Com o prolongamento da pandemia de covid-19, 33,8% das empresas já preveem voltar ao trabalho presencial nos escritórios apenas em 2022, enquanto 66,2% já voltaram ou esperam que isso ocorra ao longo deste ano, conforme pesquisa da consultoria KPMG. Ainda assim, o “home office” veio para ficar, já que, mesmo com o avanço da vacinação, 87,3% dos entrevistados disseram que suas empresas manterão um sistema híbrido com trabalho presencial e remoto, mostra o levantamento, obtido pelo Estadão.
À medida que foi ficando mais claro que a pandemia demoraria para passar, a expectativa de retorno aos escritórios foi sendo adiada sucessivamente, o que pode ser observado na comparação das diferentes edições da pesquisa da KPMG. A consultoria vem realizando o levantamento desde o início da pandemia, em 2020 – a quinta edição, a mais recente, é referente a março passado, e ouviu 361 executivos de empresas localizadas em todo o País.
A Locaweb, empresa especializada na hospedagem de sites da internet, desistiu de fixar uma data de retorno. Ao longo de 2020, a direção da empresa ainda dava sinalizações de prazo para a volta do trabalho presencial aos empregados, mas, hoje, “não falamos mais em tempo”, disse Simony Morais, diretora de Gente e Gestão da companhia. “No mundo ideal, quando tiver vacina para todo mundo, voltaremos”, afirmou.
A quinta edição da pesquisa da KPMG foi a primeira a trazer respostas apontando 2022 como data de volta. A comparação do levantamento mais recente com a edição anterior, referente ao bimestre outubro-novembro do ano passado, sugere que a piora da pandemia neste início de ano pode ter levado empresas a voltarem atrás em seus planos de retorno.
“Um dos motivos para o recuo na decisão de voltar aos escritórios diz respeito ao trabalho híbrido”, disse o sócio de clientes e mercados da KPMG no Brasil e América do Sul, Jean Paraskevopoulos.
Os 87,3% dos entrevistados que disseram que suas empresas manterão um sistema híbrido com trabalho presencial e remoto, após o controle da covid-19, apontaram que o “home office” continuaria sendo usado de uma vez por semana a todos os dias. A resposta mais frequente (33,5%) foi que o trabalho remoto seria mantido três vezes por semana. “Isso já está acontecendo. Muitas empresas já tinham procedimentos de trabalho remoto e aceleraram sua implantação”, afirmou Paraskevopoulos.
É o caso da Locaweb, de acordo com Simony Morais, diretora corporativa de gente e gestão. Com a covid-19, a Locaweb passou todos os funcionários para o “home office”. Nos primeiros meses de pandemia, apenas os cerca de 40 empregados da área de “hardware” – os equipamentos que precisam de manutenção permanente – foram mantidos na sede, no Morumbi. Mesmo os cerca de 200 funcionários da área de suporte, responsáveis por atendimento telefônico a clientes, vêm trabalhando remotamente a maior parte do tempo durante a pandemia. Os demais aderiram em massa ao “home office”. A empresa abriu capital na Bolsa logo antes da pandemia, em fevereiro de 2020 e vem em acelerado crescimento, após a aquisição de dez empresas no último ano.
Embora não fixe data para voltar ao escritório, a Locaweb já decidiu adotar um modelo híbrido e terminou, em abril, uma reforma sede do Morumbi – que tem 11 mil metros quadrados, onde trabalhavam, antes da pandemia, em torno de mil funcionários. Em vez de mesas fixas com nomes e objetos pessoais dos empregados, o novo espaço terá mais espaços colaborativos, como mesas para até dez pessoas ocuparem ao mesmo tempo.
Morais estima que de 10% a 20% do total de empregados passarão permanentemente para o trabalho remoto. Nos últimos meses, a Locaweb tem feito seleções para vagas que podem ser remotas, ou seja, os profissionais interessados podem se candidatar para trabalhar de casa, onde quer que morem no País – o programa de trainees será nesses moldes. Permanentemente no escritório, ficarão apenas os funcionários responsáveis pelo “hardware” e os 200 do atendimento, quando a pandemia permitir.
