O descaso no combate à pandemia de covid-19 cobrou seu preço. Uma escalada de mortes pela doença em meio ao colapso generalizado da infraestrutura hospitalar no país levou a restrições mais duras de circulação. Com isso, empresas dos setores de serviços, comércio e indústria que começavam a pagar dívidas e a recuperar-se de prejuízos temem uma nova onda de fechamento de empresas, demissões e inadimplência. Todos pedem medidas de apoio, como prorrogação de linhas de crédito e suspensão temporária no pagamento de impostos, para enfrentar as consequências e as incertezas provocadas pela segunda onda da pandemia no Brasil.
Há também quem, como a Federação das Associações Comerciais de São Paulo, defenda lockdowns localizados, com “critérios para evitar sacrifícios além do necessário”. Entidades ligadas ao comércio e serviços, em especial aqueles que dependem mais de circulação de pessoas, disseram temer pela sobrevivência das empresas. Em 2020 foram fechadas 75 mil, maior número desde recessão de 2016. A incerteza é tão grande que a Confederação Nacional do Comércio e Serviços (CNC) trabalha com três cenários, mas nem no mais otimista deles o número de lojas abertas compensaria as perdas do ano passado. No Rio, bares e restaurantes ameaçam não quitar a folha de salários que vence hoje e estimam pelo menos mil demissões por semana.
A situação é especialmente grave para as pequenas empresas. Nas indústrias de menor porte, a pressão extra com a alta dos insumos e o desabastecimento de matérias-primas se alia ao acesso mais restrito ao crédito e à demanda já enfraquecida. Quase um quinto da pequena indústria depende do cheque especial para capital de giro, segundo o sindicato da categoria, o Simpi. O setor, assim, como comércio, quer a prorrogação da carência das parcelas do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe). Para a FecomercioSP, a medida seria importante para garantir, durante as duas semanas que devem durar a fase vermelha no Estado, a sobrevivência de pequenas empresas, que representam cerca de 95% do setor. A entidade ainda calcula que a fase vermelha do Plano SP vai gerar uma perda de faturamento de cerca de R$ 11 bilhões em março. Representantes de bares e restaurantes do país preveem queda de 30% na receita do primeiro trimestre relação ao ano passado e já reduziram a expectativa para o faturamento do ano em R$ 20 bilhões, para R$ 215 bilhões.
Ainda na indústria, sem um avanço da vacinação no país, o setor deve perder o vigor demonstrado no fim do ano passado e início deste, quando já houve alguma perda de dinamismo por causa do fim dos estímulos como o auxílio emergencial, diz o economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Rafael Cagnin. “Podemos entrar em um período de crescimento muito irregular, a depender da abertura ou fechamento da economia, mesmo que, no agregado do ano, a indústria tenha algum crescimento”. As incertezas, afirma ele, vão bater na atividade de uma forma geral. Mas as opiniões sobre o desempenho da indústria brasileira são desiguais. Para alguns, como Rodrigo Nishida, da LCA Consultores, mais que os lockdowns, a percepção de aumento de risco e a pressão no câmbio e na inflação são fatores que podem complicar o desempenho das empresas. Para outros, como Luana Miranda, do Ibre-FGV, a piora da pandemia pode esfriar a recuperação do setor industrial pelo canal da perda de renda das famílias, que afeta o consumo.
VALOR ECONÔMICO