fundo estimava que a alta dos preços neste ano ficaria em 3,9% nas economias avançadas e 5,9% nas emergentes. Agora, esses números passaram para 5,7% e 8,7%, respectivamente.
Para o Brasil, o órgão estima inflação de 8,2% em 2022 e 5,1% em 2023. Para os Estados Unidos, a projeção é de 7,7% neste ano. Se confirmado, o número ficará 5,2 pontos porcentuais acima da meta da inflação. O Departamento do Trabalho americano divulgou, na semana passada, que os preços estão avançando a um ritmo que não se via há 40 anos.
Na Europa, os números também batem recordes, principalmente devido ao aumento da energia, fornecida em grande parte pela Rússia. Na Alemanha, a inflação dos últimos 12 meses chegou a 7,3% em março, o maior patamar registrado desde a unificação do país, em 1990. O Fundo estima que a economia alemã termine o ano com inflação de 5,5%, também acima da meta de 2% da zona do euro.
Futuro
O documento do FMI destaca que problemas de abastecimento decorrentes da guerra na Ucrânia vão ampliar ainda mais as pressões que já vinham sendo registradas nos preços, principalmente em energia, metais e alimentos. O órgão também afirma que os gargalos de produção – que surgiram com a pandemia e são uma das causas da inflação – podem durar até 2023.
O economista-chefe da Santander Asset, Eduardo Jarra, também já vê o próximo ano com preocupação. Antes da guerra, ele trabalhava com a hipótese de que as cadeias de produção e fornecimento se normalizariam em 2022, ano em que os Bancos Centrais (BCs) também fariam um aperto monetário, elevando os juros. Tudo isso garantiria um retorno da inflação de diferentes países para meta. “Jogamos todas essas projeções para frente. Atrasamos a normalização em um ano”, diz.
Agora, o cenário base da Santander Asset é de inflação na meta apenas em 2024. Os riscos para que isso ocorra ainda mais tarde, no entanto, são altos, acrescenta o economista. “Tem o risco de as cadeias demorarem um pouco mais para se normalizarem e de os BCs estarem mais atrasados (no aperto monetário). Em uma escala de risco de um a cinco, o risco seria quatro”, acrescenta Jarra.
Na visão do chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia (FGV/Ibre), José Júlio Senna, “há uma enorme dificuldade para enxergar quando a inflação vai perder o ritmo”. O economista explica que a inflação atual decorre sobretudo de fenômenos observados na pandemia: um aumento de liquidez promovido pelos governos para evitar a crise quando a quarentena foi imposta, gargalos na produção que surgiram com fechamentos abruptos de fábricas e aumento na demanda por bens, em detrimento de serviços, também durante a quarentena. “É uma inflação de pandemia, e pandemia é um evento raro. Então, não existe um protocolo e é difícil entender até onde o processo vai.”
Senna destaca também que uma possível mudança estrutural no mercado de trabalho das economias avançadas, sobretudo na dos Estados Unidos, pode pressionar ainda mais a inflação nos próximos meses. Nesses países, observa-se falta de mão de obra desde o ano passado. Parte da população está menos disposta a trabalhar nas condições de antes da pandemia. Outra parcela se tornou autônoma.
Houve também a redução de imigrantes devido ao fechamento de fronteiras. Esses fatores têm obrigado as empresas a pagar mais para conseguir contratar, elevando a inflação. “Quando o mercado de trabalho está pressionado, a cara da inflação fica pior e mais preocupante. E é esse o ponto em que estamos”, diz Senna.
Recessão
Além de prejudicar a população ao reduzir a renda disponível das pessoas, a inflação alta também preocupa porque deve levar os BCs em todo o mundo a adotar medidas para tentar controlá-la. A principal delas é aumentar a taxa de juros, dificultando a concessão de crédito na economia e, assim, reduzindo a demanda por serviços e bens.
Economistas têm se preocupado, entretanto, com a possibilidade de os EUA terem de elevar muito a taxa de juro, o que poderia provocar uma recessão no país em 2023 ou 2024, derrubando a economia global. Esse não é o cenário mais provável por ora, segundo analistas ouvidos pelo Estadão, mas a probabilidade tem crescido.
Em relatório do início deste mês, o Itaú Unibanco afirmou que um de seus modelos sugere probabilidade de recessão de 50% nos EUA nos próximos dois anos. Já o modelo do Fed (Federal Reserve, o BC americano) de Nova York indica risco de 30%. “O sentimento ainda é de uma economia forte neste ano e uma desaceleração em 2023, que chamamos de pouso suave. Mas há um risco (de recessão) crescente”, diz André Matcin, economista do Itaú.
O banco projeta que, neste ano, a economia americana deverá crescer 3,2% e, em 2023, 2%. A desaceleração será puxada pelo aumento da taxa básica de juros para o patamar entre 3,75% e 4% – hoje está entre 0,25% e 0,5%.
Jarra, da Santander Asset, também trabalha, por enquanto, com uma desaceleração gradual do PIB dos EUA como cenário base, mas frisa que o risco de recessão é “considerável”. “A inflação vindo mais alta do que imaginamos leva o Fed a uma postura mais agressiva. Aí aumenta a chance de uma aterrissagem rápida e, eventualmente, uma recessão em 2023 e 2024. Esse cenário seria de desaceleração global forte e bastante negativo para os emergentes.”
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