Segundo Paraskevopoulos, da KPMG, o sistema híbrido não significa acabar de vez com os escritórios, afinal, “somos seres sociáveis”, mas o trabalho presencial poderá ser dedicado a atividades com “benefícios claros”, como reuniões ou treinamentos que realmente sejam mais eficazes quando feitos pessoalmente. Assim, os escritórios terão menos mesas de trabalho individual e mais espaços de convivência e salas de reunião.
Novo modelo de trabalho
A incorporadora imobiliária Vitacon também está desenhando a nova sede conforme um modelo híbrido de trabalho. O novo escritório, num prédio que está sendo modernizado no Jardim Paulista, terá metade das estações de trabalho individual de hoje. Atualmente, o setor administrativo da Vitacon ocupa 628 metros quadrados, com 75 postos de trabalho. No novo prédio, terá 526 metros quadrados e 34 posições. A ideia é mudar daqui a um mês, disse o presidente da empresa, Ariel Frankel.
Assim como a Locaweb, a Vitacon vinha colocando em prática um plano de digitalização dos processos, com passibilidade de trabalho remoto, há cerca de quatro anos e meio.
Apesar de permitido, o “home office” era “tímido e pontual”, até que a pandemia acelerou as mudanças. Logo após a chegada da covid-19 no País, a empresa montou um “comitê de crise” e passou a maioria dos empregados para o trabalho remoto “em 48 horas”. Nos meses seguintes, deixou a decisão de ir ao escritório como opção de cada profissional. Na prática, em torno de 80% do pessoal administrativo e 50% do pessoal de vendas passaram a trabalhar remotamente.
“A pandemia exigiu isso, mas percebemos rapidamente que as mudanças eram positivas”, afirmou Frankel.
Agora, embora não estabeleça uma data para voltar de vez ao escritório, a Vitacon seguiu adiante com a nova sede, aderindo ao trabalho híbrido de qualquer forma. Além de estações de trabalho flexíveis e mais salas de reunião, a nova sede terá um café aberto para a cidade, uma loja de experiência da marca – com um apartamento decorado e interfaces digitais para autoatendimento de informações sobre seus empreendimentos.
Retorno dos negócios
Mesmo com a expectativa de um crescimento econômico mais forte neste início de ano do que se esperava inicialmente, a maioria dos executivos de grandes companhias espera que a normalidade nos negócios após a crise causada pela covid-19 ainda levará de seis meses a um ano para se restabelecer, conforme pesquisa da consultoria KPMG. De um total de 55 empresários e altos executivos, 74,5% responderam que esperam a volta da normalidade nesse prazo, levando em conta que a vacinação está em andamento, mostra o levantamento, obtido pelo Estadão.
Apesar do otimismo com o impulso que a vacinação deverá dar às atividades, a primeira edição da pesquisa em 2021 confirma seguidos adiamentos nas expectativas de retomada plena, desde o ano passado. Ao longo das quatro edições da pesquisa que levou a campo em 2020, a KPMG constatou uma piora nas percepções sobre o desempenho dos negócios em 2021.
Na primeira edição do levantamento, no bimestre abril-maio de 2020, 31% dos entrevistados disseram que, diante do tombo no pior momento da pandemia de covid-19, o faturamento de 2021 poderia saltar mais de 25%. Na quarta edição, feita em outubro-novembro de 2020, apenas 10% apostavam numa retomada tão forte, enquanto 40% projetavam um faturamento com alta de 10% a 25% e 27% esperavam crescimento de até 10% sobre 2020. Na primeira edição de 2021, feita em março, a pesquisa não repetiu essa pergunta.
Para Jean Paraskevopoulos, a fixação da volta à normalidade para daqui a seis meses ou um ano emerge da pesquisa porque o avanço da vacinação é a variável mais importante no cenário atual. “A partir do momento em que se atinge certo nível de imunização, haverá um efeito elástico. Demanda e investimentos reprimidos virão muito rápido”, afirmou Paraskevopoulos.
Para o executivo, conforme a percepção dos executivos de grandes companhias, essa recuperação rápida virá no último trimestre deste ano e no início de 2022.
O ESTADO DE S. PAULO