O ânimo com o desempenho melhor da atividade fez pouca diferença nas avaliações sobre o mercado de trabalho, que deve seguir em reação lenta e com uma taxa de desemprego elevada, a despeito de um PIB que pode crescer mais de 5% em 2021. Segundo a mediana de estimativas de 28 consultorias e instituições financeiras ouvidas pelo Valor Data, a fatia de desempregados na força de trabalho ficará em 14,3% na média do ano. Este seria o nível recorde da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, iniciada em 2012. Embora o Brasil não esteja vivenciando uma “jobless recovery” – expressão em inglês para uma recuperação sem geração de vagas -, economistas apontam que a dinâmica desigual da retomada, em que setores mais informais da economia estão patinando, faz com que o emprego responda com defasagem ainda maior ao aquecimento da atividade. Nesse cenário, enquanto o PIB já recuperou as perdas da pandemia no primeiro trimestre, a população ocupada só deve voltar ao nível précovid no fim do ano ou no começo de 2022.
Coordenadora técnica do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre), Silvia Matos afirma que a visão sobre o mercado de trabalho segue negativa, em contraste à percepção mais favorável em relação à atividade. A entidade projeta que a taxa média de desemprego vai aumentar de 13,5% no ano passado para 14,7% neste ano. “Temos mais PIB, mas sem emprego”, diz Silvia. O motivo para o descasamento maior entre os dois indicadores, para ela, é a recuperação heterogênea: “outros serviços”, serviços de transporte e construção civil estão crescendo em ritmo mais fraco e são setores mais intensivos em mão de obra, o que prejudica a retomada do emprego e da renda.
“Apesar da melhora das projeções macroeconômicas, continuamos com uma visão cautelosa sobre o mercado de trabalho brasileiro, que permanece muito fragilizado”, diz Lucas Assis, economista da Tendências Consultoria. A Tendências começou o ano projetando expansão de 2,7% para o PIB em 2021, número que hoje está em 4,4%. No mesmo período, a estimativa para o avanço da população ocupada no ano quase não mudou: passou de 3,7% para 4%. Caso essa perspectiva seja concretizada, o contingente de 92,2 milhões de ocupados que havia no país no primeiro trimestre de 2020 será retomado apenas ao fim do ano, aponta Assis, enquanto o PIB recuperou o patamar pré-pandemia em março. Naquele mês, o total de pessoas ocupadas era de 85,6 milhões, ainda 7% abaixo do nível anterior ao surto de covid-19.
Já a taxa de desemprego deve subir a 14% na média anual para a consultoria. “A economia está mais resiliente por outros fatores que não o mercado de trabalho, que vai demorar para retomar”, afirma Assis. Ele destaca a dificuldade dos trabalhadores informais, especialmente de serviços, em se recolocar no mercado como um fator limitante para crescimento mais expressivo da geração de vagas, em sentido contrário ao maior dinamismo observado no mercado formal. Gabriel Couto, economista do Santander, pondera que os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) estão alinhados à recuperação mais rápida da atividade. Por essa métrica, que registra o saldo entre admissões e demissões de empregados com carteira, após a perda de 1,15 milhão de vagas celetistas entre março e junho do ano passado, houve recuperação de 2,31 milhões desde então. “Mas o mercado informal está em situação muito ruim. É uma parcela que, em tempos normais, representa 40% do total dos empregos no Brasil e não mostrou quase nenhuma recuperação.”
No trimestre terminado em março, enquanto a população ocupada diminuiu 7,1% sobre igual intervalo do ano anterior, a ocupação de trabalhadores sem carteira na iniciativa privada caiu 12,1%. Nos trabalhadores domésticos informais, a retração chega a 17,1%. Segundo Couto, as medidas de distanciamento social penalizaram mais atividades que dependem de interação, o que se reflete negativamente no nível de emprego desses setores. Conforme a vacinação avançar e a economia tiver reabertura maior no segundo semestre, o emprego informal tende a crescer em ritmo mais alinhado ao formal, diz Couto, mas o desemprego deve seguir alto. Isso porque a crise e as medidas de isolamento fizeram muitas pessoas desistir de buscar uma vaga. Com uma parcela maior da população vacinada, elas devem voltar ao mercado, que não vai absorver todo esse contingente. Por isso, com o ajuste sazonal do banco, o Santander estima que a taxa de desemprego vai subir um ponto entre 2020 e 2021, a 14,2%.
O caráter atípico da crise da covid-19, que retirou muitas pessoas da força de trabalho, e o método de coleta da Pnad, agora feita por telefone, adicionam ainda mais incertezas para estimar o comportamento do desemprego daqui em diante, observa Cosmo Donato, economista da LCA Consultores. De qualquer forma, o cenário melhor para a atividade – a LCA passou a trabalhar com alta de 5% do PIB este ano – vai ajudar na retomada do mercado de trabalho, que deve ganhar mais tração a partir do terceiro trimestre, avalia Donato. Mesmo assim, ainda há um longo caminho a percorrer, diz o economista, para quem o total de ocupados só vai voltar ao nível anterior à covid no primeiro trimestre de 2022. Na série dessazonalizada por ele, a população ocupada era de 93,9 milhões em fevereiro de 2020 – o patamar pré-crise -, caiu a um piso de 81,9 milhões em agosto e, em março, estava em 86,3 milhões. “O mercado de trabalho está demorando mais para responder à retomada da atividade do que num ciclo recessivo normal.”
VALOR ECONÔMICO