Brasil tem avanço artificial de salário médio, diz OIT

Num cenário de incertezas quanto aos desdobramentos das múltiplas crises associadas à covid-19, há previsões muito preocupantes, como a que fez António Guterres, secretário-geral da ONU, na reunião do G-20 realizada no fim de semana passado: “(…) o mundo em desenvolvimento está à beira da ruína financeira e da crescente pobreza, fome e sofrimento indizível”.

A pandemia de covid-19 provocou queda ou crescimento mais lento dos salários no primeiro semestre deste ano em dois terços dos países dos quais a Organização Internacional do Trabalho (OIT) tem dados oficiais, segundo o “Relatório Mundial Sobre os Salários 2020-21”. A previsão é que a crise deverá continuar pressionando fortemente as remunerações para baixo, num contexto já complicado do ponto de vista sanitário, econômico e social. Além disso, em vários países, como Brasil, Canadá, EUA e França, os salários médios parecem ter aumentado de “maneira amplamente artificial”, mas se trata do chamado efeito composição. Nesses países, a média salarial visivelmente cresceu em razão da supressão de empregos, que atingiu essencialmente os que tinham remuneração mais baixa. Ou seja, essa situação falseou a curva média dos pagamentos.

“No Brasil, os dados mostram artificialmente que os salários aumentaram, mas houve um aumento significativo de demissões na faixa mais baixa de salários, e muitos que continuam no mercado de trabalho estão sobretudo nas faixas do meio e alta”, afirmou Rosália Vasquez-Alvarez, economista da OIT especializada em salários. Na outra ponta, a pressão à baixa dos salários foi observada em países como Coreia do Sul, Japão e Reino Unido. Globalmente, o valor do salário médio mensal em 2019 foi de US$ 486 pelo critério de paridade do poder de compra (PPC, que reflete melhor o custo de vida de cada país). Varia de US$ 5 por mês em Uganda a US$ 2.433 em Luxemburgo. Nas Américas, o salário mínimo médio era de US$ 668 (PPC), variando de US$ 289 no México a US$ 1.612 no Canadá. No Brasil, o salário mínimo em PPC era de US$ 443, o quarto mais baixo entre 32 países pesquisados nas Américas.

Também há diferenças entre remuneração mínima em determinadas profissões. Assim, segundo a OIT, um advogado no Rio de Janeiro tem direito a um salário mínimo que excede o salário mínimo federal nos EUA. Para a OIT, a pandemia continua a amplificar as desigualdades e pobreza entre países e no interior dos países, já que nem todos os trabalhadores foram atingidos pela crise de maneira idêntica. As consequências para as mulheres, por exemplo, têm sido mais graves. Uma estimativa baseada em dados de 28 países europeus mostra que, sem subvenção salarial, as mulheres teriam perdido 8,1% de seu salário no segundo trimestre de 2020, ante 5,4% para os homens. A crise atingiu de maneira desproporcional também os trabalhadores com salários mais baixos, agravando as desigualdades, inclusive nos países desenvolvidos. O salário mínimo existe em 90% dos 187 países-membros da OIT. No mundo, dos 327 milhões de assalariados com remuneração igual ou inferior ao salário mínimo, nada menos de 266 milhões (15% dos assalariados globalmente) recebem abaixo do pagamento mínimo em vigor, porque a legislação não é aplicada ou porque eles foram excluídos.

“O crescimento das desigualdades deflagrada pela crise de covid-19 ameaça deixar atrás dela a pobreza e a instabilidade social e econômica, o que seria desastroso”, afirmou Guy Ryder, diretor-geral da OIT. “Se queremos realmente construir um futuro melhor, precisamos responder questões incômodas, por exemplo, o fato de saber porque profissões com valor social elevado, como enfermeiros e professores, são frequentemente tão mal pagos”, completou. Ainda de acordo com a OIT, o Brasil foi um dos sete países das Américas que registraram queda de produtividade do trabalho entre 2010-2019. Em relatório global sobre os salários, a entidade mostra que o salário mínimo real nas Américas aumentou em 24 países e diminuiu em oito, enquanto a produtividade declinou em sete.

No Brasil, o salário mínimo teve alta de 1,9% na média anual, enquanto a produtividade do trabalho declinou 0,2% no país. No ano passado, o salário mínimo no país cresceu 0,4% em termos reais comparado a 1,5% em 2018. Em comparação, no México houve altas de 2,9% e 1,4% respectivamente entre 2010-2019. Na Bolívia, de 9,1% e 3,1%. Além do Brasil, houve queda de produtividade no período em Argentina (0,9%), Bahamas (0,6%), Suriname (0,4%), Barbados (0,1%), Trindade e Tobago (1,1%) e Belize (0,4%). Na apresentação do relatório à imprensa internacional, Rosalia Vazquez-Alvarez atribuiu queda da produtividade à economia informal. A estimativa de diferentes organizações é de que quase metade da mão de obra trabalha na economia informal no país. Globalmente, conforme a OIT, baixos ganhos na economia informal normalmente refletem baixa produtividade de empregos informais

VALOR ECONÔMICO

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